terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Crônica.A.017.A maior dor - Simone de Beauvoir


A maior dor na vida não é morrer, mas ser ignorado.
É perder alguém que nos amava e que depois deixou de se importar.
É sermos deixados de lados por quem tanto nos apoiava.
É constatar que esses são os resultados das nossas negligências.
A maior dor na vida não é morrer, mas ser esquecido.
É ficar sem um cumprimento após uma grande conquista.
É não ter um doce e amigo telefonando só para dizer "olá".
É ver a indiferença num rosto quando abrimos nosso coração.
O que muito dói na vida é ver aqueles que foram nossos amigos sempre muito ocupados quando precisamos de alguém para nos consolar e ajudar a reerguer o nosso espírito.
É quando parece que nas aflições sobramos somente nós nos importando com nossas tristezas. Muitas dores nos afetam, mas isso pode não ser tão pesado se formos mais presentes e atenciosos.
Cada um de nós tem um papel para desempenhar no teatro que chamamos vida.
Cada um de nós tem o dever de dizer ao outro que o amamos.
Se você não se importa com seus companheiros de jornada, você não será punido apenas acabará simplesmente ignorado.... esquecido.... exatamente como faz com eles...
As palavras acima foram escritas por uma jovem que cometeu suicídio. Talvez se as pessoas que rodeavam tivessem demonstrado um pouco de amor e tivessem lhe prestado mais atenção, sua morte poderia ter sido evitada. Lembramos que podemos perceber nas expressões faciais quando alguém está triste, solitário e até mesmo com pensamentos de suicídio.
Precisamos sentir mais profundamente cada pessoa que entra em nossa vida, dividir com ela nossa amizade e dizer-lhe que ela é importante para nós.
Espero que você saiba que sempre estarei aqui.

VOCÊ É MUITO IMPORTANTE PARA MIM!!!!!

Crônica.A.016.As borboletas virão até você - Suely Pantojo Morrighan


Muitas vezes,
passamos um longo tempo de nossas
vidas correndo desesperadamente
atrás de algo que desejamos,
seja um amor, um emprego, uma amizade,
uma casa, etc.
Acredito, realmente,
que devamos nos empenhar para alcançarmos
o que queremos, no entanto,
se não estamos conseguindo,
provavelmente algo nesta busca está errado!

Não quero dizer que tudo tem de ser fácil,
ou muito menos que devemos desistir
quando as coisas se tornam difíceis .
Mas quero dizer que se nosso
esforço não está dando resultados,
é porque talvez não estejamos agindo da forma
mais adequada para atingir tais objetivos;
talvez Deus esteja querendo nos mostrar
que não estamos merecendo essa conquista.

Muitas vezes, a vida usa símbolos,
acontecimentos que são sinais para que
possamos entender que,
antes de merecermos aquilo que desejamos,
precisamos aprender algo de importante,
precisamos estar prontos e maduros
para viver determinadas situações.
Se isso está acontecendo na sua vida,
pare e reflita sobre a seguinte frase:

"Não corra atrás das borboletas.
Cuide do seu jardim e elas virão até você!"

Isso significa que, na verdade,
não precisamos correr desesperadamente
atrás daquilo que desejamos.
Devemos compreender que a vida segue
seu fluxo e que esse fluxo é perfeito.
Tudo acontece no seu devido tempo.

Nós, seres humanos,
é que nos tornamos ansiosos e estamos
constantemente querendo "empurrar o rio".
O rio vai sozinho,
obedecendo o ritmo da natureza.
Ao tentarmos empurrá-lo,
estaremos apenas desperdiçando nossas energias
e correndo o risco de nos sentirmos frustrados,
pois o máximo que conseguiremos será
uma enchente ou algum outro tipo de desastre.
O grande segredo da conquista
é lembrarmos sempre que, subir ao pódio,
erguer a taça da vitória ou comemorar os objetivos
alcançados nada mais são que os resultados,
as conseqüências de muito esforço,
de muita luta e de muito trabalho.
São, enfim,
o prêmio merecido para quem deu o melhor de si!
Então,
ao invés de nos concentrarmos no final da batalha,
que tal começarmos a nos dedicar
e a aproveitar mais todo o caminho que
precisamos percorrer até chegarmos lá ! .
É isso que quero dizer com a frase sobre as borboletas.
Se passarmos todo o tempo desejando
as borboletas e reclamando porque elas
não se aproximam da gente,
mas vivem no jardim do nosso vizinho,
elas realmente não virão.
Mas se nos dedicarmos a cuidar de nosso jardim,
a transformar o nosso espaço (a nossa vida)
num ambiente agradável, perfumado e bonito,
será inevitável:
as borboletas virão até nós!
Ou seja,
seremos merecedores de tudo o que
desejarmos de bom...

