quarta-feira, 28 de outubro de 2020

A.167.Adoro você - Andréa Borba Pinheiro


Adoro o jeito carinhoso com que você me olha.
Adoro quando me fala com a voz aveludada.
E a simples maneira com a qual você me toca,
me faz suspirar e me derreter toda.
Adoro quando você desfaz na minha beleza,
pois ai, sei que me achas irresistível.
Adoro o seu sorriso gentil ao me enxergar.
Adoro você e isso nunca vai mudar.
Adoro quando você senta ao meu lado,
e se encosta em mim, inocentemente sedutor,
olhando nos meus olhos profundamente,
me matando de tanto ardor.
Te adoro, posso até hesitar,
mas te quero, apesar de não demonstrar...
Te chamo, e quero que você ouça:
Quer ser o meu rapaz?
Eu posso ser sua moça..

A.166.Antropólogo - Ana Paula Pedro


Explorar teus subterrâneos
desvendar teus mistérios
navegar por teus trilhos
ultrapassar teus portais
percorrer tuas curvas
conhecer tuas lendas
penetrar tuas fendas
avistar teus perigos
amar tua geografia
perder-me em ti
nesta hora
todo dia
agora

A.163.Anônimo - Ana Cristina Serra


Sou linda; quando no cinema você roça
o ombro em mim aquece, escorre, já não sei mais
quem desejo, que me assa viva, comendo
coalhada ou atenta ao buço deles, que ternura
inspira aquele gordo aqui, aquele outro ali, no
cinema é escuro e a tela não importa, só o lado,
o quente lateral, o mínimo pavio. A portadora deste
sabe onde me encontro até de olhos fechados;
falo pouco; encontre; esquina de Concentração com Difusão,
lado esquerdo de quem vem, jornal na mão, discreta.

A.165.A inocência era uma doce - André Motta


A inocência era uma doce
e reconfortante mornidade
então conheci o amor
Chegou de manso, pé ante pé,
e foi tomando conta sem resistências
pois agora eu tinha você
E quando foste embora
conheci a calma e amarga solidão
mas ainda havia esperança
Esperança que tudo fosse um sonho
que um dia você voltaria e, talvez,
juntos outra vez...
até que fui apresentado a conformidade,
quando me tornei mais um monte
de carne que vaga por estas ruas
corrompido, solitário e humano.

A.164.Anjo Negro - Andre Motta


Sou a máscara
que te esconde
Sou o ébano
a desgraça
Persegui
os seus amores
Descartei-os
feito podres
Maculo com
sangue
os piores temores
Pois de mim
só há desgraça
E minha ira,
destilada em lábia
Convence,
destrói
e vai embora.

A.162.Acreditei..- Ana Cristina Serra


Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
pelo menos três rostos que amei
Num delírio de arquivísitca
organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
e amo em ti os outros rostos.

A.161.A tarada num carro - Ana Cristina Pozza


Eu não minto
Eu invento
E se tomo vinho tinto
Logo me esquento!
Quando sinto,
Eu tento.
Percorro o labirinto,
Busco o vento.
Arranco o teu cinto,
Deixo-te sedento
Aí vejo o teu pinto
E sento

A.160.À imensidão azul - Ana Cristina Pozza


Num instante,
Como num passe de mágica,
Estamos frente à imensidão azul do mar,
Andando juntos,
De mãos atadas,
Com intervalos de beijos selados,
Nos lábios e no coração...!
Como na magia de um belo sonho,
Torno-me inteira como tu és
E ainda continuo sendo eu
Oferecendo-lhe o meu coração...
Tu confundes o teu corpo com o meu
Num entrelace de vida e de paixão...!
Há o mar,
a areia,
os morros,
o sol...
E há
nós
dois.Cerramos os olhos
E a chuva cai...
Pingos incessantes que nos fazem
Ser Água,
ser Desejo,
ser Amor...Nos amamos com sofreguidão
E somos um só
Na alma,
no corpo,
no coração...
Quando eu me perco
Me encontro no teu olhar
Para logo me perder no teu tocar...!
Olhos nos olhos,
Boca com boca,
Pele com pele
Corpo no corpo!A água do mar,
Os pingos dançando
E nós dois apaixonados a nos amar...!

