terça-feira, 14 de setembro de 2021

N.060.Natal - Almandrade


Uma voz nua
canta o sentimento
conversa de natal
a solidão
nos contempla
somos habitados
pela música
da noite.

N.059.Não venham falar em guerra - Angela Bretas


Não venham falar em guerra
Não quero escutar trovões
Desejo muita paz na Terra
Calem estes canhões
Não quero escutar trovões
Cansei de ouvir promessas
Calem estes canhões
Que a paz volte depressa
Cansei de ouvir promessas
Derramei todas as lágrimas
Que a paz volte depressa
Chega de tantas lástimas
Derramei todas as lágrimas
Sofri pouco a pouco
Chega de tantas lástimas
Não quero viver como louco
Sofri pouco a pouco
Sufocado em grilhões do medo
Não quero viver como louco
Me escutem enquanto é cedo
Sufocado em grilhões do medo
Rogo a todos da Terra
Me escutem enquanto é cedo
Não venham falar em guerra...

N.058.Não somos carne - André Motta


Não somos carne
e sim etéreis
Estéreis amores
os mais sublimes
Pois não são feitos
de toques
apenas de
contemplação
Não temos sexo
somos o próprio
Amor entre iguais
sem pecado
toca a perfeição.

N.057.Não será igual a mim - Andréa Borba Pinheiro


Diga "oi" ao seu novo amor.
Beije-lhe a boca com o mesmo ardor que comigo.
Abrace-lhe o corpo e envolva-o com carinho.
Esqueça-me... meu coração é seu inimigo...
Esse seu novo amor,
não vai provar da sua boca com a minha suavidade.
Nem te abraçar e fazer-te sentir-se protegido.
Esse seu novo amor, não será como eu...
Essa pessoa que você diz amar,
não vai te acarinhar,
vai viver te ignorando, como se fosse sozinha,
e não vai te confortar, como eu fazia.
A escolha é sua,
O sentimento é seu...
E não vou implorar de joelhos...
Pois sou fiel ao orgulho meu.
Amo-te como a mim mesma.
Quero-te de uma forma que não podes imaginar,
e, embora eu saiba que vou chorar,
prefiro, sem você ficar...
Pois sei que de nada irá adiantar,
você permanecer a me adorar,
porque seu sentimento,
nunca voltará a ser
amar.

M.102.Muito experiente o sol - Mário Jorge


Casar-se com o sol
É dispensar o coberto,
Sentir calor de uma mulher.
É fogo ardente
Inspiração dos seios.
É o mundo pequeno
E pra tanto 
Ardente amar.

M.101.Moça na cama - Adélia Prado


Papai tosse, dando aviso de si,
vem examinar as tramelas,
uma a uma.
A cumeeira da casa é de peroba do campo,
posso dormir sossegada. Mamãe vem me cobrir, tomo a bênção e fujo atrás dos homens,
me contendo por usura, fazendo render o bom.
Se me tocar, desencadeio as chusmas, os peixinhos cardumes.
Os topázios me ardem onde mamãe sabe,
por isso ela me diz com ciúmes:
dorme logo, que é tarde.
Sim, mamãe, já vou:
passear na praça em ninguém me ralhar.
Adeus, que me cuido, vou campear nos becos,
moa de moços no bar, violão e olhos
difíceis de sair de mim.
Quando esta nossa cidade ressonar em neblina,
os moços marianos vão me esperar na matriz.
O céu é aqui, mamãe.
Que bom não ser livro inspirado
o catecismo da doutrina cristã,
posso adiar meus escrúpulos
e cavalgar no topor
dos monsenhores podados.
Posso sofrer amanhã
a linda nódoa de vinho
das flores murchas no chão.
As fábricas têm os seus pátios,
os muros tem seu atrás.
No quartel são gentis comigo.
Não quero chá, minha mãe,
quero a mão do frei Crisóstomo
me ungindo com óleo santo.
Da vida quero a paixão.
E quero escravos, sou lassa.
Com amor de zanga e momo
quero minha cama de catre,
o santo anjo do Senhor,
meu zeloso guardador.
Mas descansa, que ele é eunuco, mamãe.

M.100.Minha Desgraça - Alvares de Azevedo


Minha desgraça não é ser poeta,
Nem na terra de amor não ter um eco,
E meu anjo de Deus, o meu planeta
Tratar-me como trata-se um boneco...

Não é andar de cotovelos rotos,
Ter duro como pedra o travesseiro...
Eu sei... O mundo é um lodaçal perdido
Cujo sol (quem mo dera!) é o dinheiro...

Minha desgraça, ó cândida donzela,
O que faz que o meu peito blasfema,
É ter para escrever todo um poema
E não ter um vintém para uma vela.

M.099.Meus Dias - Alexandre Bairos de Medeiros


Há dias claros. Busco
Anormalidade na diferença
Como que em sua presença
Aprendesse a infalibilidade
Do seu amor louco.

Há dias amargos. Busco
Vitalidade sem crença
No cruz-credo cotidiano
E solvejo a vida nas bordas
Atemporais do senhor tempo.

Há dias graves. Busco
A claridade imensa
Da rede nas varandas
Do caminho e percorro
Meus quereres transpessoais.

