segunda-feira, 30 de abril de 2018

Crônica.O.008.O destino de cada um - Vilma Galvão



Passamos por momentos
de plena felicidade em nossa vida.
Momentos estes que nos marcam
de uma forma surpreendente.
Nos transformam, nos comovem,
nos ensinam e muitas vezes,
nos machucam profundamente.

As pessoas que entram em nossa vida,
sempre entram por alguma razão,
algum propósito.
Elas nos encontram ou nós as encontramos
meio que sem querer, não há programação da hora
em que encontraremos estas pessoas.

Assim, tudo o que podemos pensar
é que existe um destino,
em que cada um encontra aquilo
que é importante para si mesmo.
Ainda que a pessoa que entrou em nossa vida,
aparentemente, não nos ofereça nada,
mas ela não entrou por acaso,
não está passando por nós apenas por passar.
O universo inteiro conspira
para que as pessoas se encontrem
e resgatem algo com as outras.

Discutir o que cada um nos trará,
não nos mostrará nada,
e ainda nos fará perder tempo demais
desperdiçando a oportunidade
de conhecer a alma dessas pessoas.
Conhecer a alma,
significa conhecer o que as pessoas sentem
o que elas realmente desejam de nós,
ou o que elas buscam no mundo,
pois só assim é que poderemos
tê-las por inteira em nossa vida.

A amizade é algo que importa muito
na vida do ser humano.
Sem esse vínculo nós não teremos harmonia e nem paz.
Precisamos de amigos para nos ensinar,
compartilhar, nos conduzir nos alegrar
e também para cumprirmos nossa maior missão na terra:
Amar ao seu próximo como ama a si mesmo
E para que isso aconteça,
é preciso nos aceitar em primeiro lugar,
e depois olharmos para o próximo
e enxergarmos o nosso reflexo.

Estas pessoas entram na nossa vida,
às vezes de maneira tão estranha,
que nos intrigam até.
Mas cada uma delas é especial,
mesmo que o momento seja breve,
com certeza elas deixarão alguma coisa para nós.

Observe a sua vida,
comece a recordar todas as pessoas
que já passaram por você,
e o que cada uma deixou.
Você estará buscando a sua própria identidade,
que foi sendo construída aos poucos,
de momentos que aconteceram na sua vida,
e que até hoje interferem em seu caminho.

Aproveite para conquistar uma pessoa a cada dia,
dar a elas a sua maior atenção,
e fazer com que você também
seja algo muito importante na vida destas pessoas.

Quando sentir que alguém não lhe agrada,
de uma segunda chance de conhecê-lo melhor,
você poderá ter muitas surpresas
cedendo mais uma oportunidade.

Quando sentir que alguém é especial para você,
diga a ele o que sente,
e terá feito um momento de felicidade
na vida de alguém.

Não deixe para fazer as coisas amanhã,
poderá ser tarde demais.
Faça hoje tudo o que tiver vontade.
Abrace o seu amigo,
os seus irmãos,
os seus filhos.
Dê um sorriso para todos,
até ao seu inimigo.

Se estiver amando,
ame pra valer,
procure viver cada minuto deste amor,
sem medir esforços.

Sinta-se alegre todas manhãs,
mesmo que o dia não prometa nada de novo.

Planeje o seu destino!
Sopre aos ventos os seus sonhos,
eles irão se espalhar pelos ares
e voltar a você em forma de realidade.

Preste bastante atenção em todas as pessoas,
elas poderão estar trazendo
a sua tão esperada FELICIDADE.

