quinta-feira, 31 de dezembro de 2020
C.079.Cão - Alexandre O'Neill
Cão passageiro, cão estrito,
Cão rasteiro cor de luva amarela,
Apara-lápis, fraldiqueiro,
Cão liquefeito, cão estafado,
Cão de gravata pendente,
Cão de orelhas engomadas,
De remexido rabo ausente,
Cão ululante, cão coruscante,
Cão magro, cão tétrico, maldito,
A desfazer-se num ganido,
A refazer-se num latido,
Cão disparado: cão aqui,
Cão além, e sempre cão.
Cão amarrado, preso a um fio de cheiro,
Cão a esburgar o osso
Essencial do dia a dia,
Cão estouvado de alegria,
Cão formal de poesia,
Cão-sonêto de ão-ão bem martelado,
Cão moldo de pancada
E condoído do dono,
Cão: esfera do sono,
Cão de pura invenção, cão pré-fabricado,
Cão-espelho, cão-cinzeiro, cão-botija,
Cão de olhos que afligem,
Cão-problema...
Sai depressa, ó cão, deste poema!
C.082.Cismar - Alvares de Azevedo
Fala-me, anjo de luz! és glorioso
À minha vista na janela à noite,
Como divino alado mensageiro
Ao ebrioso olhar dos froixos olhos
Do homem que se ajoelha para vê-lo,
Quando resvala em preguiçosas nuvens
Ou navega no seio do ar da noite.
Romeu
Ai! Quando de noite, sozinha à janela,
Co'a face na mão te vejo ao luar,
Por que, suspirando, tu sonhas donzela?
A noite vai bela,
E a vista desmaia
Ao longe na praia
Do mar!
Por quem essa lágrima orvalha-te os dedos,
Como água da chuva cheiroso jasmim?
Na cisma que anjinho te conta segredos?
Que pálidos medos?
Suave morena,
Acaso tens pena
De mim?
Donzela sombria, na brisa não sentes
A dor que um suspiro em meus lábios tremeu?
E a noite, que inspira no seio dos entes
Os sonhos ardentes,
Não diz-te que a voz
Que fala-te a sós
Sou eu?
Acorda! Não durmas da cisma no véu!
Amemos, vivamos, que amor é sonhar!
Um beijo, donzela! Não ouves? No céu
A brisa gemeu...
As vagas murmuram...
As folhas sussurram:
Amar!
C.080.Consistência devoluta - Almandrade
Mas o que contam estas palavras, selecionadas e organizadas em sólidas sentenças? Entre elas sobrevivem percentagens da incurável harmonia gramatical. Não reconquisto a pretensão inicial e ainda estamos no inicio deste eletro-encefalograma gelatinoso, que não fornece qualquer informação sobre a sanidade do paciente. Prevalecem os episódios invioláveis ao bom senso da comunidade e a suspeita de dissolução das marcas da origem, na teoria cronológica.
A ciência encena enunciados na sala, a arte encena outros nos quartos; Elas falam coisas diferentes. A esquizofrenia joga uma interminável partida de xadrez com a paranóia. Lingüística indefinida. Estrela desorientada girando em torno de si mesma, com velocidade variável, numa galáxia sem centro. Embelezada de recordações: nem do passado nem do presente, simplesmente dramáticas. Pressa intratável de permanecer em estado de tensão. Acorde-me aquele que me encontrar dormindo, pois não gosto de pesadelos e o nada fazer pode ser uma sensação de trabalho.
A solidão tem a rentabilidade de você não ser interrogado.
C.081.Cisnes Brancos - Alphonsus de Guimarães
Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da Montanha onde mora a tarde.
Ó cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.
Voai para outras risonhas plagas,
Cisnes brancos! Sede felizes...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.
Venham as aves agoireiras,
De risada que esfria os ossos...
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.
Queimando a carne como brasas,
Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob asas,
A alma cheia de ladainhas.
Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Doce afago da alva plumagem!
Minh’alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem.
Quando chegaste, os violoncelos
Que andam no ar cantaram no hinos.
Estrelaram-se todos os castelos,
E até nas nuvens repicaram sinos.
Foram-se as brancas horas sem rumo,
Tanto sonhadas! Ainda, ainda
Hoje os meus pobres versos perfumo
Com os beijos santos da tua vinda.
Quando te foste, estalaram cordas
Nos violoncelos e nas harpas...
E anjos disseram: - Não mais acordas,
Lírio nascido nas escarpas!
Sinos dobraram no céu e escuto
Dobres eternos na minha ermida.
E os pobres versos ainda hoje enluto
Com os beijos santos da despedida.
C.078.Cheiro de espádua - Alberto de Oliveira
"Quando a valsa acabou, veio à janela,
Sentou-se. O leque abriu. Sorria e arfava,
Eu, viração da noite, a essa hora entrava
E estaquei, vendo-a decotada e bela.
Eram os ombros, era a espádua, aquela
Carne rosada um mimo! A arder na lava
De improvisa paixão, eu, que a beijava,
Hauri sequiosa toda a essência dela!
Deixei-a, porque a vi mais tarde, oh! ciúme!
Sair velada da mantilha. A esteira
Sigo, até que a perdi, de seu perfume.
E agora, que se foi, lembrando-a ainda,
Sinto que à luz do luar nas folhas, cheira
Este ar da noite àquela espádua linda!"
C.077.Captain smart - Afonso Celso
Depois da formosa mulher do dentista americano, era, sem dúvida, o capitão canadense o mais interessante personagem de bordo.
Meses antes, ao que se dizia, naufragara entre as Bermudas o navio que ele comandava.
Perdera-se completamente a carga e sucumbira quase toda a tripulação.
Cabia a Captain Smart não pequena responsabilidade na catástrofe - afirmavam à meia voz passageiros bem informados. E o fitavam rancorosamente de esguelha, quando passava carrancudo e hirto, o eterno cachimbo plantado no matagal dos bigodes ruivos, que lhe interceptavam a boca e se emaranhavam na barba, derramada em catadupa sobre o peito.
O infeliz comandante regressava à pátria, despojado pelo mar dos haveres e da reputação.
Antipatizavam todos com ele no paquete em que viajávamos. Ninguém lhe dirigia a palavra. Chegavam a considerar de mau agouro a sua presença. Se algum acidente desagradável ocorresse durante a derrota, atribuí-lo-iam com certeza à sua nefasta influição.
Penosíssimas deviam ser-lhe as monótonas horas de travessia. Levantado antes do alvorecer; forçado à inação; arredado dos companheiros; sem tomar parte nos jogos e diversões com que estes procuravam matar o tempo; desdenhando livros e jornais - arrastava os intermináveis dias a fumar, enterrado numa cadeira de lona, os pés apoiados à murada, encarando insistentemente as ondas - ou a caminhar pelo convés, de proa a popa, as mãos cruzadas nas costas, carregado o aspecto, no acabrunhamento de quem, ao peso de revoltante injúria, cogita em vão no como se desforçar.
Mas Captain Smart às vezes transfigurava-se.
No alto mar, importa acontecimento de monta o encontrar-se um outro navio.
Sacam-se os binóculos. Cada qual formula as suas observações e conjeturas.
Surdem, de ordinário, vivas discussões.
- É um vapor; um yatch à vela; vai para a Europa; regressa da África; um vaso de guerra; brigue de pesca; alemão; inglês - opina-se com convicão e profusos argumentos.
Vistas privilegiadas dão aqui pormenores. Contestam-nos acolá. E durante largo período concentram-se olhares e atenções na sombra longínqua, que ora cresce e se acentua, apresentando os contornos da embarcação, ora apaga-se e dissolve-se, miragem etérea na linha confinante da água e do céu.
Retina marítima, habituado a perscrutar os meandros da imensidade líquida, Captain Smart parecia adivinhar o barco iminente, ainda invisível para os mais.
A fisionomia expandia-se-lhe então. Apontava, soltando sons guturais, para um trecho perfeitamente unido e límpido da aquática planície. E mais tarde, não raro após longa demora, emergia efetivamente dali, e se aproximava, um lenho errante qualquer.
Enquanto o navio lobrigado se conservava em distância, ou afogado na bruma, dele não despegava os olhos o comandante náufrago. Acompanhava-lhe com solicitude os movimentos; dir-se-ia que lhe estudava cuidadosamente a manobra, absorto, seriamente empenhando no orientação do seu rumo.
Denunciava-se feliz nesse momento. Nos seus olhos ríspidos perpassavam suavizações. Defrontando um dia comigo, que o observava curioso, quase esboçou um sorriso.
À proporção, porém, que o barco se achegava, ia-se-lhe demudando a feição. Sonho querido parecia evolar-se de sua alma, onde entornara claridade fugaz. Ficava mais taciturno do que dantes. Agressivo e procelo o seu ar.
Então, se o tal barco emparelhava com o nosso, ou cruzava o caminho deste, de modo que entre os dois peregrinos das vagas se trocavam sinais, Captain Smart traía mostras de inexplicável agastamento, virava as costas ao primeiro, calcava nervosamente o chapéu sobre a fronte, cerrava as pálpebras e se envolvia em bastas fumaças do cachimbo, aspiradas e expelidas com frenesi.
Naquele coração agreste, estuava evidentemente uma dor misteriosa e cruel, dessas de que se padece e se morre, sem que jamais o próprio paciente as possa bem compreender e explicar.
Despeito? Inveja? Remorso? Esperança? Quem o lograria dizer?!
Evocaria, como um fantasma, a imagem da nave confiada ao seu governo, de que a sua perícia era a alma e a defesa contra as perfídias do pego, nave galharda, cujos membros, por negligência sua talvez, à semelhança de um cadáver espostejado por uma fera, vogavam agora esparsos e despedaçados, à mercê das correntes e dos ventos?
Recearia divisar no tombadilho entrevisto a figura de algum camarada seu, escapo, como ele, ao desastre, e que, reconhecendo-o, o aniquilasse com um gesto de maldição?
Anima-lo-ia, porventura, a ilusão, cedo dissipada, de que tudo não houvesse sido senão um pesadelo horrível e de que o ponto pressentido na fímbria do horizonte se transformasse na embarcação morta, milagrosamente ressuscitada?
Revoltar-se-ia contra a iniqüidade inflexível do oceano, ao aspecto de suas novas vítimas possíveis?
Comprazia-se-me o imaginar nestas presunções. Do fundo de meu ser subia uma corrente de dó para com o rebarbativo comandante.
Quisera conhecer e mitigar a sua mágoa íntima, lenir com a caridade da compaixão as lágrimas de fogo que percebia brotarem-lhe n'alma sem o refrigério de vingarem extravasar-lhe pelos olhos ressequidos.
Captain Smart teve, suponho, a intuição dos meus sentimentos comiseradores.
No dia em que desembarcou, compreendi que hesitava em me falar e agradecer. Não se despediu, entretanto, de mim, como de ninguém. Lançou-me apenas um rápido olhar de humilde reconhecimento, enquanto no seu torvo aspecto relampejava amistosa expressão.
Jamais trocamos palavra. Separamo-nos desconhecidos, indiferentes, tomando veredas opostas, à lei de heterogêneos destinos. Nossas existências coincidiram um segundo, em interseção fortuita, e passaram, no turbilhão infinito da vida. Com quantas tragédias não topamos assim quotidianamente.? Nada resultará para nós ou para elas do respectivo atrito? Significarão secretas afinidades os espontâneos e súbitos movimentos de um espírito na direção de outro? Reminiscências de relações anteriores à nossa atual organização corpórea? Pactos para ulteriores existências?!
