sexta-feira, 31 de maio de 2024

E.139.Encontros - Cecília Meireles


Desde o tempo sem número em que as origens se elaboram,se estendem para mim os seus braços eternos,que um estatuário de caminhos invisíveisconstruiu com a cor e o frio e o som morto de mármores,para que em teu abraço haja imóveis invernos.
Tu bem sabes que sou uma chama da terra,que ardentes raízes nutrem meu crescer sem termo;adestrei-me com o vento,e a minha festa é a tempestade,e a minha imagem,como jogo e pensamento,abre em flor o silêncio,para enfeitar alturas e ermo.
Os teus braços que vêm com essa brancura incalculávelque de tão ser sem cor nem se compreende como existe-são os braços finais em que cedem os corpos,e a alma cai sem mais nada,exausta de seu próprio nome,com uma improvável forma,um vão destino e um peso triste.
Pois eu,que sinto bem esses teus braços paralelos,na atitude sem dor que é o rumo e o ritmo dessa viagem,digo que não cairei com uma fadiga permitida,que não apagarei este desenho puro e ardentecom que,de fogo e sangue,foi traçada a minha imagem.
Eu ficarei em ti,mísera,inútil,mas rebelde,última estrela só,do campo infiel aos seus escassos.E tu mesma achará pasmos de lagos e areias,diante da forma exígua,sustentada só de sonho,mantendo chama e flor no gelo dos teus braços.

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