Crônica.O.007.O prazer da escrita - Antonio Junior de Barcelona


É uma das escritoras mais célebres do mundo, combativa e versátil: Doris Lessing. O baiano Antonio Júnior conta como em 1998 fez faxina durante algumas horas em sua casa lúdica e foi personagem de um diálogo sábio.
A companheira de habitação, Rute M., uma bela jovem do Sul, faz faxinas em velhas casas vitorianas para pagar seus estudos de inglês em Londres. É um trabalho duro, que inclue passar o aspirador em toda a casa, tirar as folhas secas das varandas, esfregar azulejos e vidros de janelas, deixar banheiros brilhantes e inclusive lavar copos e pratos em pias sempre cheias - os senhores do "primeiro mundo" não primam exatamente pela boa educação higiênica. O sub-ofício apenas feito por imigrantes ilegais tem vantagens: é bem remunerado, leva um máximo de três horas a semana por residência e os proprietários raramente estão presentes, deixando delicadamente um sanduíche frio e o pagamento do dia num envelope. Quando Rute gripou fortemente num inverno impiedoso - ou teria ido passar uns dias em Gales com o namorado escocês? -, pediu a amigos que substituise-a na sua humilde faina. Repartindo a clientela, fiquei com uma casa típica de tijolinhos aparentes num bonito subúrbio. Sabia que vivia ali uma idosa senhora solitária, visitada raramente por um filho cinquentão, e que possivelmente seria escritora. Rute trocara poucas palavras com ela e advertiu-me sobre o maior problema do serviço: livros espalhados por todos os lados como insetos vivos, e a "escritora" não permitia tocá-los nem para tirar o pó. Imaginei uma dessas escritoras românticas fracassadas, tipicamente inglesas e neuróticas. Nem ousei pensar que poderia ser Iris Murdoch ou Muriel Spark, seria como estar na intimidade com Raquel de Queiróz ou Zélia Gattai. Ao tocar a campainha às nove da manhã, coberto por uma névoa gélida que atravessava o meu gorro e o casaco de pele e o forro de lã de carneiro, reconheci imediatamente o par de olhos verdes surgidos pela porta semi-aberta. "Miss Lessing? Sou o amigo de Rute M. Ela está enferma e eu vim fazer o seu serviço". "Pobrezinha. O que tem? Não é nada sério, não?". "Uma gripe", respondi possivelmente pálido, disposto a beijar as mãos daquela mulher de olhos profundos e rosto costurado de rugas. "Como sabe que me chamo Miss...Lessing?", desconfiou. "A correspondência...", menti apontando cartas e jornais no chão. Ela sorriu, cortês, e abriu a porta totalmente. Ao voltar-me as costas, aproveitei para observá-la atentamente: o cabelo grisalho quase naturalmente azulado, em coque, o colete azul elegante e um macacão branco masculino. Aos 79 anos, esta mulher versátil e imaginativa que mais parece uma avózinha de contos de fadas, um pouco gorda, é uma das escritoras mais celébres do mundo e seu nome é sempre referencial para Prêmio Nobel.