M.098.Meu sonho - Alvares de Azevedo


Eu
Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Com a espada sangüenta na mão?
Por que brilham teus olhos ardentes
E gemidos nos lábios frementes
Vertem fogo do teu coração?
Cavaleiro, quem és? o remorso?
Do corcel te debruças no dorso…
E galopas do vale através…
Oh! da estrada acordando as poeiras
Não escutas gritar as caveiras
E morder-te o fantasma nos pés?
Onde vais pelas trevas impuras,
Cavaleiro das armas escuras,
Macilento qual morto na tumba?…
Tu escutas… Na longa montanha
Um tropel teu galope acompanha?
E um clamor de vingança retumba?
Cavaleiro, quem és? - que mistério,
Quem te força da morte no império
Pela noite assombrada a vagar?
O Fantasma
Sou o sonho da tua esperança,
Tua febre que nunca descansa,
O delírio que te há de matar!…

M.097.Meu desejo - Alvares de Azevedo


Meu desejo? Era ser a luva branca
Que essa tua gentil mãozinha aperta;
A camélia que murcha no teu seio,
O anjo que por te ver do céu deserta...
Meu desejo? Era ser o sapatinho
Que teu mimoso pé no baile encerra...
A esperança que sonhas no futuro,
As saudades que tens aqui na terra...
Meu desejo? Era ser o cortinado
Que não conta os mistérios de teu leito;
Era de teu colar de negra seda
Ser a cruz com que dormes sobre o peito.
Meu desejo? Era ser o teu espelho
Que mais bela te vê quando deslaças
Do baile as roupas de escomilha e flores
E mira-te amoroso as nuas graças!
Meu desejo? Era ser desse teu leito
De cambraia o lençol, o travesseiro
Com que velas o seio, onde repousas,
Solto o cabelo, o rosto feiticeiro...
Meu desejo? Era ser a voz da terra
Que da estrela do céu ouvisse amor!
Ser o amante que sonhas, que desejas
Nas cismas encantadas de langor!

M.096.Meu Anjo - Alvares de Azevedo


Meu anjo tem o encanto, a maravilha
Da espontânea canção dos passarinhos;
Tem os seios tão alvos, tão macios
Como o pêlo sedoso dos arminhos.
Triste de noite na janela a vejo
E de seus lábios o gemido escuto
É leve a criatura vaporosa
Como a frouxa fumaça de um charuto.
Parece até que sobre a fronte angélica
Um anjo lhe depôs coroa e nimbo...
Formosa a vejo assim entre meus sonhos
Mais bela no vapor do meu cachimbo.
Como o vinho espanhol, um beijo dela
Entorna ao sangue a luz do paraíso.
Dá morte num desdém, num beijo vida,
E celestes desmaios num sorriso!
Mas quis a minha sina que seu peito
Não batesse por mim nem um minuto,
E que ela fosse leviana e bela
Como a leve fumaça de um charuto!

M.095.Menino - Angela Bretas


Menino suado, correndo apressado
Buscando um refúgio, um amigo, um lugar...
Menino danado, teimoso, pelado
Sem roupas, sem afeto, sem irmãos, sem lar...
Menino travesso, que brinca, que sofre
Esperando alguém para lhe ajudar...
Menino carente, tristonho, doente
Que o destino privou de alguém para amar...
Menino vadio, sem nome, sobrenome
Querendo brinquedo, carinho, comida...
Vivendo cada dia com a incerteza, a fome
Temendo os perigos, buscando a vida...
Menino descalço, chorando , implorando
Pedindo esmolas, cheirando cola, sofrendo abusos...
Pivete de rua que dorme pelos cantos
Não tem cama , nem cobertas a não ser papéis sujos...
Menino inocente que a vida somente
Não soube te dar...
Te dar um lar, amor e carinho
E assim tão sozinho, não mais ficar...
Menino da vida não sofras calado
Procure um amparo, alguém para amar...
Não tenhas medo, o destino é sagrado
Depende de você, de saber se privar...
Confie menino no amanhã que virá
Um amanhã sem fome, sem crimes, sem medo...
Talvez você questione: como será?
Te digo menino, os homens de hoje já estão sentindo
Que precisam mudar!

M.094.Melódica(mente) - Angela Bretas


................Dedico essa aos músicos-poetas de plantão
O som que chega a meus ouvidos
Sussura cânticos tântricos
Preces em forma de melodia
Sutilmente
Cadentemente
Replandece a leveza da alma
Entoa paz
Relaxa
Dissipa a dor rebelde
Corrompe a solidão
Transborda em rés e mis
Aquilo que o cego coração
não consegue mais ler...
Toques e acordes precisos
Voa paralelo ao vento
Alcança ouvidos carentes
Tremula na ponta dos dedos
Cascatas da sensibilidade aparente
do tocador solitário
Canções e refrões
Em forma de versos tangentes
Emanam sons falantes
de amor, paz, harmonia
Alegria cadenciada
Frutos das mãos mágicas
E da mente poética
que acaricia
o corpo viola
Sem dó...

M.093.Meditação à beira de um poema - Adélia Prado


Podei a roseira no momento certo
e viajei muitos dias,
aprendendo de vez
que se deve esperar biblicamente
pela hora das coisas.
Quando abri a janela, vi-a,
como nunca a vira
constelada,
os botões,
Alguns já com rosa- pálido
espiando entre as sépalas,
jóias vivas em pencas.
Minha dor nas costas,
meu desaponto com os limites do tempo,
o grande esforço para que me entendam
pulverizam-se
diante do recorrente milagre.
maravilhosas faziam-se
as cíclicas perecíveis rosas.
Ninguém me demoverá
do que de repente soube
à margem dos edifícios da razão:
a misericórdia está intacta,
vagalhões de cobiça,
punhos fechados,
altissonantes iras,
nada impede ouro de corolas
e acreditai: perfumes.
Só porque é setembro

M.092.Me ame assim - Angela Bretas


Sua boca...
Seu cheiro...
Seus beijos...
Suas mãos...
Sua voz...
Sua barba...
Roçando minha pele
Me arrepiando de desejos...
Seu jeito de sorrir
De me amar
De me sentir
Me levando às nuvens...
Me carregando em seus braços...
Com carinhos e cuidados...
Com um brilho no olhar...
Com a paixão a palpitar...
Me dá vontade de ficar,
Para sempre...
Juntinhos
Só nós dois... sózinhos
Me queira sempre assim...
Com um amor que não tem fim...
Como um sonho bom da vida...
Que me presenteou com você...
Sarando assim minha ferida!