Crônica.A.015.A primeira vez - J.B.Xavier


Sou uma garota bem moderninha, tenho 16 aninhos e um corpinho que põe loucos todos os garotos do bairro. Mas, na hora do "vamos ver" eu "afino", dou uma desculpa e nunca consigo ir em frente. Mas, desta vez vai ser diferente. Prometi isso a mim mesma. Bom, ele chegou-se para mim calmo e com um sorriso cálido nos lábios. Sob aquele olhar enigmático, fui me reclinando automaticamente, enquanto meus músculos se contraíam. Ainda tentei afastá-lo enquanto pensava numa desculpa, mas ele insistiu, aproximando-se cada vez mais. Delicadamente, perguntou se eu estava com medo. Claro, sacudi a cabeça negativamente e deixei-o ir em frente. Ele tem muita experiência, e aos poucos estava apalpando-me nos pontos certos e o toque de seus dedos faziam-me estremecer. Meu corpo ficou tenso, mas ele fez tudo de maneira muito gentil, como tinha prometido. Então senti que algo muito especial iria acontecer. Ele olhou no fundo dos meus olhos e pediu que confiasse nele. Disse-me que fizera isso muitas vezes, e, portanto, sabia que iria dar tudo certo. O sorriso dele fez com que eu relaxasse e me abrisse ainda mais, para facilitar as coisas. Uma certa ansiedade foi tomando conta de mim, e numa agonia sem fim, pedi que ele fosse mais rápido. Ele sequer me ouviu, e continuou trabalhando lentamente, cuidando para que eu não sentisse dor. À medida que foi forçando, pedia que eu me abrisse mais e mais, até que comecei a sentir minhas mucosas cedendo, cansadas de resistir...
Então a dor começou a se espalhar pelo meu corpo e comecei a sentir um leve sangramento. Ele me olhou preocupado e perguntou se estava doendo muito. Meus olhos teimavam em não deixar cair a lágrima rebelde, mas sacudi a cabeça e dei o sinal verde para que ele continuasse. Ele vacilou diante do meu sofrimento, mas insisti que fosse em frente. Então ele começou a fazer movimentos ritmados de um lado para o outro, mas eu estava entorpecida demais para senti-los. Finalmente, após algum tempo, senti que algo se rompera dentro de mim. Ele parou instantaneamente seus movimentos e ficou me observando com atenção. Eu estava ofegante e aliviada por aquilo ter terminado. Ele me olhou com um sorriso caloroso e me disse que eu fui a mais difícil, e a que exigiu mais de suas habilidades especiais. Eu apenas sorri levemente, e agradeci ao dentista. Passei bem pela experiência de arrancar um dente pela primeira vez!

Crônica.A.014.A Verdade - Bruno Kampel


A Verdade não é um bem absoluto, mas um olhar particularmente subjetivo sobre uma determinada realidade, porque cada um de nós tem seu próprio e irrepetível código para decifra-la.
Por isso, quando discursamos sobre a verdade como valor universal, o que realmente estamos fazendo é apresentar o nosso conceito subjetivo da Verdade, e não a Verdade propriamente dita, já que como tal não existe. A não ser, claro, dentro de uma discussão filosófica como as que mantínhamos na nossa juventude, enquanto viajávamos agarrados com uma mão à bainha da madrugada e com a outra a uma tulipa estupidamente gelada, numa época de nossa vida na qual nos dedicávamos a discursar sobre as utopias que acreditávamos realizáveis, e a urdir estratégias para transformá-las em realidade.
Hoje, quase todas essas utopias jazem feridas de morte, vítimas da realidade que as atropelou e das promessas que ficaram nisso.

Este poema minimalista é parte inseparável do puzzle da minha Verdade.

As veias do tempo
são rios de dias
semeados de aromas
cheirando a carícias
que tecem suando
a pele da entrega
profunda e completa.
Sangrante poema,
a espera.

Crônica.A.013.Antes que eles creçam - AFFONSO ROMMANO DE SANT’ANNA


Há um período em que os pais vão ficando órfãos de seus próprios filhos.
É que as crianças crescem, independente de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados.
Crescem sem pedir licença à vida.
Crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de maneira igual, crescem de repente.
Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu?
Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do maternal?
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil.
E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça!
Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes sobre patins e cabelos longos, soltos.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros.

Ali estamos nós com os cabelos esbranquiçados.
Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar,
apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias
e da ditadura das horas.
E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros.
Principalmente com os erros que esperamos que não repitam.

Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos próprios filhos.
Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas.
Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô.
Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas.
Deveríamos ter ido mais à cama deles, ao anoitecer, para ouvirmos suas almas respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e discos ensurdecedores.
Não os levamos suficientemente ao PlayCenter, ao shopping, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado. Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo nosso afeto.