Nunca mais, provavelmente, verei Captain Smart, neste planeta. Esvaiu-se decerto a minha figura na sua memória, como em mim se extinguiria a dele se não me viesse a fantasia, numa noite triste, de fixar no meu livro de notas alguns traços do seu perfil.
Mas faz-me bem a lembrança do seu agradecido olhar.
Acabo de sentir, na consciência, ao recordá-lo, uma espécie de consoladora satisfação semelhante à de quem houvesse piedosamente acendido em bravio e perigoso rochedo, batido de vagalhões desesperados, a luzinha de um pequenino farol.
C.075.Confluência - Affonso Romano Santana
Ter-te amado, a fantasia exata se cumprindo
sem distância.
Ter-te amado convertendo em mel
o que era ânsia.
Ter-te amado a boca, o tato, o cheiro:
intumescente encontro de reentrâncias.
Ter-te amado
fez-me sentir:no corpo teu, o meu desejo
- é ancorada errância.
C.076.Conjugação - Affonso Romano Santana
Eu falo
tu ouves
ele cala.
Eu procuro
tu indagas
ele esconde.
Eu planto
tu adubas
ele colhe.
Eu ajunto
tu conservas
ele rouba.
Eu defendo
tu combates
ele entrega.
Eu canto
tu calas
ele vaia.
Eu escrevo
tu me lês
ele apaga.
C.074.Como amo meu país - Affonso Romano Santana
Fragmento 1
Com aquela melancolia que ao entardecer
em Teresina
eu olhava do outro lado do sujo rio
a vilazinha de Timon,
com a fúria da multidão endomingada martelando
caranguejos entre farofa e cerveja
numa praia em Aracaju,
com a penintência de quem amssa o barro
que depois vira anjo nas mãos das mulheres de
Tracunhaém,com a solidez marinha do jangadeiro
em Cabedelo
empurrando a esperança mar adentro
e a repartir a espinha do dia morto sobre a areia,
com a cadência magoada do vaqueiro tangido nos
seus cornos a recolher o sal e a solidão
nos currais de Minas, em Curvelo,assim
eu amo este país que me desama.
Fragmento 2
Deveria deixar de amá-lo como sub ser vivo
e amá-lo ostensivo
num tropel de bandeiras
num estádio de urros
e canções guerreiras?
Amo este país
como o hortelão cuida e corta
a praga de sua horta
e parte com seu cesto a bater de porta em
porta
com a resignação do operário
abraçado à neblina da marmita,
quando larga os panos e a mulher na madrugada
e sai do café quente de sua casa
e desce nos vagões de medo ao fundo da espúria
mina.
Fragmento 3
Deve haver quem ame o seu país
como quem escarra em casa própria,
coça o saco na calçada,
arrota e palita os dentes,
entorna cachaça ao santo
suando a alma e o corpo
no ébrio espasmo do gol.
Uns amam seu país
como o mendigo o seu muro,
como o agiota o seu juro.Outros
como o domador às suas feras:
- distância e precisão -
para evitar que o povo
- lhe arranque o poder da mão.
Outros amam seu país
como o carcereiro a prisão,
o lenhador a floresta
e o carvoeiro o carvão.
Há quem o ame no palco e pista
sem máscaras, expondo as vísceras,
e há quem o ame sonolento
num camarote ou nas frisas
enquanto o catnro, o cavalo e o jogador
se atropelam numa ópera surrealista.
Há quem o ame com o cáutico e sádico amor
com que o gigolô deprava e surra a cansada
mulher das madrugadas ou quem o ame
como a própria mulher
furando seus cartões ao som do sexo
aviltado no metal da orquestra.
Fragmento 4
Eu, quando posso,
ponho minha alma num carro de bebê
e vou levá-la ao sol da praça. Praça
que ninguém mais conheceu
que Felipe dos Santos atado
à cauda do cavalo, cimentando o chão
com o repasto de seu sangue.
Fora isto
com a passividade estrangulada do índio
carregando as armas do invasor
tenho a ingenuidade e o desperdiçado amor
dos Kreen-Akarores em suas matas
quando viram os berloques e espelhos
trazidos
pelos irmãos Vilas-Boas
do outro lado do rio,
Desde então
eu amo este país
- como a prostituta ama a estrada.
C.073.Cilada verbal - Affonso Romano Santana
Há vários modos de matar um homem:
com o tiro, a fome, a espada
ou com a palavra
- envenenada.Não é preciso força.
Basta que a boca solte
a frase engatilhada
e o outro morre
- na sintaxe da emboscada
segunda-feira, 30 de novembro de 2020
C.072.Cena Familiar - Affonso Romano Santana
Densa e doce paz na semiluz da sala.
Na poltrona, enroscada e absorta, uma filha
desenha patos e flores.
Sobre o couro, no chão, a outra viaja silenciosa
nas artimanhas do espião.
Ao pé da lareira a mulher se ilumina numa gravura
flamenga, desenhando, bordando pontos de paz.
Da mesa as contemplo e anoto a felicidade
que transborda da moldura do poema.
A sopa fumegante sobre a mesa, vinhos e queijos,
relembranças de viagens e a lareira acesa.
Esta casa na neblina, ancorada entre pinheiros,
é uma nave iluminada.
Um oboé de Mozart torna densa a eternidade.
C.069.Corridinho - Adélia Prado
O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
se descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.
C.071.Catando os cacos do caos - Affonso Romano Santana
Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto
- como se fosse flor.
Catar os restos e ossos
da utopia
como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculo
se aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.
Catar a verdade contida
em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo
- do dia cão.
Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.
Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.
Catar os cacos de Dionisio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.
Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado
- como era antes.
Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.
É um quebra-cabeça?
Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção
Cacos de mim
Cacos do não
Cacos do sim
Cacos do antes
Cacos do fimNão é dentro
nem fora
embora seja dentro e fora
no nunca e a toda hora
que violento
o sentido nos deflora.
Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora.
C.070.Carta aos Mortos - Affonso Romano Santana
Amigos, nada mudou
em essência.
Os salários mal dão para os gastos,
as guerras não terminaram
e há vírus novos e terríveis,
embora o avanço da medicina.
Volta e meia um vizinho
tomba morto por questão de amor.
Há filmes interessantes, é verdade,
e como sempre, mulheres portentosas
nos seduzem com suas bocas e pernas,
mas em matéria de amor
não inventamos nenhuma posição nova.
Alguns cosmonautas ficam no espaço
seis meses ou mais, testando a engrenagem
e a solidão.
Em cada olimpíada há récordes previstos
e nos países, avanços e recuos sociais.
Mas nenhum pássaro mudou seu canto
com a modernidade.
Reencenamos as mesmas tragédias gregas,
relemos o Quixote, e a primavera
chega pontualmente cada ano.
Alguns hábitos, rios e florestas
se perderam.
Ninguém mais coloca cadeiras na calçada
ou toma a fresca da tarde,
mas temos máquinas velocíssimas
que nos dispensam de pensar.
Sobre o desaparecimento dos dinossauros
e a formação das galáxias
não avançamos nada.
Roupas vão e voltam com as modas.
Governos fortes caem, outros se levantam,
países se dividem
e as formigas e abelhas continuam
fiéis ao seu trabalho.
Nada mudou em essência.
Cantamos parabéns nas festas,
discutimos futebol na esquina
morremos em estúpidos desastres
e volta e meia
um de nós olha o céu quando estrelado
com o mesmo pasmo das cavernas.
E cada geração , insolente,
continua a achar
que vive no ápice da história.
C.067.Casamento - Adélia Prado
Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinho na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
C.068.Com licença poética - Adélia Prado
Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado para mulher,
esta espécia ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, funso reinos
dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
C.065.Cucu - Adailton Medeiros
(No maranhão: faz tanto tempo
- E como dói meu pensamento)
Com estria preta
tal debrum de fita
em redor do olho
lá vai voando -
no bico preto
se debate a lagarta
de jasmim ou de palmeira
( - Colorida?)
- a vela avezinha
que presente
guardo
na memória - hoje descontente
C.066.Cantiga dos Pastores - Adélia Prado
À meia noite no pasto,
guardando nossas vaquinhas,
um grande clarão no céu
guiou-nos a esta lapinha.
Achamos este Menino
entre Maria e José,
um menino tão formoso,
precisa dizer quem é?
Seu nome santo é Jesus,
Filho de Deus muito amado,
em sua caminha de cocho
dormia bem sossegado.
Adoramos o Menino
nascido em tanta pobreza
e lhe oferecemos presentes
de nossa pobre riqueza:
a nossa manta de pele,
o nosso gorro de lã,
nossa faquinha amolada,
o nosso chá de hortelã.
Os anjos cantavam hinos
cheios de vivas e améns.
A alegria era tão grande
e nós cantamos também:
Que noite bonita é esta
em que a vida fica mansa,
em que tudo vira festa
e o mundo inteiro descansa?
Esta é uma noite encantada,
nunca assim aconteceu,
os galos todos saudando:
O Menino Jesus nasceu!
C.064.Chegaremos ao fim - Abíli Terra Júnior
Chegaremos ao fim
ABILIO TERRA JUNIOR
Entre flores e espinhos
objetos daninhos
entre a faca e a alpercata
que dilema escabroso
na parede do moinho
a lagarta enfeitada
o riacho serve 'a mata
dia e noite não reclama
o roteiro dá a dica
e o artista se esmera
mãe e filho a mesma tripa
que um dia se rompeu
tantos galhos do alfaiate
sua mulher surpreende
mesa boa é aquela
que no fim do dia nos espera
a língua é a da massa
e o linguarudo trapaça
é pelo caminho do meio
que chegaremos ao fim
C.063.Como quem pede uma esmola - Abgar Renault
Preciso de uma palavra.
Em que dia ou em que noite
estará essa, que almejo,
ideal palavra insabida,
a única, a exclusiva, a só?
Dela me sinto exilado
todas as horas por junto,
com minha face, meu punho,
meu sangue, meu lírio de água.
Soletro-me em tantas letras,
e encontrá-la deve ser
encontrar a criança e o berço,
a unidade, a exatidão,
o prado aberto na rua,
a rua galgando a estrela.
Preciso de uma palavra,
uma só palavra rogo,
como quem pede uma esmola.
Em florestas de palavras
os calados pés caminham,
as caladas mãos perquirem,
os olhos indagam firmes.
Em que parábola cruel,
em que ciência, em que planeta,
em que fronte tão hermética,
em que silêncio fechada
estará viajando agora
- mariposa de ouro azul -
a palavra que desejo?
Lâmina sexo cristal
fulcro pântano convés
voraginoso fluvial
Antígona circunflexa
catastrófico crepúsculo
ênula ventre rosal
sibila farol maré
desesperadoramente
nenhuma será nem é
aquela do meu anseio.
Como será, quando vier,
a palavra entrepensada,
necessária e suficiente
para a minha construção
de lápis, papel e vento?
Dura, espessa, veludosa
ou fina, límpida, nítida?
Asa tênue de libélula
ou maciça e carregada
de algum plúmbeo conteúdo?
Distante, insone e cativo,
debaixo da chuva abstrata,
eu me planto decisivo
no tráfego confluente,
aéreo, terrestre, marítimo,
e espero que desembarque,
triste e casta como um peixe
ou ardendo em carne e verbo,
e pouse na minha mão
a áurea moeda dissilábica,
a noiva desconhecida,
a coroa imperecível:
a palavra que não tenho.
quarta-feira, 28 de outubro de 2020
A.167.Adoro você - Andréa Borba Pinheiro
Adoro o jeito carinhoso com que você me olha.