M.091.Marcas do que se foi - Angela Bretas


Como negar a violência absurda
Gerada por conversas mal resolvidas
Impotência do poder...
Como aceitar situações estúpidas
Que fazem do momento um tormento
E transformam o querer em temer...
Como falar sem ter forças
Saber respeitar sem ser respeitado
Sucumbir a apelos violentos...
Como sorrir se as marcas ainda doem
Se o grito ainda é ouvido
E o medo é companheiro...
Como sair de uma situação destas
Que cala os olhos, tapa a visão, bloqueia o coração,
E joga fora a chave do respeito?

M.090.Mãos - Ana Paula Pedro


Queria dar-te minhas mãos...
são vazias.
As linhas que marcam
não sei de onde vem.
As unhas que as protegem, roí.

Posso dar-te meu coração
antes guardado
tirando o bolor está quase intacto.
Posso dar-te meu ventre
vazio e virgem de teus toques.

Minha boca já tens
silenciando teu gozo.
Só não me peças as mãos
ao partir.

M.089.Manuscritos de Felipa XIV - Adélia Prado


É como achar na calçada objeto de valor o descobrir sozinho certos porquês. Não se pode mesmo chamar dedo anelar ao dedo de pôr anéis, é anular que se diz, devido à origem da palavra, pois vem de ânus, o anel por excelência, meu caro Uóxinton. Isto me distancia imensamente da Margarida, que jamais o descobriria sozinha. Não por falta de inteligência, mas porque a ocupa com caminhões de areia, fazendo de sua prosa uma grande praia sem mar, sem o encanto e os perigos do deserto: "... está lá, agora, a maior confusão, só missa de sétimo dia ele ganhou quatro, em igrejas bem longe uma da outra, porque as cunhadas não queriam se encontrar. Gente que foi na matriz não pôde abraçar a viúva, nem os filhos, nem ninguém. É o morto mais sem missa que eu já vi. Tudo por causa do lote. A lei não deixa pôr nele a placa de Vende-se. O inquilino que tem oficina nos fundos não paga nem assina acordo". Teodoro quis interferir, colaborar com informações legais, Margarida não deixou, foi até o amargo fim da história cheia de lotes, apartamentos, contas no banco, ódios ávaramente degustados entre missas e novenas. A um pequeno fôlego, já no fim, Teodoro que só prestara atenção na parte jurídica do cipoal, disse, com didática precisão, das medidas necessárias para se colocar a placa no lote. Foi quando Margarida completou: mas agora a placa já está lá. Por que você não falou no começo da história que não podia mas já pode? Olha aqui, Margarida, se você vai me contar que alguém morreu, por favor, não comece pela doença ou perguntando se me lembro dele, essas coisas. Diga logo, o fulano morreu, depois, SE FOR O CASO, dê os detalhes. Ela não ficou com raiva, porque Teodoro falava brincando e ela tinha feito um café muito bom, era domingo e a lengalenga, até que, de certa forma, bem, estávamos ali pra visitá-la, gostamos dela. Mas se Teodoro não a interrompesse, era capaz de eu, muito despistadamente, ficar lendo a Revista da TV, dando palpites só pra marcar presença, expediente de pouca valia, no fundo estava sofrendo por causa do Hermínio que morreu brigado com as irmãs, dos filhos dele que tomaram o partido da mãe contra as tias e, principalmente, principalmente porque não estavam juntos na missa. Isto me desconcertou, morte que não abranda os corações, a missa como uma placa de Vende-se, um cartão de visitas, valendo menos que um telegrama de pêsames. Tudo me serviu para corajosa decisão, corajosa porque zelo muito por minha imagem diante de Deus e da humanidade em geral, estendendo meu zelo aos que amo, vigiando se um irmão se lembrou do aniversário do outro, dando mil disfarçados jeitinhos para que se lembre por amor de deus e telefone, ô canseira. Já posso fazer isto agora, é um prêmio, pois o filho se esqueceu do meu aniversário e fiquei normalíssima. Mais: fiquei feliz! Foi uma coisa nova. Ele não se lembrou e o amor resistiu vigoroso, vitaminado, desembaraçado, caminhando a pé. Mais amei o esquecido. Por isso tudo não vou telefonar à Zuleide pela morte do pai. Não o fiz na hora esperada, fazê-lo agora é pagar tributo à lei que não respeito, é aceitar que, enquanto falsamente me agradece, me chame sem coração, grosseira, índia pegada a laço. Nada disso eu sou. Quando a sabedoria da vida providenciar, perguntarei de todo o coração: Zuleide, você já se acostumou sem o seu pai? A filha dela, a neta do morto, vai me criticar, mas ela própria, a quem pude cumprimentar, não queria falar de óbitos, queria cigarros, recomendar a melhor clínica pra se ter um bebê, enfim, falava sinceramente do que lhe ia no coração, exatamente como desejo fazer. "Que os mortos enterrem seus mortos" não é para os parentes do Hermínio, que acreditam em lotes e etiquetas como em pessoas vivas. É para mim que acredito nos mortos e assim o compreendo: ô Felipa idiota, vá cuidar da vida.