No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhos. Sim, havia as brigas dentro do carro, as disputas pela janela, os pedidos de chiclete e cantoria sem fim.

Depois chegou um tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos.
Tinham a solidão que sempre desejaram mas, de repente, morriam de saudade daquelas "pestes".

Chega um momento que nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito (nessa hora, se a gente tinha desaprendido, reaprende a rezar) para que eles acertem nas escolhas em busca da felicidade.
E que a conquistem do modo mais completo possível.
O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos.
O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco.
Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho.
Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.

Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.

Crônica.A.012.As Maças de Adam - Kim Aaron - Trad:Sérgio Barros


Uma tarde, meu filho chegou em casa, voltando da escola e me perguntou:
- As pessoas são todas iguais mesmo que sua pele seja de cor diferente?
Pensei durante um momento, então eu disse:
- Vou lhe explicar, se você puder esperar por uma parada rápida na mercearia. Tenho algo interessante para mostrar-lhe.
Na mercearia, eu falei que precisávamos comprar maçãs.
Fomos à seção de frutas onde compramos algumas maçãs vermelhas, maçãs verdes e maçãs amarelas.
Em casa, enquanto colocávamos as maçãs na fruteira, eu falei ao Adam:
- Agora eu posso responder sua pergunta.
Coloquei uma maçã de cada tipo sobre a mesa: primeiro uma maçã vermelha, seguida por uma maçã verde e então uma maçã amarela. Então olhei para Adam, que estava sentado no outro lado da mesa e falei:
- Adam, as pessoas são como essas maçãs. Todas têm cores, formas e tamanhos diferentes. Veja, algumas maçãs levaram algumas batidas e estão machucadas.
Por fora não podemos garantir que estão tão deliciosas quanto as outras.
Enquanto eu estava falando, Adam estava examinando cada uma delas, cuidadosamente. Então, tomei cada uma das maçãs, as descasquei e recoloquei sobre a mesa, mas em lugares diferentes e perguntei:
- Tá bom, Adam, diga-me qual é a maçã vermelha, a maçã verde e a maçã amarela.
E ele disse:
- Eu não posso falar. Agora elas me parecem todas iguais.
- Dê uma mordida em cada uma.
Veja se isso lhe ajuda a descobrir qual é qual.
Deu grandes mordidas, e então um sorriso enorme estampou em seu rosto quando me disse:
- As pessoas são como as maçãs!
São todas diferentes, mas do lado de fora.
Por dentro são as mesmas.
- Certo!, concordei. Cada pessoa tem sua própria personalidade mas são, basicamente, iguais. Ele entendeu totalmente. Eu não precisei dizer nem fazer qualquer coisa mais. E agora, quando mordo numa maçã, sinto um sabor um pouco mais doce do que antes.

Crônica.A.008.A Gardênia Branca - Marsha Arons Trad: Sérgio Barros


Todo ano em meu aniversário, desde que fiz 12 anos, um gardênia branca me era entregue anonimamente em minha casa.
Nunca havia um cartão ou uma nota, e as chamadas à floricultura eram em vão porque a compra era feita sempre em dinheiro.
Após um tempo, eu parei de tentar descobrir a identidade do remetente.
Me deliciava apenas com a beleza e o perfume mágico daquela perfeita flor branca suavemente envolvida em papel rosa.
Mas eu nunca parei de imaginar quem poderia ser o remetente.
Passei alguns de meus mais felizes momentos em devaneios sobre alguém maravilhoso e emocionante, mas demasiado tímido para tornar conhecido sua identidade.
Em minha adolescência, era divertido especular que o remetente poderia ser um menino apaixonado.
Minha mãe sempre contribuía com minhas especulações.
Perguntava-me se haveria alguém para quem eu tivesse feito uma bondade especial, que pudesse demonstrar a apreciação anonimamente.
Lembrou-me dos tempos em que eu deixava minha bicicleta para ajudar nosso vizinho a descarregar o carro e cuidar para que as crianças não fossem para a rua.
Ou talvez o misterioso remetente fosse o senhor idoso do outro lado da rua.
Eu freqüentemente recolhia sua correspondência na caixa e o entregava, assim ele não teria que se arriscar descendo a escada gelada.
Minha mãe fez o melhor que pôde para aguçar minha imaginação sobre a gardênia.
Queria que suas crianças fossem criativas.
Também queria que tivéssemos a sensação de sermos estimados e amados, não apenas por ela, mas pelo mundo todo.
Quando fiz 17 anos, um menino machucou meu coração. Naquela noite tudo o que eu queria era dormir.
Quando acordei pela manhã, havia uma mensagem, feita com batom, em meu espelho:
"Saiba, quando meio-deus se vai, Deus chega".
Pensei sobre essa frase por muito tempo, e a deixei onde minha mãe a escreveu até que meu coração se curasse.
Quando eu limpei o vidro, minha mãe sabia que tudo estava bem, novamente.
Mas havia algumas feridas que minha mãe não poderia curar.
Um mês antes de minha formatura, meu pai morreu, repentinamente, de um ataque de coração.
Me desinteressei completamente por minha formatura e pelo baile, pelo qual eu tinha esperado muito.
Minha mãe, em meio à seu próprio sofrimento, não admitia que eu faltasse.
Um dia antes da morte de meu pai, ela e eu saímos para comprar um vestido para o baile e encontramos um espetacular.