Adoro quando me fala com a voz aveludada.
E a simples maneira com a qual você me toca,
me faz suspirar e me derreter toda.
Adoro quando você desfaz na minha beleza,
pois ai, sei que me achas irresistível.
Adoro o seu sorriso gentil ao me enxergar.
Adoro você e isso nunca vai mudar.
Adoro quando você senta ao meu lado,
e se encosta em mim, inocentemente sedutor,
olhando nos meus olhos profundamente,
me matando de tanto ardor.
Te adoro, posso até hesitar,
mas te quero, apesar de não demonstrar...
Te chamo, e quero que você ouça:
Quer ser o meu rapaz?
Eu posso ser sua moça..
A.166.Antropólogo - Ana Paula Pedro
Explorar teus subterrâneos
desvendar teus mistérios
navegar por teus trilhos
ultrapassar teus portais
percorrer tuas curvas
conhecer tuas lendas
penetrar tuas fendas
avistar teus perigos
amar tua geografia
perder-me em ti
nesta hora
todo dia
agora
A.163.Anônimo - Ana Cristina Serra
Sou linda; quando no cinema você roça
o ombro em mim aquece, escorre, já não sei mais
quem desejo, que me assa viva, comendo
coalhada ou atenta ao buço deles, que ternura
inspira aquele gordo aqui, aquele outro ali, no
cinema é escuro e a tela não importa, só o lado,
o quente lateral, o mínimo pavio. A portadora deste
sabe onde me encontro até de olhos fechados;
falo pouco; encontre; esquina de Concentração com Difusão,
lado esquerdo de quem vem, jornal na mão, discreta.
A.165.A inocência era uma doce - André Motta
A inocência era uma doce
e reconfortante mornidade
então conheci o amor
Chegou de manso, pé ante pé,
e foi tomando conta sem resistências
pois agora eu tinha você
E quando foste embora
conheci a calma e amarga solidão
mas ainda havia esperança
Esperança que tudo fosse um sonho
que um dia você voltaria e, talvez,
juntos outra vez...
até que fui apresentado a conformidade,
quando me tornei mais um monte
de carne que vaga por estas ruas
corrompido, solitário e humano.
A.164.Anjo Negro - Andre Motta
Sou a máscara
que te esconde
Sou o ébano
a desgraça
Persegui
os seus amores
Descartei-os
feito podres
Maculo com
sangue
os piores temores
Pois de mim
só há desgraça
E minha ira,
destilada em lábia
Convence,
destrói
e vai embora.
A.162.Acreditei..- Ana Cristina Serra
Acreditei que se amasse de novo
esqueceria outros
pelo menos três rostos que amei
Num delírio de arquivísitca
organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
e amo em ti os outros rostos.
A.161.A tarada num carro - Ana Cristina Pozza
Eu não minto
Eu invento
E se tomo vinho tinto
Logo me esquento!
Quando sinto,
Eu tento.
Percorro o labirinto,
Busco o vento.
Arranco o teu cinto,
Deixo-te sedento
Aí vejo o teu pinto
E sento
A.160.À imensidão azul - Ana Cristina Pozza
Num instante,
Como num passe de mágica,
Estamos frente à imensidão azul do mar,
Andando juntos,
De mãos atadas,
Com intervalos de beijos selados,
Nos lábios e no coração...!
Como na magia de um belo sonho,
Torno-me inteira como tu és
E ainda continuo sendo eu
Oferecendo-lhe o meu coração...
Tu confundes o teu corpo com o meu
Num entrelace de vida e de paixão...!
Há o mar,
a areia,
os morros,
o sol...
E há
nós
dois.Cerramos os olhos
E a chuva cai...
Pingos incessantes que nos fazem
Ser Água,
ser Desejo,
ser Amor...Nos amamos com sofreguidão
E somos um só
Na alma,
no corpo,
no coração...
Quando eu me perco
Me encontro no teu olhar
Para logo me perder no teu tocar...!
Olhos nos olhos,
Boca com boca,
Pele com pele
Corpo no corpo!A água do mar,
Os pingos dançando
E nós dois apaixonados a nos amar...!
A.159.As minhas asas - Almeida Garret
Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
- Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que m'as deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
- Veio a ambição, co'as grandezas,
Vinham para m'as cortar,
Davam-me poder e glória;
Por nenhum preço as quis dar.
Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
- Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas...
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.
Cegou-me essas luz funesta
De enfeitiçados amores...
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!
- Tudo perdi n'essa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Pena a pena me caíram...
Nunca mais voei ao céu.
A.158.Adeus - Almeida Garret
Adeus, para sempre adeus!
Vai-te, oh! vai-te, que nesta hora
Sinto a justiça dos céus
Esmagar-me a alma que chora.
Choro porque não te amei,
Choro o amor que me tiveste;
O que eu perco, bem no sei,
Mas tu... tu nada perdeste;
Que este mau coração meu
Nos secretos escaninhos
Tem venenos tão daninhos
Que o seu poder só sei eu.
Oh! vai... para sempre adeus!
Vai, que há justiça nos céus.
Sinto gerar a peçonha
Do ulcerado coração
Essa víbora medonha
Que por seu fatal condão
Há-de rasgá-lo ao nascer:
Há-de sim, serás vingada,
E o meu castigo há-de ser
Ciúme de ver-te amada,
Remorso de te perder.
Vai-te, oh! vai-te, longe, embora,
Que sou eu capaz agora
De te amar - Ai! se eu te amasse!
Vê se no árido pragal
Deste peito se ateasse
De amor o incêndio fatal! -
Mais negro e feio no inferno
Não chameja o fogo eterno.
Que sim? Que antes isso? - Ai, triste!
Não sabes o que pediste.
Não te bastou suportar
O cepo-rei; impaciente
Tu ousas a deus tentar
Pedindo-lhe o rei-serpente!
E cuidas amar-me ainda?
Enganas-te: é morta, é finda,
Dissipada é a ilusão.
Do meigo azul de teus olhos
Tanta lágrima verteste,
Tanto esse orvalho celeste
Derramado o viste em vão
Nesta seara de abrolhos,
Que a fonte secou. Agora
Amarás... sim, hás-de amar,
Amar deves... Muito embora...
Oh! mas noutro hás-de sonhar
Os sonhos de oiro encantados
Que o mundo chamou amores.
E eu réprobo... eu se o verei?
Se em meus olhos encovados
Der a luz de teus ardores...
Se com ela cegarei?
Se o nada dessas mentiras
Me entrar pelo vão da vida...
Se, ao ver que feliz deliras,
Também eu sonhar... Perdida,
Perdida serás - perdida.
Oh! vai-te, vai, longe embora!
Que te lembre sempre e agora
Que não te amei nunca... ai! não;
E que pude a sangue frio,
Covarde, infame, vilão,
Gozar-te - mentir sem brio,
Sem alma, sem dó, sem pejo,
Cometendo em cada beijo
Um crime... Ai! triste, não chores,
Não chores, anjo do céu,
Que o desonrado sou eu.
Perdoar-me tu?... Não mereço.
A imundo cerdo voraz
Essas pérolas de preço
Não as deites: é capaz
De as desprezar na torpeza
De sua bruta natureza.
Irada te há-de admirar,
Despeitosa, respeitar,
Mas indulgente... Oh! o perdão
É perdido no vilão,
Que de ti há-de zombar.
Vai, vai... para sempre adeus!
Para sempre aos olhos meus
Sumido seja o clarão
De tua divina estrela.
Faltam-me olhos e razão
Para a ver, para entendê-la:
Alta está no firmamento
Demais, e demais é bela
Para o baixo pensamento
Com que em má hora a fitei;
Falso e vil o encantamento
Com que a luz lhe fascinei.
Que volte a sua beleza
Do azul do céu à pureza,
E que a mim me deixe aqui
Nas trevas em que nasci,
Trevas negras, densas, feias,
Como é negro este aleijão
Donde me vem sangue às veias,
Este que foi coração,
Este que amar-te não sabe
Porque é só terra - e não cabe
Nele uma ideia dos céus...
Oh! vai, vai; deixa-me, adeus!
"Nem tágides nem musas:
só uma força que me vem de dentro,
de ponto de loucura, de poço
que me assusta,
seduzindo"
quarta-feira, 30 de setembro de 2020
A.154.A Florbela Espanca - Alexei Bueno
Amada, por que eu tive a tua voz
Depois que o Nada teve a tua boca?
A lua, em sua palidez de louca,
Brilha igual sobre mim, e sobre nós!...
Porém como estás longe, como o algoz
De um só golpe sem fim - a Morte - apouca
Os gritos dos que esperam, a ânsia rouca
Dos que atrás têm seu sonho, os grandes sós!
Aqui não brilha o mundo que engendraste
Como o manto de um deus, e astros sangrentos
Não nos rolam nas mãos da imensa haste.
E só estes olhos meus, que nunca viste,
Se incendeiam, vitrais na noite atentos,
Voltados para o chão aonde fugiste! "
A.155.Apoteose - Alexei Bueno
O brilho das avenidas
Gargalham na minha alma!
Sinto ódio e sinto calma
Por muito mais de mil vidas.
E vem-me a dor de repente
De certa mulher que morre
Enquanto a alegria escorre
Na festa de algum vivente.
Ser todos num só segundo!
- Os mortos mais de mil anos,
Os que urram dos seus planos
E os vencedores do mundo.
Os que morreram leprosos
No instante em que a minha amada
Me beija a boca, encantada,
Em sonhos maravilhosos...
Oh! grandes saltos da vida,
Oh! heróis velhos da raça,
Inventários de desgraça,
Toalha amarelecida.
Quero morrer entre taças,
Virando gelos na boca,
Gritando uma coisa louca,
Pisando um bolo de passas.
E que todos batam palmas
E riam sentindo inveja,
Com berros cor de cereja
Vendendo-me as suas almas.
E depois saiam dançando
Enquanto eu morra de tosse
Em meio à festa de posse
De um rei que está caducando....
Grandes brilhos sobre um rio!
Navios lançando salvas,
Brilhantes bandeiras alvas,
Palhaços sentindo frio.
Os sinos todos batendo
Com os padres dependurados,
Comícios desesperados,
Cidades enlouquecendo.
Avenidas explodindo
Com as luzes jogando à rua
As coroas cor de lua
De um soberano fugindo...
Enquanto que num convento
Um frei descobre a verdade
Num livro sem mais idade
Que espirra de ouvir o vento.
E um moço desesperado
Escreve em fogo um poema
Sem princípio, fim ou tema
E sonha um tiro bem dado.
Na hora em que eu fico a ver
A minha amada sonhando
Na boca de outro e falando
Palavras que eu não vou ter.
E atrás as famílias jantam
De lado a lado com os mortos
Lançando sorriso tortos
Que são a vida e me espantam...
Certidões de nascimentos!
Caixas velhas de costura,
Camisas para a loucura,
Perdões de pêndulos lentos...
As tranças de uma criança
Que morreu velha há cem anos
Pagando a um santo de panos
Pagando sem esperança.
Meretrizes a vender
Suas bocas para a desgraça
Pra que esta possa, com graça,
Sorrir ali e esquecer.
Corridas pelas cidades,
Mergulhos dos edifícios,
Gargalhadas, precipícios,
Promessas de eternidade.
Cabelos, para sonhar,
Não fossem também sonhados,
Olhares desenganados,
Anéis no fundo do mar...
Oh! farós! Oh! mendigos!
