quinta-feira, 30 de junho de 2022

S.166.Sentado no portão - Douglas Farias


Sentado no meu portão que eu dava vida aos meus sonhos, mesmo que fosse em pedaços de papel. Meus desenhos transfiguravam alegria, gostava de ver como as pessoas sorriam e como celebravam a vida, tudo eu passava para meu caderninho delineando cada momento, cada gesto, cada cumprimento, cada sorriso, todos, sentado no meu portão, eu os via.

Tinha o padeiro que todo dia, pontualmente, de manhãzinha passava com sua buzina vendendo pães quentinhos, cantando sempre com tamanha disposição. Duas senhoras conversando enquanto faziam suas caminhadas matinais. As crianças que corriam para pegar o ônibus-escolar. O carteiro que sempre vinha em sua bicicleta assobiando. Nos finais de semana ver todos brincando na pracinha logo em frente. Cada data comemorativa também podia ver todos sorrindo, não perdia nenhum detalhe sentado no meu portão.

Até criava historinhas entre eles, sempre com aventuras, risadas e até romances. Era fascinante quando eu desenhava, e sonhava com tanta alegria, mesmo que ainda muito jovem, mas queria ser feliz igual a eles. Sei que cada desenho e cada historinha me fariam buscar meus sonhos, e mesmo que sendo um pequeno hobby nunca deixei de desenhar a alegria das pessoas.

Mas nunca vou esquecer-me de uma manhã de sol, que não era como as outras, já podia perceber que seria uma manhã diferente. Ao sentar no meu portão, e contemplar a rua me deparei com aqueles cabelos morenos tão lindos, aquela pele branca tão macia, aquele cheiro de rosas tão suave e aquele vestido aveludado balançando ao vento. Ela já havia passado por mim quando me sentava no degrau do portão, mas não deixei de contemplá-la, desejei para que ela se virasse para poder ver seu rosto, mas ela não virou. “Como seria a cor de seus olhos?”, “Como seria o seu sorriso?”. Antes o que era um passatempo, virou uma obsessão.

Mesmo que eu sentasse minha vida toda esperando ela passar de novo, não sei se seria em vão, pois, quem seria aquela que tanto me impressionou, com tamanha beleza que me encantou? Dias, semanas e meses se passaram, tantos rostos desenhei para aquele corpo, mas nenhum que fizesse me dar por satisfeito em saber que seria o dela, aquele lindo rosto.

Ainda sento no mesmo portão esperando a mesma sensação, uma linda manhã de sol e toda sua beleza passarem por mim outra vez e ver seu rosto ir de encontro aos meus olhos. Lembrarei para sempre daquela manhã olhando todos os desenhos que fiz, esperando ela passar, sentado no meu portão...

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