Mas era do tamanho errado, e quando meu pai morreu, no dia seguinte, eu me esqueci do vestido.
Minha mãe não .
Um dia antes do baile, eu encontrei o vestido esperando por mim - no tamanho certo.
Eu posso não ter me importado em ter um belo vestido novo, mas minha mãe se importou.
Ela se importava em como suas crianças se sentiam sobre si mesmas.
Ela nos imbuiu com um sentido mágico e nos deu habilidade de ver a beleza mesmo na hora da adversidade.
Na verdade, minha mãe queria que suas crianças se vissem como a gardênia - encantadora, forte, perfeita, com uma aura mágica e um pouco de mistério.
O ano em que minha mãe morreu foi o ano em que pararam de chegar as gardênias.

Crônica.A.007.Amor a moda antiga - Cybele Russi de Carvalho


E esta, na minha humilde opinião de leiga, talvez seja a chave do sucesso das famílias "que dão certo".

Não existe a família certa, assim como não existem as pessoas certas. O que existe são pessoas claras, firmes, decididas e coerentes com seus princípios e com seus valores. Não importa muito se o casal vive junto, se é separado, se se ama apaixonadamente, ou se vive aos trancos e barrancos.

Na verdade, os filhos parecem pouco se importar com o tipo de relação que existe entre os pais. (A importância das brigas dos pais para o resto de nossas vidas é tão irrelevante, que raramente nos lembramos disso depois de adultos.) Mas, o que lhes importa diretamente e vai definir seu caráter para o resto da vida é a clareza e coerência dos pais, não importando se estes vivem juntos ou separados pelo oceano. É a clara definição dos papéis e a delimitação dos limites que forma caráter dos filhos.

Estou certa disso. Pai é pai. Mãe é mãe. Filho é filho. Sim é sim. Não é não. Pode, pode. Não pode, não pode. E estamos conversados.

Não importa nem mesmo quem vai assumir o papel de pai ou de mãe, mas que alguém o faça de forma clara!

Foi assim na época dos nossos tataravós, dos nossos trisavós, dos nossos bisavós, dos nossos avós, dos nossos pais, e de nós mesmos. Mas, infelizmente, não é assim na época dos nossos filhos.

E o que se vê hoje é isto que está aí: uma sociedade totalmente perdida, sem referenciais, sem saber para que lado correr.

Os problemas intra-familiares sempre existiram. O Mundo é o mesmo, desde sempre.

Violência sempre existiu. Doenças sempre existiram. Fome sempre existiu, e antigamente muito mais do que hoje. Dificuldades, falta de dinheiro, falta de emprego, falta de perspectiva, perdas, dores, sofrimentos, famílias desamparadas, sem-teto, sem-terra, sem-roupa, sem-remédio, sem-escola, sem-estudo, sem-educação, sem-dinheiro, sem-nada, não são invenções do Lula, nem do Fernando Henrique, nem do FMI, nem do neoliberalismo. Isto tudo sempre existiu desde que o homem está na terra.

A diferença é que no passado havia uma coisa chamada LIMITE, que não existe mais hoje.

No passado, o pai podia ser um cafajeste muito do safado, mas sua palavra era lei.
A mãe, podia ser a pior mãe do mundo, mas ninguém ousava desrespeitá-la. E o filho sabia exatamente a hora de botar o rabinho entre as pernas e se retirar para o seu quarto. E quem ousasse discordar das regras vigentes era convidado a arrumar sua trouxinha de roupas e se retirar, sob o aviso de que "a porta da rua era serventia da casa."

Infelizmente, com a "evolução"(?!) da nossa sociedade, houve uma inversão total dos papéis. São os filhos que mandam na casa, que ditam as normas, que estabelecem as leis, os horários, que negociam as notas do colégio, que chantagiam, que subornam, que compram indulgências.