De seis mil anos de tudo,
Castelos, cartas, veludo,
Lençóis, pescoços, postigos.
Nucas com beijos vermelhos
À luz de um anjo de ferro,
Cetins, amores, enterro,
Olhares pelos espelhos.
O fogo do que morreu
Para queimar-nos de frio!
Sensações como que um rio
Sob a ponte que sou eu.
De braços entre as cortinas
E frases ao pé do ouvido,
Violino enlouquecido
Num cofre de sedas finas.
O ter a alma uma cela
Fechando uma multidão,
A grade o meu coração
Que a mão da turba esfacela.
O sonho do que eu não fui
Sobre tudo o que é apagado,
Suposto castelo alçado
Na noite que nunca rui.
Sensações me sacudindo
Como flor num vendaval,
Feridas de bem ou mal
Abrindo a boca e sorrindo.
Até não mais eu saber
Se vivi pouco ou em excesso,
Se sou tudo ou tudo impeço
Num sonho que nunca é ser.
Quando aí chego à minha porta
Que me diz que tudo é pouco
E a vida, mesmo a de um louco,
Se esvai como a aragem morta.
A.157.Arquitetura de Algodão - Almandrade
A mão escuta
o papel
toca a letra
um corpo
vaza o desenho
a boca resume
o traço
pássaros
cachoeiras
um bordado
que imita
a virtude e a transparência
das águas.
O tema ronda
a lógica
invade
a língua
disparidades
não faz
insiste
inquebrável
ao menos
não diz
a razão
é um pensamento
sem saída.
Fronteiras
que se repetem
ciclo limite
exaltação
atropelos
um fim
de século
ao meio-dia
circunstancial
inédito só
as pernas do sol.
O umbigo transborda
o éter
alva, lisa
sem marca
de cansaço
epiderme de mulher
o mar do nome
doce, leve
peixe
a dança refresca
o belo namora
a boca e as pernas.
A.156.A carícia perdida - Alfonsina Storni
Sai-me dos dedos a carícia sem causa,
Sai-me dos dedos... No vento, ao passar,
A carícia que vaga sem destino nem fim,
A carícia perdida, quem a recolherá?
Posso amar esta noite com piedade infinita,
Posso amar ao primeiro que conseguir chegar.
Ninguém chega. Estão sós os floridos caminhos.
A carícia perdida, andará... andará...
Se nos olhos te beijarem esta noite, viajante,
Se estremece os ramos um doce suspirar,
Se te aperta os dedos uma mão pequena
Que te toma e te deixa, que te engana e se vai.
Se não vês essa mão, nem essa boca que beija,
Se é o ar quem tece a ilusão de beijar,
Ah, viajante, que tens como o céu os olhos,
No vento fundida, me reconhecerás?
A.153.Ao luar - Alvares de Azevedo
Esperaba, desperado.
III
Era-a do vulto da janela-uma dessas feições que os Sóis do meio-dia parecem ter avivado com o primor de seus lumes-e o fogo de seus verdes.
-Ler-se-lhe-ia em cada traço, nos cabelos corridos e ondados, no bigode negro, nos olhos acesos e até nessa morena descor, que pelas válvulas das veias desse homem borbulhavam os fervores de Sarraceno, fundidos na branquidão, de fleugma das raças loiras do Norte-e nos vestígios dos bustos varonis dos soberbos Romanos.
-Não havia engranar-se: era um Espanhol ou um Siciliano.
Ao certo contudo ninguém sabia quem era o Conde Tancredo.-Donde vinha, onde ia, como vivia-calava-o ele.-Sua vida era um mistério-para uns era um doidejar de mancebo leviano, rebuçado nas orgias' dormindo nos haréns venais do lupanar, embriagado nos seios torneados na fluidez de cores de um corpo que freme nos abraços seminus das cinturas acetinadas no fresco dos cabelos das Frinés belas.
Para outros essa vida louca e perdulária-o isolado de seu palácio fechado durante o dia, o frenesi dos banquetes, o tumultuar das ceias fascinantes pelo quedar das horas mortas-a figura desse palácio mudo, como um fantasma de pedra, durante o dia-e refletindo de noite nas águas esverdeadas seus vinte olhos de luz-parecia acobertar algum crime: era um tapete de felpos séricos e flores turcas sobre uma nódoa ainda úmida de sangue.
Era contudo de nobre raça, uma dessas feições onde logo se adivinha a nobreza de herança-frontes soberbas onde melhor que nos brasões heráldicos se lê o senho do orgulho dinástico. O Conde Tancredo era assim.Era um homem de estranhas usanças.-Muitos o viram passar do riso mais alegre à spleenalgia mais sombrosa, do volver mais doce de olhos ao cintilar injetado de sangue de um olhar de cólera muda.
E quando dormia-muitas vezes a amante das noites se erguera de seu lado, fria e pávida,-ao ouvir os gemidos cavernosos de seu peito, e os gritos de raiva rangendo entre seus dentes cerrados-no volver da mão negra de um pesadelo.Isso que uns chamavam sonambulismo acordava em outros idéias de que a palidez desse homem podia ser um crime, e seus pesadelos um remorso
IV
O mancebo desaparecia às vezes do balcão da sacada - e suas passadas ressoavam pelo salão escuro-outras reaparecia na janela, estendendo olhares ávidos aos aléns do Canal.
O Árabe sentado no mármore da escadaria, parecia também esperar.
Disséreis contudo que a pessoa que ele esperava parecia não ser a mesma que inquietava tanto o Conde. A direção de seus olhares era oposta inteiramente.
Cada vez, contudo, que o rosto do mancebo embranquecido pela chuva de luzes lívidas da lua aparecia na sombra de seu manto negro, como no fundo escuro de um painel de Téniers ou Van-Dyck-a fronte escura do escravo se erguia-seu olhar brilhava mais ardente -e ele parecia dizer:
-Ele espera também!
V
A noite ia límpida e bela-as virações corriam medo no deslizar das ondas. Fazia-se tarde-só se ouvia às vezes o estalar das águas no cair dos remos reluzentes de umidez, dalguma gôndola solitária, passando muda e negra nas águas.
A noite ia-se límpida e bela.-O ar respirava a bafagem dos laranjais em flor. Entre o ramalhar das folhas, ao sussurrar das ondas, exalava-se às vezes a cantilena monótona do barqueiro-ou o descante ao longe de alguma barca iluminada.
VI
O céu se escurecia sob o crepe das nuvens que avultavam no horizonte, em ondas negras. A lua sumira seu fantasma ebúrneo sob as cortinas da escuridão.
Gotas mornas de chuva começavam a cair…
Davam nesse instante 10 horas em S. Marcos.
Os dois vultos-o da janela e o da escadaria permaneciam ansiosos.
Uma gôndola escura dobrou o canal-e aproximava-se lenta como uma ave negra aquática, com a cabeça sob a asa, resvalando em seu dormir pelo vidro das águas.
A gôndola vinha sempre-o mancebo permanecia imóvel na escada.
A gôndola parou no cais defronte do palácio
-Aí-aí-disse uma voz argentina de mulher. .
O conde ficou imóvel como bebendo a doçura daquela voz-o Árabe como despertado por ela foi até o cais…
Nesse momento uma forma peregrina de mulher saltava em terra com seus pés mimosos nuns mágicos e curtos sapatos de cetim, envolta numa manta de seda, cujas franjas lhe cobriam o rosto como uma máscara, mas não tanto que algumas doiradas mechas de cabelo lhe não sobressaíssem entre elas…
-É ela-disse o moço pálido, desaparecendo da janela.
-Não é ela-murmurou em sua língua bárbara o selvagem filho do deserto, voltando a embuçar-se no albornoz e a recostar a fronte escura no frio das pilastras de pedra.
-Ide-disse ela ao gondoleiro, atirando-lhe uma moeda de oiro. . .
A gôndola partia quando ela passava o peristilo do palácio.
-Adeus, Ali-disse ela, batendo-lhe com o leque.
-Não falas, estátua?
A face queimada do estrangeiro não se moveu.
Sonhava?
Esperava?
Talvez ambas as coisas.
A.152.Amor - Alvares de Azevedo
Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!
Quero em teus lábio beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!
Vem, anjo, minha donzela,
Minha'alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!
A.151.Ai, Jesus! - Alvares de Azevedo
Ai, Jesus! Não vês que gemo,
Que desmaio de paixão
Pelos teus olhos azuis?
Que empalideço, que tremo,
Que me expira o coração?
Ai, Jesus!
Que por um olhar, donzela,
Eu poderia morrer
Dos teus olhos pela luz?
Que morte! Que morte bela!
Antes seria viver!
Ai, Jesus!
Que por um beijo perdido
Eu de gozo morreria
Em teus níveos seios nus?
Que no oceano dum gemido
Minh'alma se afogaria?
Ai, Jesus!
A.150.Adeus, Meus Sonhos! - Alvares de Azevedo
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus? Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
A.149.A Lagartixa - Alvares de Azevedo
A lagartixa ao sol ardente vive,
E fazendo verão o corpo espicha:
O clarão dos teus olhos me dá vida,
Tu és o sol e eu sol a lagartixa.
Amo-te como o vinho e como o sono,
Tu és meu copo e amoroso leito...
Mas teu néctar de amor jamais se esgota,
Travesseiro não há como teu peito.
Posso agora viver: para coroas
Não preciso no prado colher flores;
Engrinaldo melhor a minha fronte
Nas rosas mais gentis de teus amores.
Vale todo um harém a minha bela,
Em fazer-me ditoso ela capricha;
Vivo ao sol de seus olhos namorados,
Como ao sol de verão a lagartixa.
A.148.Árias e Canções - Alphonsus de Guimarães
A suave castelã das horas mortas
Assoma à torre do castelo. As portas,
Que o rubro ocaso em onda ensangüentara,
Brilham do luar à luz celeste e clara.
Como em órbitas de fatias caveiras
Olhos que fossem de defuntas freiras,
Os astros morrem pelo céu pressago...
São como círios a tombar num lago.
E o céu, diante de mim, todo escurece...
E eu que nem sei de cor uma só prece!
Pobre alma, que me queres, que me queres?
São assim todas, todas as mulheres.
terça-feira, 25 de agosto de 2020
A.145.Até - Alexandre Baros de Medeiros
Até dia livre de toque e cor vivos
(e som e tom nos ouvidos)
Até que flores cresçam
(e cantem a saudade do não-ver)
Até que dor não tome conta
Até que Sol sopre os nossos segredos
Até que vento brilhe em nosso silêncio
Até que as puras loucuras tuas sejam nossas
Até que nossos olhos se vejam melodicamente
(como nossa música)
Até que meu toque seja teu alívio
Até que teu cheiro seja meu sabor
Até que tua história seja minha estória
Até que vejamos o Sol-amigo aquecer nossa pele na manhã
(no entardecer)
Até que bebamos dágua do mesmo rio doce
Até que sopremos as mesmas velas
Até que brindemos as mesmas graças
Até que sonhemos os sonhos livres dos que andam com pé na terra
Até que nossas asas sejam asas do mesmo ultraleve
(no mesmo céu de estrelas)
Até!
A.147.A Catedral - Alphonsus de Guimarães
Entre brumas ao longe surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral eburnea do meu sonho
Aparece na paz do ceu risonho
Toda branca de sol.
E o sino canta em lugebres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma aurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral eburnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tao cansados ponho,
Recebe a bencao de Jesus.
E o sino clama em lugebres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
Por entre lirios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Poe-se a luz a rezar.
