segunda-feira, 24 de julho de 2023
M.138.Magister, minister - Eliane F.C.Lima
Às vésperas de se aposentar teve uma surpresa. Começou a desconfiar que um aluno seu, adolescente inteligente, bom aluno, estava apaixonado por ela. Sabia bem que havia um abismo ético entre os dois. Mas não podia deixar de sentir vibrar a vaidade e uns sonhos, bem guardadinhos: o final do curso estava chegando e, no ano seguinte, ele não seria mais seu aluno. Quando pensava nisso, porém, uma grande vexação tomava conta dela, alguma coisa como uma sensação de incesto, talvez. Tinha de abafar correndo os sentimentos e pensar noutra coisa. Como capim teimoso que a gente arranca, mas volta, a ideia renascia e ela se deixava levar. Algumas vezes até se surpreendeu aos beijos com o menino, tudo em sonho, é claro. De novo, pisava em cima. Logo ela sempre tão profissional, zelosa de sua imagem, evitando sempre envolvimentos afetivos com alunos. Na aula, algumas vezes, ao lembrar daquilo, quase se atrapalhava e já evitava olhar para o lado dele. Era como se toda a turma soubesse. Sentia um alívio quando a aula terminava. Em outra sala, já, lá vinha ele e pedia para assistir, porque estava em tempo vago. Foi assim que a desconfiança se instalou no coração dela. Pela insistência do jovenzinho, buscando-a por todos os lugares. Chegou até a surpreendê-lo no corredor, na hora do recreio, olhando para ela, conversando na sala dos professores. Teve medo que alguém percebesse sua atitude. Já tinha elaborado um discurso, professoral, mas condescendente, se ele acaso se declarasse. E repetia todos os dias, no caminho de ida, como um mantra. Discurso de convencimento do aluno ou de si mesma? Naquele dia, quando ia andando pelo estacionamento, o rapaz estava parado no meio do caminho. Tremeu da cabeça aos pés. Tentou manter um ar controlado, o que foi quase impossível, mais adolescente do que ele. - Professora, posso falar com a senhora? – ouviu a madura senhora, sem conseguir articular palavra – Tenho uma profunda admiração pela senhora... - Meu filho, fico muito envaidecida... - já ia começar a professora a desfiar o que tinha decorado, mas foi interrompida. - Por favor, eu preciso falar, senão perco a coragem. Tenho tendado falar com a senhora esse tempo todo, mas nunca consigo. Estou apaixonado pela Amanda, sabe, aquela sua aluna da 1305. Sei que a senhora gosta muito dela e acho até que de mim. Será que a senhora pode me apresentar a ela? Será que a senhora pode falar bem de mim para que ela queira me namorar? Olhe, o ano está terminando, logo, logo, a gente não se vê mais e não vou ter mais chance. Não tive coragem de falar com mais ninguém, o pessoal ia rir de mim, mas sei que a senhora é séria, tão amiga... Uma voz que ela não reconhecia, falou que sim, que ele ficasse tranquilo, ela ia ver isso na próxima aula. Uma boca que não era a sua tentou sorrir, uma mão estranha bateu levemente na face do menino. E ela saiu andando, trôpega, com o peso dos vinte e tantos anos de magistério e os cinquenta de vida a embaraçar suas pernas.
Fonte: http://conto-gotas.blogspot.com
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