São eles que determinam se a família vai tirar férias, ou não. E se eles entrarem em qualquer faculdade mixuruca de beira de estrada, os pais têm que dar graças a Deus, afinal, eles já fizeram muito!

A culpa de tudo isso não é do casamento que fracassou, nem do pai, que perdeu o emprego, nem da mulher, que foi trabalhar fora e procurar sua emancipação social. A culpa é do pai e da mãe que perderam o bom-senso, que não são capazes mais de dizer SIM; que não sabem, menos ainda, dizer NÃO; que não sabem que, para bem educar uma criança não é preciso recorrer a nenhum manual de psicologia ou de pediatria.

Basta saber distinguir SIM de NÃO e ser coerente com seus princípios e valores, independentemente do que acontece na televisão ou da opinião do vizinho. Por excesso de zelo, de medo de errar, os pais vivem coagidos pelos filhos. Por excesso de cuidados, não sabem mais como agir, são incapazes de assumir a autoridade e, principalmente, a autenticidade de seus sentimentos.

Ninguém mais ousa expressar sua raiva, sua indignação, seu descontentamento. Para tudo se tem uma justificativa fajuta. Os filhos sempre são inocentes, nós é que erramos em alguma coisa, ou em algum momento.

Erramos, sim. E muito! Erramos em não saber gritar de vez em quando e mostrar quem é que manda nesta casa. E erramos infinitamente mais em confiar mais nos manuais do que no nosso próprio amor.

Quem acredita na força do seu amor não tem conflito educacional nem existencial, deixa que os cães ladrem e a caravana passe.

O que não dá, e não dá mesmo, é para inverter os papéis, e deixar que a criança seja o Senhor do Castelo.
Quando a criança tem claro para si os papéis e os limites de cada um, ela sabe exatamente até onde pode ir e onde deve parar.

Arriscar e buscar o novo, não só é bom, como é essencial para o crescimento saudável da criança e para o desenvolvimento da maturidade e da autonomia do adolescente. Entretanto, só pode levantar altos vôos a ave que sabe os riscos que corre ao sair do solo... E para isso, ela foi treinada durante a vida toda reconhecendo seus próprios limites.

Quem não tem consciência próprios limites, se atira no primeiro precipício da vida. E é a esse filme que todos nós estamos assistindo de camarote, de braços cruzados, sem saber o que fazer. Jovens e crianças se atirando de precipícios, porque não têm limites.

E o limite é o corrimão da vida, é onde a gente se segura para não cair.
Voltando à velha tecla da comparação com o passado, precipícios sempre existiram, eles não foram inventados pela sociedade contemporânea, muito menos a curiosidade e o desejo.

Quem disse que minha bisavó não tinha desejo pelo meu bisavô antes de se casar? Ela tinha sim, e muito. E a sua também tinha!

Acontece que no tempo das nossas tataravós não existia a pílula, nem a camisinha, e o aborto era uma prática altamente perigosa e impensável. A gravidez fora do casamento era uma enorme vergonha para a família e motivo de expulsão do meio social. A menina já crescia sabendo de tudo isso.

Então, as nossas bisavós, que eram tão bonitas, atraentes e sedutoras como nossas filhas o são elas também já foram jovens um dia!

Tomavam o maior cuidado para não ultrapassar os limites, porque sabiam que aquilo poderia ser um caminho sem volta. Elas tinham muito claro para si qual era o limite.
Hoje, eu sei de inúmeras mães que acompanham as próprias filhas em clínicas de aborto. ( Não que eu seja contra ou favor do aborto, não é essa a discussão.) A discussão é que a menina sabe que não vai acontecer rigorosamente nada com ela se engravidar aos quinze anos. E é por isso que a gente tem visto essa quantidade absurda de mães-crianças, que, além de engravidarem por que não tiveram seus limites delimitados, não têm a mínima condição psíquica, emocional, financeira, cultural e social de assumir essa maternidade precoce.


Por que na nossa geração, a dos anos 60, nós não engravidávamos antes de casar, apesar de toda a pregação existente na época do Amor-Livre? Porque se a gente engravidasse já sabia que ia ter de "puxar o carro" de casa; que o nosso papaizinho não iria assumir a educação do netinho, como acontece hoje.

A isto, por mais chocante que possa parecer, se dá o nome de LIMITE.

Nós conhecíamos os limites e as regras da casa.

E a gente tinha que dançar conforme a música, se não, já sabe, "a porta da rua é serventia da casa".

Voltando ao caso da nossa protagonista, a Srta. Suzane von Richthofen, que matou os pais e foi transar no motel em seguida.

Por que ela agiu assim, em vez de se mandar da casa dos pais com o namorado, já que ela o "amava" tanto?

Naturalmente, porque foi educada acreditando que podia fazer tudo o que bem quisesse, que nunca seria punida.