A.159.As minhas asas - Almeida Garret


Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
- Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que m'as deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
- Veio a ambição, co'as grandezas,
Vinham para m'as cortar,
Davam-me poder e glória;
Por nenhum preço as quis dar.
Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
- Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas...
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.
Cegou-me essas luz funesta
De enfeitiçados amores...
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!
- Tudo perdi n'essa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Pena a pena me caíram...
Nunca mais voei ao céu.

A.158.Adeus - Almeida Garret


Adeus, para sempre adeus!
Vai-te, oh! vai-te, que nesta hora
Sinto a justiça dos céus
Esmagar-me a alma que chora.
Choro porque não te amei,
Choro o amor que me tiveste;
O que eu perco, bem no sei,
Mas tu... tu nada perdeste;
Que este mau coração meu
Nos secretos escaninhos
Tem venenos tão daninhos
Que o seu poder só sei eu.

Oh! vai... para sempre adeus!
Vai, que há justiça nos céus.
Sinto gerar a peçonha
Do ulcerado coração
Essa víbora medonha
Que por seu fatal condão
Há-de rasgá-lo ao nascer:
Há-de sim, serás vingada,
E o meu castigo há-de ser
Ciúme de ver-te amada,
Remorso de te perder.
Vai-te, oh! vai-te, longe, embora,
Que sou eu capaz agora
De te amar - Ai! se eu te amasse!
Vê se no árido pragal
Deste peito se ateasse
De amor o incêndio fatal! -
Mais negro e feio no inferno
Não chameja o fogo eterno.
Que sim? Que antes isso? - Ai, triste!
Não sabes o que pediste.
Não te bastou suportar
O cepo-rei; impaciente
Tu ousas a deus tentar
Pedindo-lhe o rei-serpente!
E cuidas amar-me ainda?
Enganas-te: é morta, é finda,
Dissipada é a ilusão.
Do meigo azul de teus olhos
Tanta lágrima verteste,
Tanto esse orvalho celeste
Derramado o viste em vão
Nesta seara de abrolhos,
Que a fonte secou. Agora
Amarás... sim, hás-de amar,
Amar deves... Muito embora...
Oh! mas noutro hás-de sonhar
Os sonhos de oiro encantados
Que o mundo chamou amores.
E eu réprobo... eu se o verei?
Se em meus olhos encovados
Der a luz de teus ardores...
Se com ela cegarei?
Se o nada dessas mentiras
Me entrar pelo vão da vida...
Se, ao ver que feliz deliras,
Também eu sonhar... Perdida,
Perdida serás - perdida.
Oh! vai-te, vai, longe embora!
Que te lembre sempre e agora
Que não te amei nunca... ai! não;
E que pude a sangue frio,
Covarde, infame, vilão,
Gozar-te - mentir sem brio,
Sem alma, sem dó, sem pejo,
Cometendo em cada beijo
Um crime... Ai! triste, não chores,
Não chores, anjo do céu,
Que o desonrado sou eu.
Perdoar-me tu?... Não mereço.
A imundo cerdo voraz
Essas pérolas de preço
Não as deites: é capaz
De as desprezar na torpeza
De sua bruta natureza.
Irada te há-de admirar,
Despeitosa, respeitar,
Mas indulgente... Oh! o perdão
É perdido no vilão,
Que de ti há-de zombar.
Vai, vai... para sempre adeus!
Para sempre aos olhos meus
Sumido seja o clarão
De tua divina estrela.
Faltam-me olhos e razão
Para a ver, para entendê-la:
Alta está no firmamento
Demais, e demais é bela
Para o baixo pensamento
Com que em má hora a fitei;
Falso e vil o encantamento
Com que a luz lhe fascinei.
Que volte a sua beleza
Do azul do céu à pureza,
E que a mim me deixe aqui
Nas trevas em que nasci,
Trevas negras, densas, feias,
Como é negro este aleijão
Donde me vem sangue às veias,
Este que foi coração,
Este que amar-te não sabe
Porque é só terra - e não cabe
Nele uma ideia dos céus...
Oh! vai, vai; deixa-me, adeus!
"Nem tágides nem musas:
só uma força que me vem de dentro,
de ponto de loucura, de poço
que me assusta,
seduzindo"