M.088.Manhã de Inverno - Angela Bretas


O ar cortando como uma navalha
Contrasta com o branco dourado...
Com os reflexos dos tímidos raios de sol
Que tentam penetrar através das imensas nuvens de chuva e neve
Na visão desta manhã de inverno...
A paisagem reflete no vidro,
A imagem triste e bela...
As poucas árvores sem folhas e secas
Seguram em seus galhos a neve acumulada
Nesta manhã de inverno...
As crianças felizes
Por não precisarem ir a escola...
Brincam sorridentes, contentes
Felizes por terem esta manhã de inverno...
A cidade polvorosa sem igual
Atentos a metereologia...
Carros raspando neve
Deixando trilhas de sal
Em mais uma manhã de inverno...
Pessoas continuam deitadas
Felizes, decansadas...
Tranquilas e satisfeitas
Por acordarem em uma manhã de inverno...
Assim prossegue a estação
Deixando um grande vazio
Com vento, chuva
Neve e frio
Repletas de manhãs de inverno...

M.087.Mae - Alexandre Bairos de Medeiros


A Natureza
Te encanta Vê-la cantar
Nas manhãs em que acorda,
Nas noites em que dorme o sono?

O som do vento te estremece,
quando teme ou não o porvir?
A luz do astro-luz te aquece
ou te intimida?

Em vida simples
na tua terra onde é nascida,
encontra abrigo no colo,
no braço das árvores?

Se consegue pensar
se trabalha o que sente
quando lê estas linhas abertamente
Compreende o que sinto,
Quando procurei tocar-te
com estas da arte,
em que procuro viver.

Ame...
e que com o amor
que brota da Natureza,
não se espante...
é pura claridade
como a que arde a vista
quando acorda,
mas que bem veloz
te faz ver, na manhã
o amanhã de todos nós.

D.076.Dona Doida - Adélia Prado


Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.

D.075.Dolores - Adélia Prado


Hoje me deu tristeza,
sofri três tipos de medo
acrescido do fato irreversível:
não sou mais jovem.
Discuti política, feminismo,
a pertinência da reforma penal,
mas ao fim dos assuntos
tirava do bolso meu caquinho de espelho
e enchia os olhos de lágrimas:
não sou mais jovem.
As ciências não me deram socorro,
não tenho por definitivo consolo
o respeito dos moços.
Fui no Livro Sagrado
buscar perdão pra minha carne soberba
e lá estava escrito:
"Foi pela fé que também Sara, apesar da idade avançada,
se tornou capaz de ter uma descendência..."
Se alguém me fixasse, insisti ainda,
num quadro, numa poesia...
e fossem objetos de beleza os meus músculos frouxos...
Mas não quero. Exijo a sorte comum das mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso e no entanto
sustentam os pilares do mundo, porque mesmo viúvas dignas
não recusam casamento, antes acham sexo agradável,
condição para a normal alegria de amarrar uma tira no cabelo
e varrer a casa de manhã.
Uma tal esperança imploro a Deus.

D.074.Dói - Andréa Borba Pinheiro


Como dói a tua falta!
Falta de beijo,
falta de abraços,
falta de carinhos.
Como dói essa distância!
Milhas,
quilômetros,
dias...
Olho tua foto e não enxergo nada,
pois estás longe demais e minha visão não te alcança.
Essa vida me cansa.
Cansa tocar miragens,
perder os sonhos,
cansa deitar e não dormir
pois, o choro, é mais forte que o sono.
Desculpa se exijo o impossível
mas, tudo que peço, é tudo que preciso para viver,
para acalmar o tambor que retumba em pranto no meu peito.
Quero te amar do jeito certo.
Para tudo na vida tem um jeito.

D.073.Do teu cheiro - Ademir Antonio Bacca


O gosto da tua pele
sal impregnado em meus lábios
que me mata de sede
à beira da fonte dos teus prazeres.
O teu gosto na minha boca
mel que sacia meus desejos
na hora derradeira
do medo de te perder
em meio aos lençóis.
O teu cheiro impregnado
no meu corpo
perfume raro que nem a chuva
leva de mim...

D.072.Do Deus a face - Alexei Bueno


Do deus a face não será por certo
A do universo,
Nem a dos astros, nem a de outras forças
Assim sem alma,
Enquanto batem, elas, ondas, e ele,
O vento, espira,
Nós esperamos, sobre o escolho escuro,
Ver num espelho
Aquele que é e que de nós esconde,
Sua, a alegria.

D.071.Dinheiro - Alvares de Azevedo


Sem ele não há cova- quem enterra
Assim grátis, a Deo? O batizado
Também custa dinheiro. Quem namora
Sem pagar as pratinhas ao Mercúrio?
Demais, as Dânaes também o adoram...
Quem imprime seus versos, quem passeia,
Quem sobe a Deputado, até Ministro,
Quem é mesmo Eleitor, embora sábio,
Embora gênio, talentosa fronte,
Alma Romana, se não tem dinheiro?
Fora a canalha de vazios bolsos!
O mundo é para todos... Certamente
Assim o disse Deus mas esse texto
Explica-se melhor e doutro modo...
Houve um erro de imprensa no Evangelho:
O mundo é um festim, concordo nisso,
Mas não entra ninguém sem ter as louras.

