terça-feira, 31 de outubro de 2017
Crônica.M.002.Maria da Paixão - Claudia Villela de Andrade
Se me perguntassem se assinaria esse meu falar, contando de meu sentir, diria que não. Apenas grafaria no papel a frase: "Um Nome. Uma Mulher". Sim, assim mesmo. Apenas uma mulher que conta a história de seu amor para o seu amor e que nela se descortina. Pode parecer um absurdo, mas é o que eu queria fazer, apenas um conto, um lindo conto de amor. Depois... enviá-la-ia anonimamente. Vê-lo-ia atravessar sete mares, vencendo ventos e torceria para que chegasse às suas mãos, pronto para ser devorado e... rasgado. Bom seria se você me adivinhasse. Mas tenho um nome, que é também um estado, um sentimento. Fácil será, para você, adivinhá-lo. Então, deixemos o nome e falemos apenas do sentimento: Estou no alto desse mirante, hipnotizada pela paisagem que se revela, exatamente feito uma janela, criada para que eu possa, enfim, constatar o meu amor. Minúsculos pontos verdes como um tapete, cortado por um longo e poluído rio e meu coração a dizer encantos. Pela primeira vez, pego-me pensando em você com mais intensidade. Mais profundidade. Não um simples lembrar. É um pensar diferente, dessa vez. Um pensar com necessidade, com um sorriso no canto dos lábios. Com tanto afeto, que chega a arrepiar o velho e bom estômago. Exercita-o com aquele frio que desce e sobe, sufocante e revelador de emoções que há muito não aconteciam. Um pensar que busca nos labirintos da vida a imagem bonita, por vezes amarga, cansada, mas que apalpo com gosto. É... Não me importa o cansaço, desde que você descanse, depois, em meus braços. Nesses braços que não sabiam da vontade de dar forte e afetuoso abraço. Gosto tanto, que não tinha dado conta, não sabia que estaria aqui, agora, com vergonha dos meus próprios pensamentos. Sentindo-me uma boba adolescente com fitas no cabelo. Como se não merecesse essa felicidade de sentir. Gosto tanto, que redescubro mais do que deveria, pois na minha idade, essas paixões são perigosas. Quase nunca se concretizam. Guardam apenas sonhos e embalam ilusões que não tomam forma. Isso não é característica da velhice, mas do momento em que a inquietação dá lugar à sobriedade e todos os nossos conflitos estão resolvidos ou calados para sempre. A verdade é que não estou, nem um pouco, me importando se, nesse momento, você está pensando em mim. Ando me bastando para certas felicidades. Depois de tanta solidão, acostumei-me comigo. Só não queria ter perdido o contato com a emoção. E estou feliz, sabendo que não. Não perdi ainda a capacidade de encontrar a flâmula pequenina do amor sinalizado com tanta euforia, a dizer-me que, a qualquer momento, a vitória pode acontecer.
Mas tenho que confessar: se você pensar em mim, pouco que seja, sentir-me-ei adolescida. Quem sabe nossas asas possam voar juntas, daqui de cima, fazendo pouso certeiro na paisagem, lá embaixo? Seria bom terminar o vôo com você ao meu lado. E começar outros! E mais outros...
Espero não ter deixado minha ansiedade transparecer nestas poucas linhas. Não quero criar intimidações e constrangimentos com a revelação. Não é minha intenção. Só escrevo por achar que não tenho mais tempo, nem necessidade de esconder amor no fundo do meu fruto. Seja, então, o que melhor puder ser. Rasgue este conto de minh'alma. Ignore o meu acalentado gesto de paixão. Ou sinalize-me com os olhos, farol que se tornou do meu mirante. Saberei lê-los com sensatez e apreciação. Quero deixar registrada aqui apenas a última verdade: Meu amor é grande, tenha certeza. Respeite-o. Isto, para mim, seria o suficiente...
Com afeto, Maria, (cheia) da Paixão. 1º lugar em conto do Concurso de Contos Especiais do Armazém Literário 2002
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