A sua novela mais famosa, a quase auto-biográfica O Carnê Dourado (1962), é um êxito mundial, inclusive no Brasil. Lembro quando a Stela Simpson de Tonia Carrero em Água Viva brilhava numa cena lendo-o. Nascida na Pérsia, criada na antiga Rodésia, hoje Zimbabue, é conhecida como uma escritora realista, embora seja autora de cinco novelas de ficção-cientifíca (o ciclo Canopus in Argus Archives). Escreve com segurança e talento sobre o desmoronamento familiar moderno, a permanante crise sentimental e a competição entre casais, além de retratar a mulher dos nossos dias com lucidez e ferocidade. Perguntou se eu queria tomar algo. Não respondi hipnotizado com a escada que levava ao primeiro andar cheia de caixas de livros, e ao entrar na cozinha e no salão de baixo, não acreditei no número de livros desordenados. "Gosta de doce de gengibre?", perguntou afetuosa. Disse que sim, mas preferia começar o trabalho, e que ela não se preocupasse, Rute havia me explicado detalhadamente tudo. Ela sorriu, sorria sempre, e desapareceu escada acima. Limpei toda a parte de baixo por quase uma hora e, ao esfregar os vidros, avistei o jardim selvagem, tomado pelas plantas. O silêncio era completo, não ouvia-se música nem ruídos de passos ou mesmo de uma televisão. Subi as escadas de madeira escura e deparei-me com uma sala com poucos móveis: uma grande mesa sobrecarregada de livros e papéis, almofadas orientais espalhadas pelo chão, alguns pufes e um sofá baixíssimo, sem pés - como uma morada de espírito hippie.Um gato grande e velhíssimo saltou de um livro onde dormia - Satyricon de Petrônio - e notei que tinha somente três patas. Doris Lessing, praticamente imóvel, escrevia a mão sentada numa das almofadas. Ela virou-se para mim e disse: "Este é O Magnifíco. Tem 18 anos e teve um pata amputada porque tinha câncer. Está muito velho, pobrezinho". O gato olhou para mim bastante indiferente e aconchegou-se em cima de outro livro. Poderia ser o gato existencialista da atriz de Horas Nuas de Lygia Fagundes Telles. Tudo para mim era novo, não sabia se me surpreendia mais com a vastidão de livros em vários idiomas, o gato de três patas ou a ágil senhora sentada numa almofada como uma adolescente. Ao levantar-se, sussurrou:"Isto é a velhice. Entende? A velhice é a dificuldade para levantar-se". Iniciei o trabalho enquanto ela mexia em papéis, antes perguntando outra vez se eu não queria tomar algo. Quando a cada minuto voltava-me para olhá-la, os seus olhos levantavam telepáticamente e encontravam os meus. Sorriu uns minutos depois e perguntou:"Como se chama?". "Antonio", respondi sem deixar de tirar o pó dos objetos. "Antonio, você gosta de livros, não?". "Muitíssimo". Ela sorriu e depois de uma pausa demorada, continuou a conversa: "Você chora normalmente?". "Somente no cinema". "Eu também nunca choro. É horrível". "Como joga fora os seus medos?", ousei saber. "Através da literatura. Uma vez passei um ano inteiro sem escrever e vivia de mal humor. A escrita é uma espécie de equilíbrio". Olhei os seus pequenos e intensos olhos verdes e vi a infância dura numa antiga colônia britânica sulafricana, num sítio espaçoso nas montanhas, e depois a fuga aos 14 anos e o casamento aos 18; logo abandonou o marido e os dois filhos, enfrentando o regime racista e machista da colônia.

Uma heroína de filmes de aventura. Uma mulher poderosa e lúcida, de prosa perfeita e caráter fortíssimo, que cultiva a literatura como espaço de domínio e liberdade pessoal. Ao terminar o trabalho, que gostaria que fosse interminável, aceitei o chá e o doce de jenjibre. Boa anfitriã, ela sentou-se ao meu lado na mesa da cozinha, colocando a chaleira, as xícaras e o doce entre livros. Ela sorria sempre - lembrarei dela eternamente sorrindo. "Escrevo também. Sou um aprendiz", confessei. "Imaginei". "Não consegui nenhum êxito", afirmei."
Cada livro tem sua própria vida. Todos os livros tem que a lutar a princípio contra a negatividade e a indiferença. A maioria de meus livros recebem violentas reações negativas. Na verdade não é importante que a gente goste deles, o importante é o prazer de escrevê-los". Foi uma conversação delicada, cheio de evidentes e mútuos desejos de nos entendermos. Ao final, Miss Lessing me presenteou com um livro - A Proper Marriage (Um casamento convencional, 1964) - e insistiu que levasse um pedaço de doce de gengibre para Rute M. Não tive coragem de beijá-la, um abismo transparente e sagrado nos separava. "É preciso sobreviver às piores circunstâncias, meu caro amigo", aconselhou, sábia, enquanto me entregava o envelope com o pagamento da faxina. Não o aceitei, ela insistiu, não o quiz de forma nenhuma. Enfrentei a rua insultada pelo inverno rigoroso, em direção a estação de trem. As lágrimas corriam pela face, e na cabeça: o prazer da escrita, as alegrias intensas e a excitação de conhecer uma criatura resistente e indômita.

