segunda-feira, 24 de julho de 2023

M.127.Meu medo e eu - Angélica T. Almstadter


O medo crítico cresce atrás do sorriso largo, parece não entender o significado da frouxidão nos lábios. Não se mostra como os dentes que brilham risonhos em alto e bom som, compostos com a gargalhada sonora. Lá no fundo embutido entre disfarces e alegrias extemporâneas ele se esgueira pela razão tentando se justificar, mas qual... Muitos ontens foram se somando e ali encravado no peito sem respostas misturando-se aos anseios o meu pobre medo perdeu o receio de ser ele mesmo e de se ver de frente. Reconheceu seus próprios atributos e ficou matreiro a se esconder pelo riso escrachado. Hoje maduro e enraizado ele só faz encorpar, escondido atrás dos olhos que nem sempre o delatam e da boca mentirosa que nunca o confessa. Fiz de tudo para atirá-lo pela janela do trem, de alto de um prédio e ao contrário do que podia; ele foi mais forte, me aterrou ao chão presa nas suas invisíveis teias. Ninguém sabe o terror de tê-lo envolto nas cobertas noite adentro, nas horas de silêncio infindo contando os passos dos ponteiros. Olho para o alto e ele me afugenta, dentro das cápsulas ele me tenta e eu confisco iguarias para entretê-lo. Nos respeitamos, eu acho; ele não me entrega e eu o aceito como companheiro. Dessa união esquisita o que resulta é uma pessoa comedida que não se arrisca a correr riscos e um medo tolo que de tão arrogante; fia os passos da sua coadjuvante.

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