A catedral eburnea do meu sonho
Aparece na paz do ceu tristonho
Toda branca de luar.
E o sino chora em lugebres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O ceu e todo trevas: o vento uiva.
Do relampago a cabeleira ruiva
Vem acoitar o rosto meu.
A catedral eburnea do meu sonho
Afunda-se no caos do ceu medonho
Como um astro que ja morreu.
E o sino chora em lugebres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
A.146.Albertina - Alexandre O'Neill
O poeta está só, completamente só.
Do nariz vai tirando alguns minutos
De abstração, alguns minutos
Do nariz para o chão
Ou colados sob o tampo da mesa
Onde o poeta é todo cotovelos
E espera um minuto de beleza.
Mas o poeta é aos novelos;
Mas o poeta já não tem a certeza
De segurar a musa, aquela
que tantas vezes, arrastou pelos cabelos...
A mosca Albertina, que ele domesticava,
Vem agora ao papel, como um inseto-insulto,
Mas fingindo que o poeta a esperava ...
Quase mulher e muito mosca,
Albertina quer o poeta para si,
Quer sem versos o poeta.
Por isso fica, mosca-mulher, por ali...
- Albertina!, deixa-me em paz, consente
Que eu falhe neste papel tão branco e insolente
Onde belo e ausente um verso eu sei que está!
- Albertina! eu quero um verso que não há!...
Conjugal, provocante, moreno e azulado,
O inseto levanta, revoluteia, desce
E, em lugar do verso que não aparece,
No papel se demora como um insulto alado.
E o poeta sai de chôfre, por uns tempos desalmado ...
A.144.A central das frases - Alexandre O'Neill
... já te disse que são os do primeiro...
... e afinal não pudémos telefonar...
... ai nem queira saber o engenheiro...
... se me dão licença eu vou contar...
... penses nisso era só o que faltava...
... não as outras duas é que são as tais...
... mas o senhor presidente autorizava...
... na avenida centenas de pardais...
... de facto muito inteligente...
... ó filha por aqui fazes favor...
... que veio ontem para falar com a gente...
... é mesmo lá ao fim do corredor...
A.143.Aspiração - Alberto de Oliveira
Ser palmeira! existir num píncaro azulado,
Vendo as nuvens mais perto e as estrelas em bando;
Dar ao sopro do mar o seio perfumado,
Ora os leques abrindo, ora os leques fechando;
Só de meu cimo, só de meu trono, os rumores
Do dia ouvir, nascendo o primeiro arrebol,
E no azul dialogar com o espírito das flores,
Que invisível ascende e vai falar ao sol;
Sentir romper do vale e a meus pés, rumorosa,
Dilatar-se e cantar a alma sonora e quente
Das árvores, que em flor abre a manhã cheirosa,
Dos rios, onde luz todo o esplendor do Oriente;
E juntando a essa voz o glorioso murmúrio
De minha fronde e abrindo ao largo espaço os véus,
Ir com ela através do horizonte purpúreo
E penetrar nos céus;
Ser palmeira, depois de homem ter sido! est’alma
Que vibra em mim, sentir que novamente vibra,
E eu a espalmo a tremer nas folhas, palma a palma,
E a distendo, a subir num caule, fibra a fibra;
E à noite, enquanto o luar sobre os meus leques treme,
e estranho sentimento, ou pena ou mágoa ou dó,
Tudo tem e, na sombra, ora ou soluça ou geme,
E, como um pavilhão, velo lá em cima eu só
Que bom dizer então bem alto ao firmamento
O que outrora jamais - homem - dizer não pude,
Da menor sensação ao máximo tormento
Quanto passa através minha existência rude!
E, esfolhando-me ao vento, indômita e selvagem,
Quando aos arrancos vem bufando o temporal,
- Poeta - bramir então à noturna bafagem
Meu canto triunfal!
E isto que aqui não digo então dizer: - que te amo,
Mãe natureza! mas de modo tal que o entendas,
Como entendes a voz do pássaro no ramo
E o eco que têm no oceano as borrascas tremedas;
E pedir que, ou no sol, a cuja luz referves,
Ou no verme do chão ou na flor que sorri,
Mais tarde, em qualquer tempo, a minh’alma conserves,
Para que eternamente eu me lembre de ti!
A.142.A janela e o sol - Alberto de Oliveira
"Deixa-me entrar, - dizia o sol - suspende
A cortina, soabre-te! Preciso
O íris trêmulo ver que o sonho acende
Em seu sereno virginal sorriso.
Dá-me uma fresta só do paraíso
Vedado, se o ser nele inteiro ofende...
E eu, como o eunuco, estúpido, indeciso,
Ver-lhe-ei o rosto que na sombra esplende."
E, fechando mais, zelosa e firme,
Respondia a janela: "Tem-te, ousado!
Não te deixo passar! Eu, néscia, abri-me!
E esta que dorme, sol, que não diria
Ao ver-te o olhar por trás do cortinado,
E ao ver-se a um tempo desnudada e fria?!"
A.141.A casa da rua Abílio - Alberto de Oliveira
A casa que foi minha, hoje é casa de Deus.
Traz no topo uma cruz. Ali vivi com os meus,
Ali nasceu meu filho; ali, só, na orfandade
Fiquei de um grande amor. Às vezes a cidade
Deixo e vou vê-la em meio aos altos muros seus.
Sai de lá uma prece, elevando-se aos céus;
São as freiras rezando. Entre os ferros da grade,
Espreitando o interior, olha a minha saudade.
Um sussurro também, como esse, em sons dispersos,
Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.
De alguns talvez ainda os ecos falaram,
E em seu surto, a buscar o eternamente belo,
Misturados à voz das monjas do Carmelo,
Subirão até Deus nas asas da oração.
A.139.À Minha Esposa - Afonso Celso
Sim! Tornou-se-me leve a cruz que eu vinha
A carregar por íngreme ladeira,
Graças ao teu auxílio, ó companheira,
Cireneu de meu fato - esposa minha.
Sobre a data gentil de nosso enlace
Já dos anos avulta a cinza fria;
Mas, desde então, não se passou um dia,
Sem que eu aquele dia abençoasse.
Me ser sem ti era incompleto. Agora
Deparas-lhe ao viver força e motivo:
- És o porto de paz definitivo,
Onde o batel de meu desejo - ancora.
Nos sorrisos e lágrimas de lacta
Tão gêmeas sempre as almas nos têm sido,
Que não há numa o mínimo vagido
Que noutra logo após não repercuta.
Em derredor do nosso afeto puro,
Que o lar nos enche de calor e brilhos,
Gira a constelação de nossos filhos,
Iluminando os limbos do futuro.
Sim! sou feliz! feliz se num degredo,
Onde o amanhã só de incertezas traja,
Dizer-se possa que venturas haja...
Sim... tão feliz que às vezes tenho medo.
Como a dos corações, em nosso ninho,
Conformidade estreita e harmoniosa,
Nem nas pétalas iguais da mesma rosa,
Nem nas asas irmãs de um passarinho.
Anjo meu tutelar, mimo que abriga
Reta razão, espírito valente,
Sócia fiel, segura confidente,
Ó minha santa, ó minha doce amiga.
Meu talismã, meu dom precioso e raro,
Minha estrela polar, minha riqueza,
Meu sonho, minha flor, minha princesa,
Minha fé, meu orgulho, meu amparo,
Quem me dera que vínculo tão forte
As vidas nos unisse a vida inteira,
Uma noutra a embeber de tal maneira
Que as desatar não conseguisse a morte!
As nossas almas n'amplidão etérea,
Do pesadelo terrenal despertas,
Hão de oscular-se bem melhor, libertas
Das subalternas formas da matéria.
E, na vida de além, que continua
Eternidade afora, sem limite,
Quero-as tão juntas que até Deus hesite
Em dizer qual a minha, qual a tua.
A.138.A Indiferença - Afonso Celso
Ficar a tudo indiferente,
Pensar que, nunca inteligíveis,
Incertas são, e discutíveis,
Todas as coisas, igualmente;
A ser nenhum sentir apego;
Nada ter, nada esperar,
Sem que este humor, este sossego,
Sucesso algum possa alterar;
Nem na razão, nem nos sentidos
Ter fé jamais, mas por estudo
Em duvidar, sempre, de tudo:
- Falas, sorrisos ou gemidos;
Não ter o mínimo conceito
Seja do bem, seja do mal;
Fazer, com ânimo perfeito,
Renúncia eterna e universal;
Nem ver no túmulo um asilo,
Mas bem iguais Morte e Existência
Considerar - sem preferência,
Pouco importando, isto ou aquilo
- Eis como expõe o seu programa
Um grande espírito ... Mas quem,
Representando o humano drama,
Conseguirá tanto desdém?
Indiferença, o nosso nível
Teu reino olímpico ultrapassa,
Divino dom, suprema graça,
Chamo-te, em vão ... És impossível!
Esse que sabe com tal plano
Levar na terra os dias seus,
Melhor que o déspota romano,
Deve sentir tornar-se Deus.
A.140.A alma dos vinte anos - Alberto de Oliveira
A alma dos meus vinte anos noutro dia
Senti volver-me ao peito, e pondo fora
A outra, a enferma, que lá dentro mora,
Ria em meus lábios, em meus olhos ria.
Achava-me ao teu lado então, Luzia,
E da idade que tens na mesma aurora;
A tudo o que já fui, tornava agora,
Tudo o que ora não sou, me renascia.
Ressenti da paixão primeira e ardente
A febre, ressurgiu-me o amor antigo
Com os seus desvarios e com os seus enganos...
Mas ah! quando te foste, novamente
A alma de hoje tornou a ser comigo,
E foi contigo a alma dos meus vinte anos.
sexta-feira, 31 de julho de 2020
A.136.Assombros - Affonso Romano Santana
Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.
Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.
Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro
A.135.Arte-Final - Affonso Romano Santana
Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outra o ato, quem toma uma por outra
confunde e mente.
A.134.Aprendizado - Affonso Romano Santana
Estou aprendendo a enterrar amigos,
corpos conhecidos, e começo as lições
de enterrar alguns tipos de esperança
Ainda hoje
sepultei um braço e um desejo de vingança
Ontem, fui mais fundo:
sepultei a tíbia esquerda
e apaguei três nomes da lembrança
A.137.A Confiança - Afonso Celso
Sem ti, a mente se afunda,
Minada em seus alicerces:
Feliz daquela em que exerces
Tua ascendência fecunda.
De quem te adota por guia
Quão segura a diretriz!
Sim! Feliz o que confia,
Feliz, três vezes feliz!
Mas, como o vidro, és frangível.
Não raro, a um gesto, a uma frase,
De chofre vai-se-te a base;
Cais, e, depois, é terrível.
O vidro quebrado corta
A mão que incauta o apertou...
Oh! como a confiança morta,
Coração, te retalhou!
Tudo falácia e quimera...
- Tem talvez sorte bendita
Esse que em nada acredita,
Nada esperou, nada espera
A.133.Antes que elas crescam - Affonso Romano Santana
Há um período em que os pais vão ficando órfãos de seus próprios filhos.
É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados.
Crescem sem pedir licença à vida.
Crescem com uma estridência alegre e, às vezes com alardeada arrogância.
Mas não crescem todos os dias, de igual maneira, crescem de repente.
Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maneira que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu?
Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e o primeiro uniforme do maternal?
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça...
Ali estão muitos pais ao volante, esperando que eles saiam esfuziantes e cabelos longos, soltos.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos com uniforme de sua geração.
Esses são os filhos que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias, e da ditadura das horas.
E eles crescem meio amestrados, observando e aprendendo com nossos acertos e erros.
Principalmente com os erros que esperamos que não se repitam.Há um período em que os pais vão ficando um pouco órfãos dos filhos.Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e das festas.Passou o tempo do ballet, do inglês, da natação e do judô.Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas.Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e discos ensurdecedores.
Não os levamos suficientemente ao Playcenter, ao shopping, não lhes demos suficientes hambúrgueses e refrigerantes, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado.Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.No princípio iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhos.
Sim havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de chicletes e cantorias sem fim.
Depois chegou o tempo em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma e os primeiros namorados.
Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas "pestes".
Chega o momento em que só nos resta ficar de longe torcendo e rezando muito para que eles acertem nas escolhas em busca da felicidade.
E que a conquistem do modo mais completo possível.
O jeito é esperar: qualquer hora podem nos dar netos.
O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco.
Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável carinho.
Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.
Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.
Texto extraído do CD "Crônicas Escolhidas", lidas por Paulo Autran, produzido por Luz da Cidade - Niterói, 1999
A.132.Amor e Medo - Affonso Romano Santana
"Estou te amando e não percebo, porque, certo, tenho medo. Estou te amando, sim, concedo, mas te amando tanto que nem a mim mesmo revelo este segredo. "
A.131.Amor e Morte - Affonso Romano Santana
Amar de peito aberto a morte.
Não de esguelha, de frente.
Amar a morte,
digamos,
despudoradamente.
Amá-la como se ama
uma bela mulher
e inteligente.Amá-la
diariamente
sabendo que por mais
que a amemos
ela se deitará
com uns e outros
indiferente.
A.130.Amor - O Interminável Aprendizado - Affonso Romano Santana
"Na história universal do amor,
Amou-se sempre diferentemente,
Embora parecesse ser sempre
O mesmo amor de antigamente."
Criança, ele pensava: amor, coisa que os adultos sabem. Via-os aos pares namorando nos portões enluarados se entrebuscando numa aflição feliz de mãos na folhagem das anáguas. Via-os noivos se comprometendo à luz da sala ante a família, ante as mobílias; via-os casados, um ancorado no corpo do outro, e pensava: amor, coisa-para-depois, um depois-adulto-aprendizado.
Se enganava. Se enganava porque o aprendizado de amor não tem começo nem é privilégio aos adultos reservado. Sim, o amor é um interminável aprendizado.
Por isto se enganava enquanto olhava com os colegas, de dentro dos arbustos do jardim, os casais que nos portões se amavam. Sim, se pesquisavam numa prospecção de veios e grutas, num desdobramento de noturnos mapas seguindo o astrolábio dos luares, mas nem por isto se encontravam. E quando algum amante desaparecia ou se afastava, não era porque estava saciado. Isto aprenderia depois. É que fora buscar outro amor, a busca recomeçara, pois a fome de amor não sabia nunca, como ali já não se saciara.
De fato, reparando nos vizinhos, podia observar. Mesmo os casados, atrás da aparente tranqüilidade, continuavam inquietos. Alguns eram mais indiscretos. A vizinha casada deu para namorar. Aquele que era um crente fiel, sempre na igreja, um dia jogou tudo para cima e amigou-se com uma jovem. E a mulher que morava em frente da farmácia, tão doméstica e feliz, de repente fugiu com um boêmio, largando marido e filhos.
Então, constatou, de novo se enganara. Os adultos, mesmo os casados, embora pareçam um porto onde as naus já atracaram, os adultos, mesmo os casados, que parecem arbustos cujas raízes já se entrançaram, eles também não sabem, estão no meio da viagem, e só eles sabem quantas tempestades enfrentaram e quantas vezes naufragaram.
Depois de folhear um, dez, centenas de corpos avulsos tentando o amor verbalizar, entrou numa biblioteca. Ali estavam as grandes paixões. Os poetas e novelistas deveriam saber das coisas. Julietas se debruçavam apunhaladas sobre o corpo morto dos Romeus, Tristãos e Isoldas tomavam o filtro do amor e ficavam condenados à traição daqueles que mais amavam e sem poderem realizar o amor.
O amor se procurava. E se encontrando, desesperava, se afastava, desencontrava.
Então, pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão.
O desejo é assim: quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que, de repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra a perna de uma maneira irresistivelmente feminina.
Já a paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos, fatal.
O amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte final.
Mas reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes não.
Amor às vezes coincide com o desejo, às vezes não.
Amor às vezes coincide com o casamento, às vezes não.
E mais complicado ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes não.
Absurdo. Como pode o amor não coincidir consigo mesmo? Adolescente amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a velhice, como amaria finalmente? Há um amor dos vinte, um amor dos cinqüenta e outro dos oitenta? Coisa de demente.
Não era só a estória e as estórias do seu amor. Na história universal do amor, amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de antigamente.
Estava sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava para si mesmo ensimesmado.
Não havia jeito. O amor era o mesmo e sempre diferenciado.
O amor se aprendia sempre, mas do amor não terminava nunca o aprendizado.
Optou por aceitar a sua ignorância.
Em matéria de amor, escolar, era um repetente conformado. E na escola do amor declarou-se eternamente matriculado.
Texto extraído do livro "21 Histórias de amor", Francisco Alves Editora - Rio de Janeiro, 2002, pág.11.
A.129.Amantes - Affonso Romano Santana
"Os amantes, em geral, passam noites inteiras inquietos e ansiosos - também eu. Os amantes, em geral, choram sobre as cartas, dão telefonemas aflitos - como eu. Os amantes, em geral, passam horas figurando o corpo amado, curvas, gestos, preferências - como eu. Os amantes em geral, são patetas, maus estetas, fazem versos ruins e se chamam poetas - como eu."
A.128.Amador - Affonso Romano Santana
Vejam em que me transformei
por culpa minha e da sorte:
especialista em morte alheia
e amador da própria morte.
terça-feira, 30 de junho de 2020
A.127.A Pesca - Affonso Romano Santana
O anil
o anzol
o azulo silêncio
o tempo
o peixea agulha
vertical
mergulha
a água
a linha
a espumao tempo
o peixe
o silêncioa garganta
a âncora
o peixea boca
o arranco
o rasgãoaberta a água
aberta a chaga
aberto o anzolaquelíneo
agil-claro
estabanadoo peixe
a areia
o sol
A.126.A Implosão da Mentira ou o Episódio do Riocentro - Affonso Romano Santana
Fragmento 1
Mentiram-me.Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente.
Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes.Alegremente
mentem. Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.
Mentem.
Mentem e calam. Mas suas frases
falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.
Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.
Fragmento 2
Evidente/mente a crer
nos que me mentem
uma flor nasceu em Hiroshima
e em Auschwitz havia um circo
permanente. Mentem. Mentem caricaturalmente.
Mentem como a careca
mente ao pente,
mentem como a dentadura
mente ao dente,
mentem como a carroça
à besta em frente,
mentem como a doença
ao doente,
mentem clara/mente
como o espelho transparente.
Mentem deslavadamente,
como nenhuma lavadeira mente
ao ver a nódoa sobre o linho.
Mentem
com a cara limpa e nas mãos
o sangue quente.
Mentem
ardente/mente como um doente
em seus instantes de febre.
Mentem
fabulosa/mente como o caçador que quer passar
gato por lebre.
E nessa trilha de mentiras
a caça é que caça o caçador
com a armadilha.
E assim cada qual
mente industrial? mente,
mente partidária? mente,
mente incivil? mente,
mente tropical?mente,
mente incontinente?
mente,
mente hereditária?
mente,
mente, mente, mente.
E de tanto mentir tão brava/mente
constroem um país
de mentira
-diária/mente.
Fragmento 3
Mentem no passado. E no presente
passam a mentira a limpo. E no futuro
mentem novamente.
Mentem fazendo o sol girar
em torno à terra medieval/mente.
Por isto, desta vez, não é Galileu
quem mente.
mas o tribunal que o julga
herege/mente.
Mentem como se Colombo partin-
do do Ocidente para o Oriente
pudesse descobrir de mentira
um continente. Mentem desde cabral, em calmaria,
viajando pelo avesso, iludindo a corrente
em curso, transformando a história do país
num acidente de percurso.
Fragmento 4
Tanta mentira assim industriada
me faz partir para o deserto
penitente/mente, ou me exilar
com Mozart musical/mente em harpas
e oboés, como um solista vegetal
que absorve a vida indiferente.
Penso nos animais que nunca mentem.
mesmo se têm um caçador à sua frente.
Penso nos pássaros
cuja verdade do canto nos toca
matinalmente.
Penso nas florescuja verdade das cores escorre no mel
silvestremente. Penso no sol que morre diariamente
jorrando luz, embora
tenha a noite pela frente.
Fragmento 5
Página branca onde escrevo. Único espaço
de verdade que me resta. Onde transcrevo
o arroubo, a esperança, e onde tarde
ou cedo deposito meu espanto e medo.
Para tanta mentira só mesmo um poema
explosivo-conotativo
onde o advérbio e o adjetivo não mentem
ao substantivo
e a rima rebenta a frase
numa explosão da verdade. E a mentira repulsiva
se não explode pra fora
pra dentro explode
implosiva.
A.125.Atração e Repulsão - Adelino Fontoura
Eu nada mais sonhava nem queria
Que de ti não viesse, ou não falasse;
E como a ti te amei, que alguém te amasse,
Coisa incrível até me parecia.
Uma estrela mais lúcida eu não via
Que nesta vida os passos me guiasse,
E tinha fé, cuidando que encontrasse,
Após tanta amargura, uma alegria.
Mas tão cedo extinguiste este risonho,
Este encantado e deleitoso engano,
Que o bem que achar supus, já não suponho.
Vejo, enfim, que és um peito desumano;
Se fui té junto a ti de sonho em sonho,
Voltei de desengano em desengano.
A.124.Antes de Partir - Adelino Fontoura
"Venho ensopar de lágrimas o lenço No tristíssimo adeus de despedida; Em breve a Pátria vou deixar perdida Além - na curva do horizonte imenso! Em breve sobre o mar profundo e extenso Adejará minh'alma dolorida, Como a gaivota errante, foragida, Sem ter um ninho onde pousar, suspenso! Então, senhora, hei de pensar, tristonho, Revendo a vossa angélica bondade, Neste ninho de amor calmo e risonho; E triste, sobre a triste imensidade, Como quem despertou de um ledo sonho, Hei de chorar o pranto da saudade. "
A.123.Anímico - Adélia Prado
Nasceu no meu jardim um pé de mato
que dá flor amarela.
Toda manhã vou lá pra escutar a zoeira
da insetaria na festa.
Tem zoada de todo jeito:
tem do grosso, do fino, de aprendiz e de mestre.
É pata, é asas, é boca, é bico, é grão de
poeira e pólen na fogueira do sol.
Parece que a arvorinha conversa.
A.122.A Serenata - Adélia Prado
Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mão incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natural como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que ele vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
- só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?
A.121.Auto Retrato - Adailton Medeiros
Diante do espelho grande do tempo
sinto asco
tenho ódio
descubro que não sou mais menino
Aos 50 anos (hoje - 16 / 7 / 88 (câncer) sábado - e sempre
com medo olhando para trás e para os lados)
questiono-me (lagarto sem rabo):
- como deve ser bom
nascer crescer envelhecer e morrer
Diante do espelho grande na porta
(o nascido no jirau: meu nobre catre) choro-me:
feto asno velhote pétreo ser incomunicável
sem qualquer detalhe que eu goste
(Um espermatozóide feio e raquítico)
Como nas cartas do tarô onde me leio
- eis-me aqui espelho grande quebrado ao meio
A.120.Acalanto - Ada Ciocci
Vai amado.