Quem ousaria punir uma bonequinha loira, tão lindinha?

Naturalmente, ela é fruto da famosa educação "liberal", em que tudo pode ser discutido e negociado, menos os direitos dela, de namorar e sair para transar com quem quiser, desde que com o dinheiro dos pais, bem entendido, porque em nenhum momento foi dito que ela trabalhava e se auto-sustentava.

Não, não adianta a gente querer culpar a sociedade. A culpa foi dos pais, sim.

Quando o pai resolveu dizer NÃO e pôr um basta na situação, já era tarde demais, a cobra já estava criada.

É duro ter de admitir, mas a sociedade não é responsável pelos crimes de nossos filhos. Nós somos os únicos responsáveis.

Não adianta a gente querer agora ficar procurando os bodes expiatórios. Responsáveis somos todos nós, que um dia parimos e demos à luz uma criança. Ela é nossa responsabilidade para sempre, ad eternum, e não adianta a gente querer fugir disso.

Como diria a minha velha e sábia avó, "Quem pariu Mateus, que o embale!" Sabias palavras. Traduzidas em miúdos: quem gerou que cuide, que crie!

Infelizmente, esta é a dura realidade da nossa sociedade contemporânea. Infelizmente, quem tem causado todo o estrago social a que hoje assistimos são os próprios pais, que não querem, literalmente, embalar seus filhos, e os jogam para que a escola, o berçário, a creche, o psicólogo, a psicopedagoga, o particular alguém-pelo-amor-de-deus dê um jeito neles.

Ter filhos é duro. Cansa tanto! Cansa tanto ter de ficar ensinando, dizendo, repetindo, dizendo o dia todo sim, não, não, sim, não, não, sim, sim, pode, não pode.

É um desgaste! É um desgaste mesmo. Mas só quem tem uma "paciência de Jó" deve ter filhos. Quem não tem, não deveria se atrever.

Eu estou aqui, pensando na família Richthofen, e algo me diz que, se Sr. Manfred Alfred von Richthofen tivesse dito a sua filha Suzane "olha lindinha, já que você gosta tanto do seu namorado, pega a suas coisas, cai fora daqui e vai viver sua vida com ele, mas deixa a chave do carro e o talão de cheques em cima da mesa, porque a partir de agora, é tudo por sua conta", eles hoje estariam almoçando todos juntos, tomando um bom vinho, rindo daquele namorado tão bobo, de quem ela nem gostava tanto assim.

Mas agora é tarde, ele não soube deixar Suzane de castigo no quarto na hora certa, agora, ela vai ter que ficar de castigo por muito mais tempo.


