sexta-feira, 22 de setembro de 2023
C.102.Coragem, Maria! - Lucelena Maia
Havia noites, o barulho das ondas em impacto com o rochedo de infinita solidão, a sustentar a casa de Maria, falava-lhe ao ouvido como que se lhe cobrasse autorremissão pelos atos não cometidos.
Assombrava-lhe pensar desarranjado o hoje porque deixara de aventurar-se no ontem.
O seu lado sensato, não menos inseguro, jamais audacioso, levava-a para caminhos sem volta, ao esconderijo de si mesma.
Solitárias, na areia, suas pegadas eram vistas.
Quantas vezes traira-se, desde que ali chegara, escrevendo poemas saudosos na areia, ao dizer da necessidade do brilho de um olhar que lhe esquentasse a alma, sobre romântico afago nos braços do luar, uma noite de amor embalada pelo som das mansas águas. Nomes, dera nomes aos poemas, sempre, o mesmo nome, lidos pelas ondas e em seguida lambidos por elas.
Tentava recordar-se firme, engenhosa e convicta mas, quanto mais insistia, intensos ficavam os sons nas rochas.
Fugira da turbulenta rotina isolando-se na casa de praia em busca de dias amenos para usufruir do silêncio do ambiente, com intenção de ser seduzida pela simplicidade, porque queria reconfortar-se na varanda a observar o infinito do mar, os muitos navios que ao fundo navegam até sumirem a visão. Desejava ver a felicidade dos pássaros em revoada recepcionando o dia, entregues ao cenário perfeito da natureza. Ver, também, sem esforço algum, o sol acariciando as folhas das palmeiras no início de mais uma manhã, a secar o sereno da madrugada. Observá-lo despontar dourado no céu e, mais tarde, vê-lo despedir-se apoteótico; era só o que pedia Maria ao fechar as cortinas do próprio espetáculo.
O lugar propiciava paz. Até mesmo descer por entre as rochas e chegar na praia dava-lhe prazer pela pitada de aventura física e exercício de resistência corporal. Tudo parecia e poderia ser perfeito não fossem os gemidos constantes das águas nas pedras, quando a noite chegava, a tilintarem em seu pensamento.
Do quarto, observava a redonda lua na mesma candura e romantismo dos tempos pregressos, um verdadeiro candelabro a iluminar as águas que, quanto mais ela tentava não as ouvir, escalavam as rochas a molhar em intenção seu angustiado coração.
Assim eram todas as noites de Maria.
O vento acariciava-lhe a face, soprando-lhe ao ouvido...
"...Coragem, Maria!"
Mas ela não o entendia.
Porém, noturnamente ele insistia...
"...Maria, coragem!"
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