D.070.Dilema - Andréa Borba Pinheiro


Não há nada para dizer agora.
Não há nada para pensar
ou para tentar resolver,
só sei que me apaixonei por você...
E não quero nem saber...

Não quero saber o que os outros acham.
Porque se metem tanto na nossa vida??
Te amo e ponto.
Te quero e ponto.

Tenho medo de não ser correspondida.
Oh sim... normalíssimo caro Watson...
Temos medo do que não conhecemos,
e assim, tenho medo do seu sentimento,
pois não o conheço.

Fui notar em você só agora...
Fui " ver " você só agora...
E sinceramente,
surpreendi-me com o que vi ( no melhor dos sentidos )...

Não sei ao certo o que fazer.
Não sei ao certo como tua atenção chamar...
Porque nunca te vi com olhos de quem deseja...
Sempre com olhos de quem é amigo...!
E em dúvida, eu sigo.

D.069.Diante do mar - Alfonsina Storni


Oh, mar, enorme mar, coração feroz
de ritmo desigual, coração mau,
eu sou mais tenra que esse pobre pau
que, prisioneiro, apodrece nas tuas vagas.
Oh, mar, dá-me a tua cólera tremenda,
eu passei a vida a perdoar,
porque entendia, mar, eu me fui dando:
"Piedade, piedade para o que mais ofenda".
Vulgaridade, vulgaridade que me acossa.
Ah, compraram-me a cidade e o homem.
Faz-me ter a tua cólera sem nome:
já me cansa esta missão de rosa.
Vês o vulgar? Esse vulgar faz-me pena,
falta-me o ar e onde falta fico.
Quem me dera não compreender, mas não posso:
é a vulgaridade que me envenena.
Empobreci porque entender aflige,
empobreci porque entender sufoca,
abençoada seja a força da rocha!
Eu tenho o coração como a espuma.
Mar, eu sonhava ser como tu és,
além nas tardes em que a minha vida
sob as horas cálidas se abria...
Ah, eu sonhava ser como tu és.
Olha para mim, aqui, pequena, miserável,
com toda a dor que me vence, com o sonho todos;
mar, dá-me, dá-me o inefável empenho
de tornar-me soberba, inacessível.
Dá-me o teu sal, o teu iodo, a tua ferocidade,
Ar do mar!... Oh, tempestade! Oh, enfado!
Pobre de mim, sou um recife
E morro, mar, sucumbo na minha pobreza.
E a minha alma é como o mar, é isso,
ah, a cidade apodrece-a engana-a;
pequena vida que dor provoca,
quem me dera libertar-me do seu peso!
Que voe o meu empenho, que voe a minha esperança...
A minha vida deve ter sido horrível,
deve ter sido uma artéria incontível
e é apenas cicatriz que sempre dói.

D.068.Dia - Adélia Prado


As galinhas com susto abrem o bico
e param daquele jeito imóvel
- ia dizer imoral -
as barbelas e as cristas
envermelhadas,
só as artérias palpitando no pescoço.
Uma mulher espantada com sexo:
mas gostando muito.

D.067.Desvairada Vida - Angela Bretas


Seria loucura?
Querer o incerto
Secar o molhado
Arar sentimentos
Varrer conflitos
Rasgar verdades
Plantar esperanças
Romper o gelo
Reviver pensamentos
Esperar o retorno
Suspirar em prantos
Desabrochar em sorrisos?
Ou loucura seria?
Desistir do que é certo
Molhar o enxuto
Conter emoções
Concordar com discórdias
Revelar segredos
Negar sonhos
Manter a geleira
Ignorar sentimentos
Cansar da espera
Estancar as lágrimas
Sorrir com ironia?
Que loucura essa nossa
Ao tentar entender
Procurar esquecer
Deixar de querer
Questionar o saber
Sem ter
Ou ser
Que loucura viver!

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

D.066.Despedidas - Affonso Romano Santana


Começo a olhar as coisas
como quem, se despedindo, se surpreende
com a singularidade
que cada coisa tem
de ser e estar.
Um beija-flor no entardecer desta montanha
a meio metro de mim, tão íntimo,
essas flores às quatro horas da tarde, tão cúmplices,
a umidade da grama na sola dos pés, as estrelas
daqui a pouco, que intimidade tenho com as estrelas
quanto mais habito a noite!
Nada mais é gratuito, tudo é ritual
Começo a amar as coisas
com o desprendimento que só têm
os que amando tudo o que perderam
já não mentem.

D.065.Despedida - Adelino Fontoura


Pois que é chegada finalmente a hora
Do triste afastamento e da provança,
Venho dizer-te adeus, gentil criança,
Venho dizer-te adeus, pois vou-me embora.
Morreu em mim a última esperança,
Bem como um sonho bom que se evapora;
Não sei que dor maior que resta agora
Sofrer, nem que maior desesperança.
Não sei, ó sorte mísera e nefasta,
Que assim me arrancas do seu lar querido,
Que assim me roubas sua imagem casta.
Bem vês que eu tenho o coração partido,
E teu peito, inda assim, não desengasta
Um soluço, uma lágrima, um gemido.

D.064.Desintegração - Abgar Renault


Eu tenho o coração cheio de coisas para dizer...
E a minha voz, se eu acaso falasse,
teria a força de uma revelação!

