segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

S.156.Sonetos Antigos (1923) - Abgar Renault


I

A que amostraes nos olhos & no rosto
Maga expressão serena de tristeza,
Porque nada he de falso, ou de supposto,
De alto quebranto augmenta essa belleza.

Essa que em vosso todo tendes posto
Tam descuydosa & candida simpleza,
A meu olhar o ser vos tem composto
De outra que não humana natureza.

Respeito disso he que, senhora, o aspeito,
Tanto que a vós vos vi, tive mudado,
E o juyzo a se perder num só sujeito:

Que he o temor de querer o vosso agrado
Quem, de rudo, de mau, & de imperfeito,
Nem sequer vos merece ter fitado.

II

Co a estulticia do Amor desavisado,
Que assi me punge & asi me faz penar,
He força, alfim, por mal de meu pecado,
Não vos deixeis, Senhora, quebrantar.

He que, pezar de mi, o meu cuydado
por de tanta belleza me esquivar
Mal seguro fraqueja incontentado
Ante a brandura desse vosso olhar.

Mostrae a mi o aspeito rudo & forte;
Alheiae-vos, Senhora, á minha dor,
E tomae tento, que, mercê da Sorte,

Entregue a seu talante & desfavor,
Mais facil he vencer a Vida, & a Morte
Que hum'alma & hum coração em seu Amor.

III

Em vam apuro a minha fortitude,
Senhora, por vencer o meu Amor.
Debalde o vosso olhar, que assi me illude,
Ao meu denega o bem de seu fulgor.

Que quanto mais de vós se desilude
Meu tino vam, mais eu chego a suppor
Que tal fereza hum dia se desmude,
E que peneis tambem da mesma dor.

Mas he sem cura o mal que anda a pungir-me:
Que, si agora padece este meu ser,
Porque eu vos vejo contra mi tam firme,

O dano de querer-vos sem vos ter,
Em vos sentindo minha, ha de ferir-me
O mal de ter-vos sem vos merecer.

IV

Essa vossa serena fermosura,
Que as mostras vos empresta de huma santa,
Tanto mais a frieza vossa apura
Quanto mais a minh'alma prende & encanta.

Mostraes vossa esquivança em tal ventura,
Co hum riso feito de belleza tanta,
Que já não sabe alfim minha tristura
Se esse desdém se augmenta ou se aquebranta.

De tal sorte esquivaes, gentil Senhora,
O meu Amor, de guisa tal tecendo,
E destecendo a trama deste engano,

Que, se hei perdido huma esperança agora,
Outra virá bem cedo apparecendo,
Pera asinha volver-se em desengano.

V

Gran segurança eu hei de que a alegria,
Que fulge em vossa linda face mansa,
E em toda essa esvelteza se atavia,
Só nasce do meu mal, que já me cansa.

E bem sabeis, Senhora, que a esquivança
Com que a mi me mataes, dia por dia,
Só serve de avivar minha esperança,
Se a mais leve ilusão me caricia.

Aquebrantae alfim vosso desprezo,
Vós que tam pura sois, & tam benina;
Trazei-me hum bem, Senhora, que me alente.

Que eu não sei de tarefa de mór peso
Que essa de, com o dano da ruina,
Tentar mover huma alma indifferente.

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