Crônica.A.006.A Casa 171 - Silvana Duboc

Era uma rua comprida, cheia de casas tipo colonial, cada uma das casinhas com flores na janela e tinha de toda cor. Na janela lá de casa, que era bem no final da rua, minha mãe adorava colocar umas margaridas, mas eu nunca gostei muito de margaridas, achava uma florzinha sem graça, me dava a sensação que elas eram uma multidão, quando olhava pra elas me sentia como se estivesse no meio do trânsito engarrafado e depois todas eram idênticas, parecia que não tinham personalidade. Eu gostava mesmo era de passar em frente a casa da Dona Lúcia, lá no início da rua, cada dia ela colocava uma flor diferente, aí pela manhã quando eu saía para ir ao colégio eu ia caminhando pela rua e pensando que flor haveria de estar na janela dela naquela manhã e quando chegava em frente a casa dela, era sempre uma surpresa. Eu tinha alguns amiguinhos lá na rua, umas garotas e uns molequinhos. As garotas só sabiam brigar, implicar uma com a outra, e os moleques de lá eram muito chatos, aí tinha dias que eu ficava cansada de todos eles e nem saía pra brincar e com isso fui ficando cada vez mais dentro de casa. Um dia minha mãe chegou da rua e disse pra meu pai: Passei ali em frente à casa 171, aquela que está vazia e estão pintando, parece que vai mudar alguém pra lá. Corri na janela, a 171 era do outro lado da rua, quase em frente a minha casa, realmente, estavam pintando, que boa notícia, algum estranho ia mudar pra lá e eu ficava pensando se seria alguém interessante, se eu ia gostar, se ele ia gostar de mim também. Desse dia em diante não tive mais sossego, toda vez que eu passava lá em frente ficava observando como estava o andamento da pintura. Certa manhã me enchi de coragem quando saí para ir ao colégio, parei na porta e perguntei para um dos pintores? — Ô moço, o Sr. conhece quem vai mudar pra essa casa? Ele olhou pra mim, sorriu e disse: — conheço sim, é um casal. — E eles têm filhos? — Tem, um menino. Ah.... era tudo que eu queria, um menino, além de eu estar cansada daquela turminha da rua, o que eu gostava mesmo era de conversar com meninos, eles eram na maioria das vezes bobos, mas eu não sei porque, havia uma identificação melhor entre nós, não que eu fosse boba também , mas é que eu tinha a esperteza suficiente pra entender a bobeira deles. Minha mãe dizia que eu tinha alma de menino, que entendia eles, que as meninas eram muito fresquinhas pra meu gosto, e sabe que ela tava certa? Só anos depois é que eu fui entender bem isso. Daquele dia em diante então eu passei a vigiar a tal casa constantemente pra ver quando a pintura acabava e finalmente duas semanas depois ela acabou, aí passei a vigiá-la pra ver quando a família chegava com sua mudança. Numa manhã de sexta-feira eu estava de férias e ainda na cama quando ouvi meu pai chegando da padaria e dizendo pra minha mãe: — Querida, o pessoal da casa 171 tá chegando, já conversei até com eles, muito simpáticos. Nossa, eu dei um pulo da cama, escovei os dentes, mudei a roupa e gritei: — Mãeeeeeee, vou lá fora brincar! Ela não entendeu nada e saiu feito louca atrás de mim falando, falando... e eu não ouvia nada, me parece que ela dizia algo do tipo... tá maluca? vem tomar café primeiro! E eu lá queria café, eu queria era conhecer o tal menino. Cheguei lá fora meio sem graça, tinha uns coleguinhas meus na rua, me aproximei deles pra disfarçar. Estava um entra e sai na casa. Reparei um monte de livros dentro de uma caixa, tinha O Pequeno Príncipe, Os meninos da Rua Paulo, O Meu Pé de Laranja Lima e outros, todos eu já havia lido e achei interessante, o menino devia gostar também de ler, já tínhamos algo em comum então, que bom! Estava perdida nesses pensamentos quando de repente o menino saiu de dentro da casa. A turminha foi até ele e eu fui junto, nos apresentamos: — Prazer... Soninha E ele sorriu pra todos nós meio tímido. Conversamos um pouco e fiquei sabendo que ele gostava de jogar bola, escrever, ler, gostava de música, de rock especialmente, gostava de flores, de sol, detestava cinema, gostava de desenhos animados e por isso se amarrava no Cartoon Network. Em alguns momentos achei ele meio pedante, mas como eu tinha uma paciência de Jó com meninos, dei um desconto, se fosse menina eu já tava longe. No dia seguinte , como em todas as casas da rua, já havia flores na janela da casa dele. Colocaram tulipas amarelas e eu achei engraçado alguém gostar de tulipas e ainda por cima amarelas. Mas a vida na minha rua foi transcorrendo normalmente, eu e ele sempre nos encontrávamos e sempre conversávamos muito, foi virando mesmo um vício. Nunca pensei que conversar com alguém pudesse virar vício. Eu chegava da escola e ele já estava lá no portão me esperando. Eu não tinha tempo pra nada e gostava de não ter tempo pra nada e só ter tempo pra ele. Quantas vezes entrei correndo em casa do colégio, minha mãe preparou meu prato, fui para o portão e sentada na escada com ele no colo, almocei e conversei com ele. Era o melhor almoço do mundo. Ele me dizia pra ir comer lá dentro, que me esperaria, mas eu não podia perder tempo, cada minuto com ele era precioso. Fomos ficando de um jeito, que já não conversávamos com mais ninguém, um terceiro na nossa conversa podia atrapalhar, e o nosso papo era bom demais pra ser dividido com alguém. Todo dia pela manhã, quando eu acordava, eu abria a cortina do meu quarto pra ver se a dele já estava aberta e mesmo que naquele momento a gente não pudesse se falar, dávamos pelo menos um tchau. Mas não foi tudo tão perfeito, algumas vezes nós brigamos... e brigamos feio, mas depois ficamos de bem porque não tinha briga que nos afastasse. Nós nunca conseguíamos ficar com raiva um do outro por mais de meia hora. Me lembro de um passeio que fizemos. Num sábado de sol ele bateu na minha casa bem cedinho e me convidou pra ir passear numa praça que tinha lá perto da nossa casa. Era um lugar bonito, gramado, cheio de gente passeando, uma música gostosa tocando vinda de um conjuntinho daqueles regionais. Foi muito legal o passeio, a gente se divertiu demais, rolamos na grama, rimos, dançamos, cantamos, eu até caí dentro de um buraco na distração, mas ele me ajudou a sair de lá. Na volta pra casa voltamos por um caminho diferente, escondidos dos nossos pais é claro, era um caminho mais perigoso e eles tinham nos prevenido que não voltássemos por ali, mas teimosos que éramos resolvemos viver essa aventura. Vimos um poço fundo, escuro, tenebroso e eu brincando disse a ele: — Vou pular!!!! Ele sorriu pra mim e respondeu: — Se você pular, eu pulo. Claro que eu não pulei, mas eu sabia, eu tinha a certeza, que se eu pulasse ele pularia também. Mas aí passou muito tempo e uma certa noite, véspera do meu aniversário, choveu, relampejou e por isso eu nem consegui dormir direito e no dia seguinte claro que dormi até mais tarde e quando acordei, acordei assustada, um aperto no coração. Abri a cortina do meu quarto e espiei pra casa dele. Não tinham mais flores na janela, a porta completamente escancarada, lá dentro eu não via mais nada.... dei um salto da cama, corri na chuva descalça entrei na casa... nenhum móvel, nada, ninguém.... Ele partiu sem me dar nenhuma explicação, sem se despedir de mim. Nunca entendi aquilo, nunca aceitei o que ele fez comigo, e nunca consegui esquecer tudo de bom que a gente viveu. Muitos anos se passaram, eu cresci, moro bem longe daquela rua hoje, mas muitas vezes quando me sinto só, pego meu carro e passo por lá, paro na frente da casa 171 e fico pensando como um dia eu fui feliz. Hoje eu não sei mais quem vive naquela casa, mas vejo sempre umas flores murchas na janela, não devem regá-las. Dona Lucia ainda mora lá na mesma casa no início da rua, tá velhinha coitada, mas a sua janela continua sempre com mil flores coloridas... lindas.... variadas... e ela continua a cuidar delas como ninguém. Ah... .Dona Lucia é que descobriu direitinho o segredo da vida.