Meu espírito palpita ao ritmo desordenado e aflito
de asas prisioneiras que se dilaceraram
na arrancada impossível da libertação e da altura.
Minhas mãos tremem ainda ao contato

imaterial, sobre-humano e fugitivo
de qualquer coisa além e acima deste mundo...
Adormeceu para sempre no fundo dos meus olhos
a saudade de paisagens estranhas e longínquas,

que nunca, nunca mais voltarão neste tempo e neste espaço.
Doem meus olhos. Tremem, ansiosas, as minhas mãos.
Meu espírito palpita. Tenho o coração cheio de coisas para dizer...
Eu estou vivo, Senhor! mas, em verdade, é como se estivesse

063.Desfaço - Andréa Borba Pinheiro


Desfaço agora, todos os laços que antes nos uniam.
Os papéis, estão todos amassados,
os lábios que antes sorriam,
agora gritam desbocados.
Me desfaço do abraço,
do olhar que me cobria,
do carinho escasso,
que tu me oferecias.
Desfaço as palavras de amor que te lancei,
desfaço o nó que atava nossas almas,
desfaço tudo, pois de você, nada sei,
e vou seguir em frente com calma.
Desfaço as frases de ternura que escrevi,
desfaço os poemas que um dia te dei,
desfaço tudo, pois sou melhor sem ti,
desfaço tudo, pois amor, eu não te amei.

D.062.Desejos - Affonso Romano Santana


Disto eu gostaria:
ver a queda frutífera dos pinhões sobre o gramado
e não a queda do operário dos andaimes
e o sobe-e-desce de ditadores nos palácios.
Disto eu gostaria:
ouvir minha mulher contar:
-Vi naquela árvore um pica-pau em plena ação,
e não:-Os preços do mercado estão um horror!
Disto eu gostaria:
que a filha me narrasse:
-As formigas neste inverno estão dando tempo às flores,
e não:-Me assaltaram outra vez no ônibus do colégio.
Disto eu gostaria:
que os jornais trouxessem notícias das migrações
dos pássaros
que me falassem da constelação de Andrômeda
e da muralha de galáxias que, ansiosas, viajam
a 300 km por segundo ao nosso encontro.
Disto eu gostaria:
saber a floração de cada planta,
as mais silvestres sobretudo,
e não a cotação das bolsas
nem as glórias literárias.
Disto eu gostaria:
ser aquele pequeno inseto de olhos luminosos
que a mulher descobriu à noite no gramado
para quem o escuro é o melhor dos mundos.

D.061.Desejo - Andréa Borba Pinheiro


Sinto um arrepio na espinha,
fecho os olhos e imagino...
Teu corpo junto ao meu,
colado ao meu.

Tuas mãos deslizando em minhas curvas,
tocando-me firmemente,
mas delicadamente,
fazendo a minha razão confundir-se.

Tua boca trilhando um caminho de fogo,
do pescoço até meus ombros.
Às vezes, mordendo minha orelha levemente,
provocando-me sem perdão.

Corpos suados, unidos pelo amor.
Selados pela paixão...
Queria muito ter você agora,
porém, tudo isso é só imaginação!...

D.060.Desculpa - Andréa Borba Pinheiro


Por todas as besteiras que fiz,
Pelas vezes que menti,
Pelas outras bocas que beijei,
Pelos " eu te amo " que te falei.
Por todas as situações constrangedoras,
Pelas vezes que te enforquei mentalmente,
Pelas outras pessoas que ouvi,
Pelos desaforos que a ti desferi.
Por todas as palavras rudes,
Pelas vezes que não te amei o máximo que pude,
Pelas outras brigas que tivemos,
Pelos incontáveis dias a partir de hoje, nos quais, não nos veremos.
Por todas as verdades que omiti,
Pelas vezes que passaste a noite em claro, pensando em mim,
Pelas outras noites que tentaste me abraçar, e te repeli,
Pelos erros que cometi.
Por todos os equívocos,
Pelas vezes que te neguei um afago,
Pelas outras idiotices que fiz assim, sem pensar,
Pelos sentimentos, pelo amor que um dia nos uniu.
Por saber.
Pelas vezes que não quis saber.
Pelas outras vezes que você precisava saber,
E eu não contei.
Por estar longe.
Pelas vezes que te enganei... dizendo que estaria aí com você.
Pelas outras vezes que sonhei...
Pelos sonhos impossíveis que idealizei e não tive coragem de realizar.
Escuta, eu sei que você não vai entender...
Nunca vai entender...
Mas eu fui racional perante a cegueira da paixão,
Amor, eu feri, para poder proteger o teu coração.
Lembra de mim, tá?...
Quando você estiver em casa, sentado com a sua esposa,
Com os filhinhos correndo de um lado ao outro...
Lembra de mim, como alguém que te amou mais que a si mesma.
E, por favor...
Desculpa.

D.059.Depois da Abolição - Alcindo Guanabara


Este artigo vem retardado de dois dias, o que, para o momento de excepcional celeridade que atravessamos, é uma demora respeitável. Mas para isso houve um motivo poderoso: o Novidades não foi publicado ontem, nem anteontem. É, pois, agora a primeira vez que falamos depois da abolição; e bem preciso é que o façamos quando toda a imprensa se congrega para realizar festejos que comemorem o advento da liberdade.
Outra tivesse sido a nossa posição como jornalista em face desta lei e do governo que a promoveu e nada teríamos a dizer depois da distinção conferida a esta folha, na pessoa de seu redator-chefe nomeado membro da comissão executiva da imprensa. Mas nós fomos o jornalista que mais veementemente a combateu, que mais acesamente se mostrou nessa campanha contra a lei que acaba de ser assinada; e a posição tomada com todos os nossos ilustres colegas nos coloca na contingência de expor a nossa situação no dia seguinte ao da sua passagem para que nos não venha ferir a pecha do leviano e inconseqüente.
Nós não podemos aplaudir a lei que acaba de ser assinada, não pelo fato que ela consigna, mas pela maneira por que chegou a ser consignado. Neste momento, porém, já se não trata dos meios por que a abolição deve ser feita - e isto é que era o motivo da divergência - visto que estamos diante do fato consumado. O princípio que desse fato decorre, o reconhecimento da liberdade humana, esse que sempre o amamos, sempre o defendemos, sempre lhe dedicamos todo o vigor e toda a energia de nossa alma.
O que a imprensa soleniza não é, nem pode ser a precipitação dos meios postos em ação para se atingir este ideal; mas pura e simplesmente o ideal mesmo, o fato exclusivo de haverem entrado, para a comunhão dos livres, centenas de homens.
Nós gastamos boa parte da nossa atividade fazendo sentir que a abolição radical devia trazer conseqüências funestíssimas ao país; e agora que ela está feita pela pior das maneiras, seremos talvez o único jornalista que assim pensa! mas pensamos que essas conseqüências serão inevitáveis e fatais.
Esta luta da abolição deixa em ambos os terrenos muitos feridos. Nós somos um deles. Mas declaramos que nos levantamos no dia seguinte ao de sua passagem sem ressentimentos e sem ódios, esquecendo todas as ofensas recebidas, todas as injúrias tragadas, todos os desalentos que nos vieram. E o fazemos porque estamos convencidos de que devemos contribuir para que não venha amargurado demais o período que segue.
Nós cremos que passados os primeiros entusiasmos cada um de nós tem de se apertar as mãos e preparar para novas jornadas em campos necessariamente opostos, mas desta vez para atenuar ou para impedir as conseqüências forçadas do passo dado ontem. E antes de quem quer que seja é à imprensa que cabe essa atitude de defensora da tranqüilidade e da vida da nação.
Se puderem falhar estas previsões lúgubres, se podemos reclamar para nós também uma coparticipação no epitáfio que o sr. barão de Cotegipe reclama para a sua lousa, tanto melhor para nós todos, tanto melhor para a nossa pátria! Desejamo-lo ardentemente, pedimos com todas as veras d'alma que nos seja dado registrar numa retratação solene que fomos um fantasista tétrico, um sentimentalista vulgar. Mas essa é hoje a nossa convicção íntima e devemos declará-la, no dia seguinte ao em que se assina a lei que combatemos na medida de nossas forças.
Ninguém decerto se apercebeu deste esforço, e não o salientaríamos se não fosse a situação em que nos achamos. Hoje, porém, não temos escrúpulos em cooperar para que as conseqüências da abolição imediata sejam festas e flores. Muito ao contrário, entendemos (e isso mesmo dissemos anteontem, num artigo em que referíamos a impressão que este movimento devera ter causado ao espírito do imperador) que o dever dos que a combateram era precisamente envidar esforços para atenuar os males que daí nós supomos que advirão.
A Abolição é, hoje, lei do Estado: só temos que obedecer-lhe e respeitá-la; mas se nos é dado contribuir para que as suas conseqüências derivem das calamidades sociais que prevemos para as alegrias sociais que desejamos, por que razão nos havemos de negar? As crises econômicas, essas são fatais e estão acima de todo o esforço humano.
Bastem-nos estas! Empenhemos todos os esforços que estiverem a nosso alcance para que o Brasil progrida em paz, na confraternização geral de todos os corações.
A nossa adesão à comemoração da liberdade está, pois, claramente definida nesses termos.

D.058.Dentro do sonho - Alberto de Oliveira


Tanto de sonho lhe hão chamado a vida
Que por sonho eu a tenho e me convenço
Que tudo nela é sonho, breve ou extenso,
Pouco importa, querida.
Foi sonho aquela vez primeira que nos vimos,
A última sonho foi; sonho o primeiro abraço
Em que os dois nos unimos;
Sonho o dia em que tu entraste por meu braço
Num templo, e logo após na casa que foi nossa;
Sonho o ver-me então moço e o ver-te também moça...
Vinte anos todos de felicidade!
E de improviso tudo acaba, tudo...
Mas esta dor sem fim, esta saudade,
Aquele golpe rudo,
Tredo e medonho,
- Devo-me conformar - não passou tudo
De um sonho que sonhei dentro do grande Sonho.

D.057.Definição - Affonso Romano Santana


Um corpo não é um fruto,
embora em tudo se assemelhem:
densa forma, oculto gosto, cinco letras
e um pressuposto poder de vida.

Um corpo é mais que um fruto
que se plante, que se colha, ou se degluta:
um corpo é um corpo,
é um corpo,
é uma luta.

Um corpo não é um potro,
embora assim se manifeste:
pêlos mansos, membros ágeis, sal na boca,
e um desejo verde pelos campos.

Um corpo é mais que um potro
que pelos prados e currais se dome:
um corpo é um corpo,
é um corpo
é fome.

Nem chama que se anule,
nem espada em duplo gume
ou máquina de estrume.

Um corpo é mais que tudo:
mais que a chave,
mais que a fome,
mais que o leme,
mais que o açude.

Um corpo
é mais que tudo:
é a própria imagem
que eu não pude.

O corpo é onde
é carne:

o corpo é onde
há carne
e o sangue
é alarme.

O corpo é onde
é chama:

o corpo é onde
há chama
e a brasa
inflama.

O corpo é onde
é luta:

o corpo é onde
há luta
e o sangue
exulta.