Crônica.O.006.O que trazemos e o que levamos - Osho


Você vem ao mundo sem coisa alguma. Assim, uma coisa é certa: nada lhe pertence. Você vem absolutamente despido, porém com ilusões. É por isso que toda criança nasce com as mãos fechadas, cerradas, acreditando que está trazendo tesouros - e aqueles punhos estão vazios. E todos morrem com as mãos abertas. Tente morrer com as mãos cerradas - até o momento ninguém conseguiu. Ou tente nascer com as mãos abertas - ninguém conseguiu também. A criança nasce com as mãos fechadas, com a ilusão de que está trazendo tesouros ao mundo, mas não há nada nas mãos. Nada lhe pertence, então você está preocupado com qual insegurança? Nada pode ser roubado, nada pode ser tirado de você. Tudo o que você está usando pertence ao mundo. E um dia você terá que deixar tudo aqui. Você não será capaz de levar coisa alguma com você. Será que estou no caminho certo? As indicações de que você está no caminho certo são muito simples: a)-Suas tensões começam a desaparecer. b)-Você fica mais e mais senhor de si. Mais e mais calmo. c)-Encontrará beleza em coisas que jamais concebeu pudessem ser belas. d)-As menores coisas começarão a ter imenso significado. e)-O mundo inteiro se tornará mais e mais misterioso a cada dia. f)-Você se tornará menos e menos culto e mais e mais inocente - como uma criança correndo atrás de borboletas, ou pegando conchas do mar numa praia. g)-Você sentirá a vida não como um problema, mas como uma dádiva, uma benção, uma graça. Essas indicações crescerão continuamente se você estiver na pista certa. Se estiver na pista errada, acontecerá exatamente o oposto.

Crônica.O.005.O Amor - Luiz Fernando Verissímo



- Quando você está solteiro e vê um casal aos beijos e abraços no meio da rua você sente a maior inveja; - Você já se pegou escrevendo o seu nome e o da pessoa pelo qual você está apaixonada no espelho embaçado do banheiro, ou num pedacinho de papel; - Você já se viu cantando o mantra "Toca telefone toca" em alguma das sextas-feiras de sua vida, ou qualquer outro dia que seja; - Você já enfiou os pés pelas mãos alguma vez na vida e se atirou de cabeça numa "relação" sem nem perceber que você mal conhecia a outra pessoa e que com este seu jeito de agir ela te acharia um tremendo louco; - Você, assim como nos contos de fada, sonha em escutar um dia o tal "E foram felizes para sempre" Bem , preciso continuar? Ok, acho que não... Negue o quanto quiser, mas sei que já passou por isso, e se não passou, não sabe o quanto está perdendo.... "O problema de resistir a uma tentação é que você pode não ter uma segunda chance" "Falo a língua dos loucos, porque não conheço a mórbida coerência dos lúcidos."