Crônica.A.005.Aqui para aprender - Antonio Júnior

"O lobo é loucura, mas a lua é luz" (Malcolm Lowry, "Sê Paciente, Pois o Lobo") Uma terra árida, com umas casas de muitos séculos e árvores dispersas, pastagens e pequenos riachos. gosto quando a luz começa a cair neste mundo catalão. o silêncio é confortante. a paz é a luz, o lobo do homem caça noutros infernos. nada do coxo, do coisa-ruim, do dubá-dubá, do arrenegado, do cao, do cramulhão, do sujo, do não-sei-que-diga. num café leio paul bowles, escrevo o diário, observo um mundo que tento conhecer melhor. quero saber o nome de tudo, pergunto sobre plantas,árvores, animais e cores. horas arrastadas em que tomo notas, escrevo cartas, saboreio um chá de tília e aniz, reflito no que me faz estar aquí, como tantas outras vezes. lembro de rostos amigos de há muitos anos, de outra gente com quem passei bons momentos, de desconhecidos que ajudaram a suportar a solidão e a estranheza de uma longa viagem. todos esses rostos se fundem para uma imagem única, inesgotável e reconfortante: o desconhecido. as coisa mínimas podem crescer na memória durante anos: um capela dentro de um vulcão morto; coelhos cinzentos saltando por todos os lados em uma ilha; o hotel onde morreu oscar wilde, com a cabeça de um bode na porta central; o diálogo silencioso com um velho e mar marroquino, fumador de kife, que passou a maior parte da vida num subterrâneo colocando lenha num fornália; um recital do beat lawrence ferlinghetti num bar do soho; sexo e amor entre árvores, na margem de um rio em constância, cidade onde viveu camoes; o sangue vermelho de um touro e o dourado da vestimenta de seu algoz brilhando ao sol; a névoa e a beleza suave de edimburgo; uma senhora muito pobre com uma gravura da virgem numa rua de havana; campos intermináveis de girassóis; uma ponte do tempo do império romano; um quadro de veronese que ficará fazendo parte de minha vida;um banho no rio orbieu, ao lado de amoras selvagens; um albergue de muitos séculos que por encontros e desencontros de jovens de todo o mundo me transportam a uma juventude perdida. para o poeta giuseppe ungaretti, a memória e a inocência são o substrato da criação poética. coleciono nacionalidades. fotografo detalhes, nunca o turistico. uma árvore, uma porta, um caminho de terra, um rosto. escrevo: o vento, os relógio, os nós, os sonhos. recordo julian barnes, "Por que razão nos faz a escrita perseguir o escritor? Por que não o deixamos em paz? Por que não bastam livros?". sentado num café, lendo palavras ingratas do viajante- poeta bowles que um dia se acomodou em tânger, penso que ainda há muito para viver, ouvir, aprender, livros e livros para entender. trago na bolsa militar, na fila de leitura, um octavio paz (vislumbres de la india) e um juan goytisolo (makbara). é a minha mentira. a mentira que poderá me salvar.