O corpo é onde
é cal:

o corpo é onde
há cal
e a dor
é sal.

O corpo
é onde
e a vida
é quando.

D.056.De afrodisíacos - Adélia Prado


Tenho um pouco de pudor de contar, mas só um pouco, porque sei que vou acabar contando mesmo. É porque lá em casa a gente não podia falar nem diabo, que levava sabão, quanto mais... ah, no fim eu falo.
Coisa do Teodoro, ele quem me contou, você sabe, marido depois de um certo tempo de casamento fala certas coisas com a mulher. O seu não fala? Pois é, e de novo tem um tempão que aconteceu.
Lembra aquela história dos queijos? Igual. Demorou um par de anos pra me contar. O pessoal dele é assim, sem pressa. Tem uma história deles lá, que o pai dele, meu sogro, esperou 52 anos pra relatar. Diz ele que esperou os protagonistas morrerem. Tem condição? Mas o Teodoro — foi quando a gente mudou pra casa nova — teve de ir nas Goiabeiras tratar um marceneiro e passou, pra aproveitar, na casa da tia dele, a Carlina do Afonso, e encontrou lá o Gomide.
Tou encompridando, acho que é só por medo do fim, mas agora já comecei, então. Então, diz o Teodoro, que o Gomide tirou do bolso do paletó uma trouxinha de palha de milho, cortadas elas todas iguaizinhas e amarradas com uma embirinha da mesma palha. Escolheu, escolheu, pegou uma bem lisa e bem branquinha, tirou o canivete do outro bolso, lambeu a palha pra lá, pra cá, e ficou um tempão lhe passando firme a lâmina, do meio pras pontas, de ponta a ponta, entremeando com lambidas. Depois, ainda segurando a palha entre os dedos, foi a hora de tirar e picar o fumo de rolo bem fininho. Ia picando e pondo na concha da mão.
Acabou, guardou o rolo e ficou socavando o fumo na mão com a ponta do canivete. Depois pegou a palha, mais uma lambida e foi pondo nela o fumo, espalhando ele por igual na canaleta formada, pressionando bem pra ficar bem firme. Deu mais uma lambida na parte mais próxima do fumo e com os polegares e indicadores foi enrolando o cigarro devagarinho, uma enrolada e uma lambida, uma enrolada e uma lambida. Com o canivete dobrou uma das pontas para o fumo não escapar, tirou a binga do bolso, acendeu e pegou a pitar. Agora é que vem, ai, ai. Teodoro falou que o tempo todo da operação ele não despregava o olho daquilo.
Disse que nem sabe o que tia Carlina arengava, só punha sentido no Gomide fazendo o pito. Diz ele que foi uma coisa tão esquisita — esquisita, não —, tão encantada que ele ficou de pau duro. É isso. Falou também que ficou doido pra sair dali, comprar palha, fumo de rolo e repetir tudo igualzinho ao Gomide. Eu entendo. Quando conheci o Teodoro, ele fumava e eu achava muito emocionante.
Tenho muita saudade de quando não existia essa amolação de cigarro dar câncer, nem de mulher ser magra. A gente tinha mais tempo para o que precisa, não é mesmo? Será que faz mal mesmo?
Colesterol, depois de tanto barulho, estão falando que já tem do bom. Qualquer dia vou pedir ao Teodoro pra dar uma fumadinha, só pra fazer tipo.

D.055.Das viagnes - Ademir Antonio Bacca


Viajo
no teu corpo
caminhos
nunca imaginados
delírios
de náufrago à deriva
em noite de temporal.
viajo em ti
sonhos de uma ternura
nunca sentida.

D.054.Das Paixões - Ademir Antonio Bacca


a nudez do teu corpo
é idéia que vaga solta
no campo da fantasia,
abre portas,
resuscita sonhos
e incendeia
as minhas emoções.

D.053.Dádiva Divina - Angela Bretas


Filhos são uma dádiva
Nascem como a alvorada
Chegam trazendo a anunciação
de um novo dia,
de uma nova vida,
de uma nova conquista...
Com o passar dos anos,
florescem tal qual botão em flor,
desabrocham como rosas floridas,
enfeitando e encantando
o jardim da vida...
Portanto filhos, perdoem-me:
Se nos momentos de repressão
fui por demais severa...
Se no corre-corre do dia a dia
não ofereci a vocês o sorriso que necessitavam...
Se no meu aprendizado em ser mãe,
usei-os como cobaia de meus erros...
Se na minha ânsia de guiar,
esqueci que vocês já conseguem
caminhar sozinhos...
Aproveito este momento especial
do Dia das Mães,
e ofereço a vocês o meu abraço,
que por vezes esqueci de dar...
Dou-lhes meu carinho,
que nunca há de faltar...
Oferto-lhes o meu amor,
que é eterno...
Concedo-os novamente a vida,
pois vocês são minha vida também!
Vocês estarão sempre comigo
Faça sol ou faça chuva
Noite ou dia
Ano após ano
Enchendo minha vida de felicidade,
Meus olhos de otimismo,
e meu coração
de sonhos
e esperanças!

D.052.Da janela - Alexandre Bairos de Medeiros


Gotas,
Chuva...
Cachoeira em conta-gotas
Sede acaba
Quando abre a boca
E molha a voz...
Vento sopra
Seca e molha
Água plana
Em vôo razante
Avante revela
A bela escondida...
Fria tarde
De sopro que fala
Quando a voz dos falantes,
Cala
E exala
Aroma doente do transporte de toda gente...
Só observo...