terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Crônica.A.005.Aqui para aprender - Antonio Júnior

"O lobo é loucura, mas a lua é luz" (Malcolm Lowry, "Sê Paciente, Pois o Lobo") Uma terra árida, com umas casas de muitos séculos e árvores dispersas, pastagens e pequenos riachos. gosto quando a luz começa a cair neste mundo catalão. o silêncio é confortante. a paz é a luz, o lobo do homem caça noutros infernos. nada do coxo, do coisa-ruim, do dubá-dubá, do arrenegado, do cao, do cramulhão, do sujo, do não-sei-que-diga. num café leio paul bowles, escrevo o diário, observo um mundo que tento conhecer melhor. quero saber o nome de tudo, pergunto sobre plantas,árvores, animais e cores. horas arrastadas em que tomo notas, escrevo cartas, saboreio um chá de tília e aniz, reflito no que me faz estar aquí, como tantas outras vezes. lembro de rostos amigos de há muitos anos, de outra gente com quem passei bons momentos, de desconhecidos que ajudaram a suportar a solidão e a estranheza de uma longa viagem. todos esses rostos se fundem para uma imagem única, inesgotável e reconfortante: o desconhecido. as coisa mínimas podem crescer na memória durante anos: um capela dentro de um vulcão morto; coelhos cinzentos saltando por todos os lados em uma ilha; o hotel onde morreu oscar wilde, com a cabeça de um bode na porta central; o diálogo silencioso com um velho e mar marroquino, fumador de kife, que passou a maior parte da vida num subterrâneo colocando lenha num fornália; um recital do beat lawrence ferlinghetti num bar do soho; sexo e amor entre árvores, na margem de um rio em constância, cidade onde viveu camoes; o sangue vermelho de um touro e o dourado da vestimenta de seu algoz brilhando ao sol; a névoa e a beleza suave de edimburgo; uma senhora muito pobre com uma gravura da virgem numa rua de havana; campos intermináveis de girassóis; uma ponte do tempo do império romano; um quadro de veronese que ficará fazendo parte de minha vida;um banho no rio orbieu, ao lado de amoras selvagens; um albergue de muitos séculos que por encontros e desencontros de jovens de todo o mundo me transportam a uma juventude perdida. para o poeta giuseppe ungaretti, a memória e a inocência são o substrato da criação poética. coleciono nacionalidades. fotografo detalhes, nunca o turistico. uma árvore, uma porta, um caminho de terra, um rosto. escrevo: o vento, os relógio, os nós, os sonhos. recordo julian barnes, "Por que razão nos faz a escrita perseguir o escritor? Por que não o deixamos em paz? Por que não bastam livros?". sentado num café, lendo palavras ingratas do viajante- poeta bowles que um dia se acomodou em tânger, penso que ainda há muito para viver, ouvir, aprender, livros e livros para entender. trago na bolsa militar, na fila de leitura, um octavio paz (vislumbres de la india) e um juan goytisolo (makbara). é a minha mentira. a mentira que poderá me salvar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário