segunda-feira, 30 de novembro de 2015

M.020.Moça Só Procura Quarto - Bruno Kampel


Vejamos se adivinho
qual o quarto que procuras
para nele explicitar impunemente
o teu diário discurso de viver:

que tuas verdades o delimitem,
que tua consciência o defina,
que tua inteligência o entenda,
e tua sensibilidade o decore e assimile.

Se assim fôr, se esse é o quarto
que procuras, digo-te que é você
tua própria suíte, a tua parede,
o teu chão, o teu remanso,
e nesse você travestido de aposento,
há futuro sim, ainda que mesmo
querendo não o vejas.

Você é um hotel com quartos, com
paredes, pirilampos, sinfonias, vazios,
becos sem saída e densas alegrias,
ainda que hoje o desconheças, ou
o renegues, ou a aceitá-lo te recuses.

Mesmo assim, e se insistires,
posso oferecer-te um quarto
em que as paredes só desde fora
sejam vistas, e onde o tapete
seja uma longa caravana de beduínos
atravessando em silêncio teus desertos.

Na parede principal viverá
um espelho que mostre de dentro
para fora o quanto é profunda
a tua augusta horizontalidade,
e haverá no quarto um verdugo
encarregado de executar as sentenças
que tua magnanimidade pronuncie.
Aos pés da cama encontrarás
algumas alegrias bem treinadas,
que passarão as horas do teu dia
penteando submissas o teu ego
e acariciando felizes teus cabelos.

Contratarei um exército composto
de milhares de formigas mercenárias,
que ordeiramente subirão pelas paredes
para entreter-te os olhos e hipnotizar
a solidão, que astuta espreita.
E deixarei sob o travesseiro, como
se ali estivessem por acaso, um par de gestos
de ternura, pelas dúvidas que a angústia
assalte de noite o teu descanso.

No lugar de honra estará a Esperança,
que disfarçada de poema e
escondida entre as páginas
em branco do livro que dia-a-dia
a tua memória reescreve,
tocará uma música serena, feita
de carícias verdadeiras, de respostas
esperadas, de sensações paridas
nesse território indefinível que
habita às margens do bom senso,
lindando com a Felicidade
pelo flanco esquerdo e com o medo
de perdê-la, pelos outros.

Deverás dizer, para melhor dispor
os últimos detalhes, qual feitio
de céu preferes: se desejas que haja
sol na lâmpada do teto, ou
estrelas nas vidraças das janelas.
Precisarei saber se quererás o chão
recoberto de tristezas para assim
poder pisá-las com vontade, ou que
chão não haja, permitindo-te
sobrevoar como rainha os teus desejos.
Exigirás que no ar impere a paz eterna?
ou preferirás uma guerra sem quartel
pendurada nos cabides?...
Será, como vês, se quiseres,
um quarto onde estar nua ainda que vestida,
onde os olhares de frente serão incentivados,
e sonhar acordado será recomendado;
onde os pés cansados serão recompensados,
e onde o rumo perdido encontrará finalmente
o teu caminho.

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