quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
Crônica.V.003.Vozes do Subsolo - Fiodor Dostoievski
"Todos nós estamos desacostumados da vida, todos capengamos, uns mais outros menos. Desacostumamo-nos mesmo a tal ponto que sentimos por vezes certa repulsa pela 'vida viva', e achamos intolerável que alguém a lembre a nós. Chegamos a tal ponto que a 'vida viva' autêntica é considerada por nós quase um trabalho, um emprego, e todos concordamos no íntimo que seguir os livros é melhor. (...)
Bem, experimentai, por exemplo, dar-nos mais independência, desamarrai a qualquer de nós as mãos, alargai o nosso círculo de atividade, enfraquecei a tutela e nós... eu vos asseguro, no mesmo instante pediremos que se estenda novamente sobre nós a tutela. (...)
E no que se refere a mim, apenas levei até o extremo, em minha vida, aquilo que não ousaste levar até a metade sequer, e ainda tomaste a vossa covardia por sensatez e assim vos consolastes, enganando-vos a vós mesmos. Olhai melhor! Nem mesmo sabemos onde habita agora o que é vivo, o que ele é, como se chama. (...)
Para nós é pesado até ser gente, gente com corpo e sangue autênticos, próprios; temos vergonha disso, consideramos tal fato um opróbrio e procuramos ser uns homens gerais que nunca existiram. Somos natimortos, já que não nascemos de pais vivos, e isto nos agrada cada vez mais. Em breve, inventaremos algum modo de nascer de uma idéia. Mas chega, não quero mais escrever do subsolo”.
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