quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Crônica - D.003 - Da Ressureição ao Espanto - Ângelo Rodrigues


«Penso que o fragmento é a forma que reflecte melhor esta realidade em movimento que nós vivemos» Octávio Paz, 1967 Ao Rodolfo
1. (...) e escarnecia do Sistema fingindo que profetizava. E assim ficou a contemplar a complexidade da condição humana. Ansiava desse modo, uma interpretação subtil, própria e provisória que os deuses lhe dariam. Afinal, sempre quisera vencer a Esfinge da intemporalidade e cantar vitória em cima de uma nova Torre de Babel.
2. Sinto o braço pesado porque tenho o Infinito doente deitado na palma da minha mão. Assim, já sei que pertenço ao Tempo da fusão entre a Matéria e o Espírito e por isso dei um chuto na Realidade - já não preciso dela. Acabei agora mesmo de lavar a parte mais suja da alma do Uni-Verso.
3. Devolva-me os meus olhos: eles teimam, Senhora, em não sair de seus adoráveis e divinos seios.
4. O encanto hipotético do angustiante esmagamento do cosmos provoca-me todo o Sentido, toda a Possibilidade. Entre a Noite e o Dia repousará o «HÁ QUALQUER COISA» de olhos fechados e assim se ouvirá o meu grito de libertação. E a Eternidade(?) É no contexto desta mentira inteligível que a mais-que-palavra VIDA deixará de soar como um veredicto. O território inacessível da Verdade e da Beleza partirá para o eterno desconhecido. Tenho já todo o direito a essa Beleza dionisíaca concebida pela minha embriaguez de «HÁ QUALQUER COISA» de olhos fechados. Só me resta talvez, esperar pelo convívio da alma. Só me resta a anti-palavra! Para estar no Infinito, basta apenas fechar os olhos.
5. O Mistério é o que fascina e espanta. O não-dito alimenta o Mistério e faz-me não desistir da caminhada. O dito é apenas indicação de outros caminhos com destino ao Mistério.
6. É um estar-no-tempo intenso, este que agora se-Nos interroga... Sinto-os grávidos de mega-sensibilidade mas desarmados neste dia também estúpido em que as palavras estão doentes e o Olhar cansado. Pela manhã, pergunta-se ao instante para que serve a condição-de-Ser. Dar corda nas asas e ir às putas do Infinito é o que parece ser mais razoável neste instante também estúpido, claro!
7. São as perguntas que impõem os limites e que nos dizem o que é existir - estar por cá.
8. Para prosseguir a leveza de Ser e de Estar preciso do aval da Alma coletiva e da promessa de todas as linguagens.
9. Não sei bem porquê mas hoje a minha alma encontra-se KITSCH.
10.Hoje, sem querer, rasguei três evólucros superficiais de três mulheres que sobre mim falavam. Quando os vi rasgados pareciam outra coisa que não três evólucros superficiais de mulher.
11.Estamos recônditos no momento: Eu e o Tempo. O que penso é do indizível. É aqui que estou bem. No indizível não me canso e posso, em provisória-paz, fazer o culto do Mistério.
12.O Silêncio tem olhos tão penetrantes quanto os do Uni-verso sobre nós.
13.Todas as palavras são estúpidas mas a solidariedade-palavra e a solidariedade das palavras permitem desculpar a condição estúpida das palavras.
14.Uma ideia é qualquer coisa de terrível. Fico perplexo quando as não tenho e com enxaquecas quando as tenho em demasia. Em qualquer condição tenho sempre ora a ideia de perplexo ora a ideia de enxaquecas. O mais fingido e o mais verdadeiro de nós é sempre e apenas uma Ideia. Uma ideia por si só não vale nada.
15.Hoje, sem estar a pensar nisso, vi o meu Ideal. Tinha asas, cores azuis e formas nunca vistas. Havia imensas outras coisas que não consigo Dizer em qualquer linguagem conhecida - talvez seja por isso possível eu ter visto o Ideal. O Ideal quis apenas que eu o visse e mais nada. Estarei inquieto e confuso até o ver novamente.
16.Não existem palavras-barco que consigam navegar o rio que vai de mim à tua alma. Para além disso, o rio de que te falo tem muitos bancos de areia. Qualquer palavra-barco teria imensa dificuldade em chegar à tua alma.
17.Pela asneira é que vamos: Porra! - Caca! - Chichi! - Pila! - Passarinha... A asneira é - definitivamente - uma profilaxia psíquica, uma catarse purificadora.
18.O Essencial não existe. O Essencial é apenas uma doenças das ideias.
19.É necessário dizer aos deuses - através de absoluta-arte - que eliminem em absoluto, os espelhos terráqueos.
20.Hoje perdi o alter ego. Na retrete, num movimento descuidado da alma, com as calças semi-vestidas, ouvi-o cair na sanita e sumir-se nas profundezas da canalização citadina. Gritou desesperado mas já não lhe pude valer. Não estou triste nem alegre; sinto até uma certa leveza não habitual, pois, como sabem, um alter ego ainda pesa. Agora vou ser mais exigente quando "arranjar" outro alter ego. «Há males que vêm por bem».
21.As palavras servem para interrogar e não para dar respostas. Qualquer resposta verdadeira nunca poderá ser veiculada por palavras. As palavras só servem para ficção.
22.Quis embebedar-me de palavras subtis e fazer-amor com a Vontade. Com este propósito, procurei por todo o lado os meus sentidos ocultos mas não os encontrei. Tentarei nova-mente os meus sentidos.
23.Creio que perdi o meu SENTIDO secreto - a essência de tudo e dos dias. Sinto-me arrebatado de irracionalidade có(s)mica e sofro avulso e momentaneamente de pulsões instintivas, de medos grosseiros e de fantasias azuis e incompletas. Acordar em outra dimensão e atitude é o melhor desejo que se me depara.
24.Há uma subtil razão do Tempo que anuncia a Eternidade. Há qualquer coisa a fazer de derradeiro nesta dimensão que só na Espera se tornará possível e com-sentido. Esperar é tudo o que resta... Não há nenhum Mistério aquém da Eternidade a não ser o Tempo e a Espera.
25.As grandes fruições dos deuses-menores são: orgasmos, jogo da cabra-cega e diários eróticos ilustrados. Alguns dos sonhos que temos despistam os deuses menores e deixam ver a vidinha das divindades quando a janela da nossa alma é grande.
26.Para além do Além estará não o fim mas um outro princípio... é tudo uma questão de eterno-retorno à maneira dos gregos. O desapontamento é sempre certo, portanto, não temos nada a perder e podemos e devemos continuar a espicaçar - com picadas de angústia - as "realidades" de aquém e de além pois a finalidade da nossa existência não se entende porque estamos desarmados de Sonho. A justificação positiva de nós e desta vida peregrina e aflita só terá sentido quando a MORTE for apenas uma recordação.
27.Sei que vivo numa fronteira. Sei que isso não basta.
28.Há Invisível - sagrado e profano - em tudo o que é visto. Os mortos habitam o vivo e os nossos desejos no Invisível. Morrer é ver mais e melhor. Morrer é também uma fusão para e enriquecimento do Invisível.
29.Um deus terá que ser um "sujeito" em permanente estado de tesão.
30.Eu só sou (e tu!?) sendo com os outros.
31.Algo me diz que na próxima encarnação, serei um gerente de almas perversas.
32.É difícil de conceber mas a-vida-para-além-da-vida não é apenas um desejo, algo de extraordinário - é uma necessidade da nossa própria humanidade - se assim não for, pouca coisa terá sentido e até a Estupidez terá um estátua.
33.Todos os maus cheiros são da Matéria. O Espírito - pela definição do negativo, que é o critério que ainda nos pode proporcionar alguma coisa de novo - é perfumado porque não se vê nem se apalpa, apenas se sente pelo cheiro. Estar-em-Espírito, é cheirar perfumes divinos e fruir.
34.Apetece-me falar de aves. "Pensando" um pouco no assunto, chego à conclusão de que poderei vir a ser pássaro ou então anjo de subtis asas. Lembro-me do pássaro do paraíso [ave-tonta bem conhecida dos místicos como eu]. Podia falar dos pombos de Lisboa que já me cagaram em cima por três vezes fora os ameaços; é, contudo, um tema de difícil tratamento poético.
35.É noite. Quase me arrisco a não escrever absolutamente nada hoje. Em retrospectiva direi que o dia foi estúpido. Sinto-me como se estivesse todo o dia à espera de algo importante. Neste preciso momento estou na sala de espera do Inferno. Tudo foi, é, e talvez será, Tempo e Espera - se nada mais se revelar, serei esmagado pelo peso có(s)mico da Vida e pelo fluxo de Espanto do Infinito ausente.
36.Abri a janela do escritório universal e olhei as nuvens demoradamente. Gostaria que no Futuro - em qualquer paraíso prometido - me fosse possível abrir todas as manhãs uma janela e olhar demoradamente as nuvens da Terra e as de outros pequenos mundos.
37.Apetece-me uma refeição de mistura có(s)mica com coração de pássaro. Tenho apetites esvoaçantes - e altos...
38.Adorei os seus femininos ecléticos devaneios, a sapiência prolixa e algo erudita-delicada. Contudo, do que mais gostei - e com que tenciono vir apenas a sonhar - foram as pernas de sublime arte fisiológica e os seios apontados que pareciam disparar desejos ao alvo inocente dos meus olhos lacrimejantes de espanto e de vontades quotidianamente sentidas.
39.O meu Desejo-Absoluto não se instalou pela presença reflexiva do peso-pesado da Morte - um simples e esquecido engano de um deus demasiado ocupado com jogos celestiais para "perder tempo" com banalidades humanas como a Morte. O meu desejo Absoluto é um Eu-Nós problemático e impaciente que se revela na contradição e na luta entre todos os limites da Vida. Esta é o verdadeiro e o falso, o positivo e o negativo onde tudo se desvanece e confunde perante a única e válida intuição: a Morte É o que ainda Não-É.
40.A Morte não se pode pensar; dela apenas intuímos por magia infantil, os limites possíveis; depois, talvez as concepções mais estranhas e impensáveis, virem realidade e novas concepções virão. A isto chamam "Eles", «Os Caminhos da Perfeição». O Universo que não-conhecemos não é perfeito, o que é perfeito é o que sobre ele nos será revelado quando a Morte for apenas uma recordação infantil. Esperamos... Algo, decerto, acontecerá.
41.Constato o consumismo desenfreado, o tempo dos objectos que cativam mais que o humano. Falta tudo! Falta viver o tempo dos homens. Somos funcionais e pouco. A humanidade é hoje quase uma primordial nostalgia de asas quebradas.
42.Anseio um grande dia de opulência e extravagância. No EXCESSO refaz-se a Luz que ilumina o simples e o que basta.
43.Os deuses não se provam; os deuses comem-se de uma só vez.
44.Escrevo aventuras-poemáticas PORQUE SIM. Se não fores - também - criança, nunca compreenderás.
45.As verdades são só e apenas de momento e circunstância. O Tempo está cansado e não leva muito a sério as verdades. No fundo, não servem para nada. Talvez sejam apenas mais uma doença do nosso espírito carenciado e frágil.
46.As palavras inseguras que escrevo dia a dia não são caminhos para ninguém nem para nada, não indicam sentidos nem supõem destinos; as palavras infiéis que escrevo dia a dia fogem de mim com medo do meu medo e do vosso. Eu queria que as minhas palavras inseguras e assustadas fossem pontes, túneis, canais, passagens - curtas que fossem - entre margens de desejos, de angústias e de vontades supra-reais.
47.Os porcos já não comem bolotas. Posso provar.
48.Conclui-se que chorar é uma arte maior. Uma lágrima é Um-Todo mais sublime que a mónada de Leibniz.
49.É preciso apaixonarmo-nos e amar as nossas limitações pois são elas que a certa altura nos fazem ver a figura de tolos que andamos a fazer.
50.Dai-me O EXCESSO!
51.Aproveitem hoje: acalmem esta vossa-minha alma inquieta, em desordem, em esboço...
52.Por agora, basta a ressurreição do espanto.

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