Busca por onde quiseres,
com quem quiseres,
como quiseres,
o prazer.
Até mesmo,
aquele prazer que um dia alguém apelidou de amor.
E,
se por acaso te cansares
e,
do compromisso que um dia nos uniu te lembrares,
se desejares,
volta.
Serei a que conforta.
Não saberás da dor,
da saudade,
das lágrimas sentidas que tua ausência causou.
A.118.A Intangível Beleza - Abgar Renaul
Saiu da mão direita de Deus e é contemporânea do Gênesis.
Seus curvos braços, feitos para fecharem-se,
ainda estão imóveis, em golfo abertos,
friamente, diante de todas as águas,
com seus peixes, suas ondas, seu sal cheio de música.
Apenas os estremece, às vezes, um ritmo de fuga ante o esplendor do fogo próximo.
Compõem sua boca as curvas do infinito e a luz,
e habitam seus olhos de maio e de distância
os vocábulos de oculto país, verdes, esveltos e evasivos.
O romper do dia espera o alvorecer dos seus pés no chão,
caem as noites e murcham os coraçõe ao esmorecer de suas pálpebras,
e as tardes refugiam-se em seus cabelos de crepúsculo.
Seu ser interior e corporal é a linfa de uma fonte ausente:
pensá-lo é escalar o vértice, regressar às origens,
ver a poesia nascendo e projetando no mundo o seu mistério.
Que gesto apartará as colunas e separará terras e águas?
Que tacto se delumbrará nos brancos astros?
Que lábio incendiará a ânfora no abismo?
(Do ninho de suas mãos obscuros pássaros cantam:
sua beleza é uma ilha de nenhum mar.)
A.119.Alegoria - Abgar Renault
Em vão busco acender um diálogo contigo:
a alma sem tom da tua boca de água e vento
despede cinza, névoa e tempo no que digo,
devolve ao chão o meu mais longo pensamento,
e entre cactos estira esse deserto ambíguo
que vem da tua altura ao vale onde me ausento,
procurando o teu verbo. O silêncio, investigo-o,
e ouço o naufrágio, o vácuo e o deperecimento.
Sonho: desces a mim de um céu de algas e rosas,
falas às minhas mãos vozes vertiginosas,
e palavras de flor no teu cabelo enastro.
Desperto: pairas ainda em silêncio e infinita:
meu ser horizontal chora treva e medita
tua distância, teu fulgor, teu ritmo de astro.
sexta-feira, 29 de maio de 2020
P.085.Por amor - Maria Thereza Neves
escalando a montanha
apagando sombras
insinuando flores
desnudando primaveras
por amor
escoltando o entardecer
afastando o tédio
extinguindo o roxo do céu
por amor
espantando o frio vazio
espalhando abraços
multiplicando beijos em sonhos
P.086.Porque chorar por um amor - Marici/Marçal
Chorar por um amor
Com certeza já choramos
Lágrimas sentidas
Por este belo amor
(Marici)
Chorar por um amor perdido,
Por uma felicidade que se foi...
Melhor sorrir para a vida,
e outro amor buscar...
(Marcial)
Outro amor buscamos
Com certeza, pois o amar.
Tem suas facetas
E uma delas é o tornar a amar
(marici)
A amar sempre vivemos,
Pois sem amar morremos...
Românticos sempre seremos...
Apaixonados estaremos..
(Marcial)
P.084.Poeta Maroto Louco - Maria Thereza Neves
louco mundo louco
como todo poeta louco
maroto
poeta louco
louco mundo louco
muito além do além
das misérias
fomes
poeta louco
louco mundo louco
aquém das memórias
gavetas
sacos de lixos
poeta louco
louco mundo louco
neste caos dos sentidos
poeta sempre maroto
louco
P.083.Procuro um amor - Vanderly Medeiros
Tenho urgência em encontrar um amor
Tenho urgência de acabar com essa carência...
Tenho urgência de um amor, seja do jeito que for,
branco, pardo amarelo
Tenho urgência de um amor, pode ser baixo,
alto, com voz de menino ou de homem maduro
Procuro um amor
Precisa ser tarado, louco, atrevido, alucinado
Precisa ter encanto, magia e meiguice no olhar
Precisa ser um cavalheiro de mandar flores
Precisa ser um playboy ou um sonhador
Quero um amor que me leve ao delírio
Que me trate como uma mulher, amada e amante
Que me trate como uma criança dengosa
Que me ponha no colo e afague meus cabelos entre beijos
Que me olhe com a ternura de um Semideus
Que me tome em seguida com a
loucura de um desvairado
Que me olhe toda a manha de
cabelos despenteada e me acha sedutora
Que me faça apaixonar e ser apaixonante
mesmo que menino ou com a idade avançada
Procuro um amor
Que esqueça o passado
Que só tenha futuro e presente
Que me deseje como jamais desejou alguém antes
Que me proteja como uma criança
carente debaixo de suas asas
Preciso urgente desse amor,
para não enlouquecer na solidão
Preciso desse amor para não perder a ilusão
Preciso desse amor para lembrar
que ainda sou ser vivente
Preciso urgente de VOCÊ!!
P.082.Piano - Maria Thereza Neves
Quero escrever sobre as teclas do piano
dar luz
alforrar as sílabas de cada nota
resgatar minha essência
algo do ser eterno
e no alento continuar vivendo.
Quero recuperar a alma
Mozart, Strauss, Bach, Beethoven ...
num fluxo de melodias constantes
suaves ou calientes
tendo a música como último abrigo
ou deixar
o piano tocar sozinho
em novas cores e timbres
em todos os espaços que ficaram vazios.
P 081.Perdi da Alma - Maria Thereza Neves
Perdi da alma
o piscar das estrelas
o verde das árvores
o colorido dos ventos
o vôo dos pássaros
as ondas do mar que espreguiçam na praia
perdi da vida dentro da vida
o amanhã do passado
que apagou o futuro
perdi o azul
do azul que florescia poemas
palavras ternas
eternas da alma perdida
perdi na ausência das estrelas
as lagrimas que não jorram
as letras destruídas
as melodias que não tocam jamais
perdi da alma
a alma que sonhava
em algum lugar do passado.
P.080.Pausas do amor - Marcial Salaverry
Sempre existe uma pausa no amor,
é preciso o fôlego renovar,
buscar mais calor,
para depois recomeçar...
Quando amamos,
queremos sempre inovar...
o jeito com que nos beijamos...
o jeito gostoso de amar...
A cada paradinha, um carinho,
um gole de vinho,
ou mesmo um licorzinho...
e no meio... sempre mais um beijinho...
Beijinho que vira beijão...
renovando a sensação,
renovando a emoção,
renovando o tesão...
É gostosa essa pausa no amor,
olhamos quem está ao lado,
sentimos aquele calor...
É bom estar apaixonado...
P.079.Perdi-me em seu corpo - Lupércio Mundim
Perdi-me em seu corpo,
entre seus carinhos,
e encontrei um novo mundo
de encantamento e de prazer.
Descobri em seus recantos
novas fórmulas para faze-la
encontrar a alegria e o gozo,
para juntos beirarmos a loucura.
Depois voltei pelo caminho,
deixando em todo seu corpo
as marcas de dezenas de beijos,
até que a paz nos invadiu de novo.
P.078.Pensamento - Lupércio Mundim
Pensei em ir embora,
sair pelo mundo afora
conhecendo outros locais
e formando novos casais.
Porque a barra está pesada,
vivo sonhando com minha amada,
sem conseguir viver a emoção
tão desejada por meu coração.
A vida assim não presta,
enquanto todos estão na festa
fico trancado em minha esperança
escutando a música e imaginando a dança.
Mas depois recuei decidido,
não adianta ficar escondido,
posso ir para a Ásia envelhecer
que não conseguirei te esquecer.
terça-feira, 26 de maio de 2020
P.077.Paixão II - Lupércio Mudim
Sou só um homem na rinha
e você é uma linda rainha,
mas minha paixão é tão forte
que apenas me deteria a morte.
Quando encontra-la afinal
todo o resto nos será banal,
em teus braços terei o que preciso
e juntos encontraremos o paraíso.
Vem, que eu te quero agora,
mais bela que a aurora,
vou te sufocar com mil beijos
e te deixar cheia de desejos.
quinta-feira, 30 de abril de 2020
P.076.Ponta dos Pés - Lucelena Maia
A música toca convidativa
Fazendo pernas se agitarem
Com sapatilhas em ponta
Caminhando leves a se expressarem.
A barra sustenta pernas em alongamento
Braços vão e voltam sem parar
Alongando musculaturas em movimentos...
Coreografia perfeita, sem o menor risco de errar.
Enquanto pernas ganham o ar
Braços interpretam o sentir
Do bailarino que dança só pra doar
Seu corpo ao que a música pretende exprimir.
P.075.Pensamentos - Lucelene Maia
Meus pensamentos se perderam em alto mar
Quando minh'alma abraçava-se ao frio e ao vento
A deriva eles rumaram sem me darem tempo
De vê-los através da neblina, fugir, a contento.
Pode ser que tenham afundado em alto mar,
Ou presos ficaram entre as rochas em silêncio
Quem sabe a tempestade os tenha libertado
Da tormenta de estarem a mim sempre presos.
As lembranças, unidas, também se foram,
Impossibilitando-me resgatar memórias
Vazia de tristeza senti no frescor da brisa
Momento de jogar âncora e desacorrentar alma
P.074.Passar a Limpo - Lucelena Maia
Depois de rascunhar, rabiscar, apagar e
Reescrever cada palavra na memória
Elas ganharam reticências e
Adendos sem entonação
Para não deformar o sentido do
Passar a limpo
Que significada
Show da vida,
Curiosidades,
Acontecimentos,
Meras lembranças,
Confidências,
Memória dos...
Segundos que correram com o vento,
Das lágrimas que encharcaram coração,
Da felicidade movida por momentos,
Do sentimento exercitando paciência,
Do peso de frases amigas na balança das decisões,
Do comportamento retratando personalidade,
Da insatisfação mergulhando em reflexões,
Das reflexões emergindo satisfação,
Do acreditar sem dúvida ou desacreditando,
Dos encontros que se tornaram desencontros,
Da preocupação que se dissolveu em resultados,
Da falta de sono por problemas infundados,
Dos segundos vividos como eternos momentos,
Do desperdício por preciosidade una,
Da ganância imortalizada pela necessidade,
Do desabafo certo em momento errado,
Dos acertos aos grandes desafios,
Da oportunidade perdida gerando experiência,
Da experiência que levou à oportunidade,
Da timidez ao receber aplausos,
Do próprio aplauso ao superar timidez,
Da felicidade que não passou de sonho,
Dos sonhos que geraram felicidade,
Enfim...
Memória dos anos
Passados a limpo
Na memória...
P.073.Paixão - Clevane Pessoa de Araujo Lopes
Ardo-me, qual um sol muito quente,
veranico de escaldar,
embora antes fosse morna
de signo lunar...
Molho-me,
chovo-me,
sinto-me desmanchada
em lágrimas, quando separada
de ti-pois és como o ar:
se me faltas, posso
diluir-me em mim...
Teu beijo me alimenta
néctar de meu Olimpo
particular.
Basta-me teu olhar
para fazer valer
meu dia a começar...
E se me abraças
viro um bebê de colo
a quem precisas ninar...
És meu complemento,
meu encantamento
e se sei que esta fase vai passar
para tornar-se Amor
ou em Nada se tornar
neste momento
o que desejo de fato
é mesmo te respirar...
P.072.Paisagem - Clevane Pessoa de Araújo Lopes
Sob as montanhas vigilantes
de verdes tons faiscantes.
Há minas de diamantes
há geodis e cristais
dizem até que há duendes e gnomos
e todos elementais.
Ao pé dessas belezas seculares,
cochila um manso lago
sem aves aos bandos, sós ou em pares
que agitem-lhe a superfície.
Diz a saga do lugar
que uma jovem apaixonada
ao saber-se preterida
pelo moço de seus sonhos,
jogou-se intimorata
do alto de uma pedra escarpada,
perfumando o ar
com seu corpo, ao flutuar.
E as águas mansas
abriram uma grande boca de renda
para receber a oferenda.
Nunca mais, no entanto,
nada, nem ninguém
foi capaz de agitá-las.
Viraram sepultura líquida
da juventude sacrificada...
P.071.Procurando a verdade - Celito Medeiros
Vem saudade e me pega
Para descobrir o que se passa
Pois já estou sem graça
Em não saber o que é isto.
Tenho um grande sentimento
Que carrego aqui por dentro
Como uma força viva.
Parece que no passado
Eu tivesse apostado
Em algo que não sei.
Vou procurar descobrir
Para voltar a sorrir
Quando tiver encontrado.
Se parecer esquisito
É como eu tenho dito
Não fico na ilusão.
O que carrego comigo
Não pode ser um castigo
Preciso de compreensão.
Coisas ruins não se procura
A princípio é só doçura
Mas transformam e enganam.
E eu não sou um piano
Que espera ser tocado
Por um mestre malvado
Saído não sei de onde.
Por isso é que procuro
Sair deste escuro
E abraçar a liberdade
Desde a tenra idade
Tenho sonhado promover
Para o mundo todo saber
Que existe vida melhor
E sabendo lidar com o pior
Encontrarei a tal verdade.
P.070.Por que a pressa - Celito Medeiros
Por que tanta pressa?
Descanse, pense
Ainda tem tempo
Calma, devagar...
Isto é loucura
Não, é devaneio
É não ter recreio
Nesta vida que passa.
Tangido pela mordaça
Ainda que impeça
O indivíduo se lança
Na pura desgraça.
Por que tanta pressa?
Olhe o sol
Aprecie as nuvens
Volte...
Pise no chão
Sinta o que toca
Segure a mão
Daquele que foge.
Por que tanta pressa?
Não fuja da vida
Para que a vida não fuja.
Se embrenhe
Suspire...
O susto que aspire
Vai logo embora
Mas você, fique!
P.069.Pobre eu não fico - Celito Medeiros
Dinheiro não traz felicidade
(Se for pouco me diz alguém)
Porém se tiver de verdade
E souber como convém
Desfrutar de tal benefício
Me diga em qual idade
Você fará melhor isso.
Poderá dele desfrutar
Mas me dê para gastar
Uma pequena fortuna
Que na idade que emplacar
Não deixo nenhuma lacuna.
Ser rico não é defeito
É isto sim uma tragédia
Achar que pobre é satisfeito
Mesmo na sua comédia.
Quem é rico que desfrute
Como melhor lhe convier
Ainda que pobre mamute
Quero comer um caviar
Não posso ser um folgado
Para um dia desfrutar
Como aquele rico danado
Que só soube me esnobar.
Deixem pra lá o dinheiro
Não traz felicidade
Burro do trambiqueiro
Que não cai na realidade.
Se der duro o ano inteiro
Terá a mesma facilidade
Deixem pra cá o dinheiro
Se for rico é perdição
Me tornarei muambeiro
Será essa minha profissão
Mas pobre e no galinheiro
Isto eu não fico não
P.068.Persistência - Celito Medeiros
Voa, não sossega
O que é isto?
E eu velado
Calado
O que vejo?
Não sou percevejo
Percebo
Vejo.
Procura uma ajuda
De onde?
Está muda.
E eu ao lado
Percebo
Não sou analista
Nem pessimista
Sou apenas eu.
E eu que faço
Dou um abraço?
Me iludo
Me satisfaço.
O que mais posso?
Posso?
Sim, acho que posso!
Não estou neste poço
Darei mais que um abraço
Serei como um osso
Não desisto
Insisto...
E consigo!
P.067.Procuro meu caminho - Vanderly Medeiros
Pelas estradas da vida eu vou
traçando metas
desviando das retas
caminhando pelas curvas incertas...
Da vida,
sentindo o ardor do sol da despedida
a chuva da desilusão
o podre da ingratidão
o pranto da devassidão
a ânsia da solidão...
Pelos caminhos traço e (des)traço
meus (des)caminhos e (des)compassos
O (des)sabor de viver sozinha
A dor do coração sem carinho
A ingratidão se estar sozinha
Pelas curvas do meu caminho
sempre só,
triste,
amarga,
desleixada,
abandonada,
desamada,
desesperançada,
angustiada...
Pelas curvas do caminho,
procuro meu ninho
meu cantinho
meu carinho
meus filhotinhos,
A razão de meu existir
A confiança do meu amanhã
A fé nos seres...
Procuro nas retas e curvas dos caminhos,
Meu desejo de viver
De não morrer ainda em vida
ansiando cada minuto pela partida...
terça-feira, 31 de março de 2020
P.066.Percorrendo Caminhos - Celito Medeiros
Vai a qualquer lugar
Desde que encante
Aquele velho berrante
Dos campos de outrora.
Assim como diz inocente
O esbranquiçado galante
Aprendiz de gente
Ao fitar a plena aurora.
Acostumado à encilha
No amargo trabalho
Procura um pequeno atalho
Em busca da maravilha!
E encontra.
E chora...
Do tenaz sol escaldante
Um brilho na nascente
Que risca pela sua espora.
E toca a vida...
Assola o malho.
Ainda que na toca
Enfureça o bravio
Agora pega o pavio
E acenda a tocha!
Nem sempre apanha...
Mas apanha o cabresto
E num curto gesto
Se vai!
Se vai levando
Assim como o passo,
distante avança (de passo em passo)
E para. (já foi longe... )
E chega!... ( finalmente!!! )
P.065.Passo a Passo - Celito Medeiros
Passa o sonho
Passa a saudade
Que não tem idade
Para azucrinar.
É pura vaidade
Querer dar o pulo
Sem tropeçar!
Passa o trem
Passa a chuva
Fico molhado
Dependurado
Não posso voltar!
Passa a dor
Passa a raiva
Começo subir.
Uma escada
Um morro
Eu não!
Não morro
Não subida
Apenas a vida
Querendo eclodir.
Passa a vida
A vida passa
E fico sem graça
Mas vou partir
Adeus trapaça
Sou eu que passo
Mas volto...
quarta-feira, 4 de março de 2020
P.064.Para mudar - Celito Medeiros
Vim para este planeta
O anterior ainda não sei
Mas, estou aqui há algum tempo
E ainda não resolvi me mudar!
Ainda estou aqui para mudar!
Vim de tão longe...
Porque gostei do povo daqui
Havia muitas recordações
Aqui deixadas quando passei
Numa aventura feliz.
Então, o povo havia mudado
O Planeta se transformado
A dominação se instalado
E o povo, sofrido e calado...
Outros indivíduos
Também se organizaram
E para aqui vieram,
Tentar mudar!
Me aliei a eles
Nesta grande missão:
“Tornar o povo livre”
De tamanha opressão.
Um dia quando tivermos
vencido
E a população em
liberdade
Voltarei para meu povo
querido
Que já deve sentir
saudade!
P.063.Para não dizer que esqueci - Celito Medeiros
Se foram
poucos os momentos
Recordo e aprovo
Pelo que passamos.
Senti o amor
Senti a graça
E vou pela vida
Se vai...
Fica a lembrança
Se me apego
Não nego, se juro
É fato.
Então venha
Revivamos o tempo
Não existe lamento
Se ainda existo.
Você é lembrança
Lembrança que trago
Que belo trago
Quando me lembro.
É sentir a tontura
Da doce aventura
Juntos tivemos.
P.062.Pagando o preço - Celito Medeiros
Olhando, estou cego...
Sentir não percebo
E o amor se evade.
E dizer que procurei...
Que mandei flores
Tolo é que fui.
Quando penso...
Não acredito
O que fazer agora?
Não adianta o lamento...
É buscar pela vida
Trazer de volta.
Se vale o preço
Calcule
Eu pago.
Já paguei por tanto...
Mas este, este
É o que vale!
P.061.Profano ser - Thais Arrighi
No profano sentido eu
Percorro os mais longos
Caminhos...
Sentindo, teu corpo...Você!
Você mistério...Saudade...Amizade
Nem mais sei o que!
Mas no sagrado e selado pacto de
Amor que fazemos...Vou te seguindo
Por entre laços...Abraços...
Envolvendo-me em teu ser...E
A minha vida sagrada sacramentada,
Na luz do teu amor já acostumada
Ilumina todo meu ser profano...
E embeleza o só seu sagrado, mas,
Liberto e maravilhoso amor que me
Oferece de maneira tão natural...O
Só meu profano eu e sagrado amor
Você...
P.060.Posse - Thais Arrighi
Ah!...
Você chegou
Tomou posse do meu coração
De todo o meu eu
Pensante...
Vazante...Irreal...Virtual
Vem...
Desvenda meus segredos
Faz meu amor um carinho...
Toque-me devagarzinho
Do jeito que sabe me amar
Mas não opõe resistência
E deixa-me te abraçar!
Igual ao mar quando
Abraça a areia
Levando e trazendo
A espuma de sal
O sal do desejo
Com seu sabor
Seu cheiro de amor!
Do ir e vir
Tal qual o mar
Abraçando a areia
Beijando-a com amor
Assim como eu a ti
Vem meu amor! traz
Para mim os teus braços
Tal qual o mar
Abraçando a areia...
No vai e vem do meu
Amor...
P.059.Pensando - Thais Arrighi
Como esquecer você
Se ainda vive presente
Em mim!
Para te esquecer
Tenho que nunca mais
Olhar para o céu
Não lembrar do mar
Não ter mais a sua atenção
O seu sorriso
O seu jeito próprio de ser
Abandonar minhas ilusões
Seria muito fácil te esquecer
Bastaria não mais olhar
Ao meu redor...
Voltar para dentro das ruínas
Do meu coração...Simplesmente
Esquecer de mim!
E não querer de mais nada lembrar
Mas...O que eu faria...
Passaria o tempo...Ao ver pela minha
Vidraça, as gotas mágicas de uma...
Triste e fria chuva
Em uma noite qualquer
A te chamar!...Vem...
P.058.Paixão - Thais Arrighi
Paixão...Pura emoção
Pouca devoção
Uma ação
Difícil de achar solução
Nada fácil
Pois são coisas do coração
Coração insensato
Sentimento abstrato
Que maltrata o pensamento
Que faz morrer a saudade
Por vezes leva a loucuras
Adormece a alma
Agita o viver
Queima como fogo
Fecha os olhos pra valer!
Mas teima no querer
Do nada pra saber
Vive a alma ferindo
Como espinhos da roseira
E explode no peito
A emoção do viver
Acorrentado peito e alma
Atrelado ao coração
Ardente
Carente
Mas eternamente
Apaixonado...
Vai batendo um coração!
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