Crônica.O.004.O Grito - Bruno Kampel



Penélope pulou da cama com a impaciência impondo-lhe o ritmo. A despeito da tremedeira incontrolável que dominava cada um dos músculos do seu corpo, e do receio insuportável que ocupava cada um dos seus sentidos, trotou alucinadamente até o outro lado do quarto, onde se encontrava o armário. Decidida a elucidar o grande mistério que a atormentava, posicionou-se frente ao guarda-roupa, ao mesmo tempo em que fechava os olhos, cumprindo à risca a primeira etapa do plano que traçara enquanto tratava infrutiferamente de reconquistar a calma e afundar no sono, e abriu-lhe a porta com a urgência inerente àqueles que, por razões de variada e quase sempre desconhecida origem, necessitam constatar questões de vida ou morte, assuntos inadiáveis, situações intransferíveis, ou decisões irreversíveis. Quando Penélope considerou que estava bem posicionada em relação ao espelho - o qual ocupava toda a parte interior da porta esquerda - decidiu dar o grande e temido passo, e numa lentidão que lembrava muito a letárgica sinuosidade do caracol - talvez porque na verdade o que ela realmente desejasse fosse adiar "sine die" a chegada do momento crucial - foi entreabrindo os olhos até que estes ficaram literalmente desorbitados, e então, ao focalizar a vista na imagem refletida no espelho, suas pobres e enfraquecidas pernas, contrariando todos os prognósticos médicos, conseguiram sustentar o peso da enorme aflição que a invadira, pois o recado que o espelho lhe mandava era claríssimo e confirmava que seus temores tinham fundamento, pois o pesadelo ainda continuava. Sim. O espelho, certamente em conluio com seus dramas mais profundos, devolvia-lhe como única resposta à sua presença frente a ele, tão somente a imagem bem delineada do perfil nada apolíneo de um patético grito de dor pungente, o qual, numa atitude abertamente provocativa, caçoava dos olhos febris que o seguiam, galopando pela superfície do cristal, indo e vindo, sem pressa nem rumo, emitindo essa bem conhecida e repulsiva sonoridade - dilacerante e arrítmica - que apenas os silêncios mais profundos sabem executar com mestria. Ante a constatação de que o desespero sem freio ainda era dono e senhor do seu destino, Penélope foi invadida por uma sensação de impotência que não lhe era estranha, e que, como em outras tantas e tantas vezes, tomou conta de cada canto dos seus olhos, imprimindo neles uma opacidade monocromática e assustadora, transformando-os outra vez em fiéis depositários do pânico sem fronteiras.

Sim. Penélope, cativa do pavor irracional que o grito lhe inspirava - e ainda pior, consciente de que seria a vítima e não a heroína do último capítulo da novela da sua vida - entreviu com o rabo dos olhos como a perplexidade, recém parida pelo estupor que a dominava, somava-se ao monólogo em preto-e-branco que desde o espelho o grito desafinadamente declamava.

Quase vencida, e convencida da certeza da derrota iminente, Penélope escorregou para fora de si mesma e caiu no pântano da mais profunda insanidade, enquanto a penumbra circundante começava a empapar-se com lágrimas de dor insuportável, e o grito intolerante, exigindo o protagonismo que julgava merecer, respondia sem mais delongas, solfejando um desespero nu e cru que até então escondia no fundo da cartola, começando a delirar um discurso gutural que não deixava a menor margem para dúvidas quanto ao final previsto dessa luta desigual e sem quartel, entre Penélope e seus fantasmas. As lágrimas de fel - elaboradas com a mais pura, cristalina e legítima angústia existencial - iniciaram uma corrida cega e sem freio pela escorregadia pendente vertical em que se havia transformado a sua face, e o grito infame, para não fazer por menos, cuspia desde o espelho o seu doloroso lacrimejar de vidro e raiva, enquanto a desesperança, atônita ante a cena que presenciava, oficiava a cerimônia nupcial que unia para todo o sempre a loucura e o abismo. A madrugada, que naquela hora por ali passava, fazia de conta que nada disso era com ela, espiando pela janela sem se dar por aludida. Penélope então, num último e desesperado intento de autodefesa, tratou de fechar os olhos usando as poucas forças que ainda lhe restavam, procurando com tal gesto escapar da cilada que a vida lhe havia tendido, mas para não fugir à regra que rege as circunstâncias de todas as tragédias, quando o tentou já era tarde demais, pois o grito indigno - num salto acrobático - alcançou-lhe a garganta e lá instalou-se soberano, rasgando em pedaços mil gemidos sem sentido, cujos restos sonoros macularam para sempre o silêncio asséptico do amanhecer no quarto 22 da clínica psiquiátrica. Penélope morreu gritando - uma morte totalmente afônica - e como é de praxe em todos os crimes que pretendem ser perfeitos, as impressões digitais do grito assassino esvaíram-se silenciosamente, instalando no ar o tão conhecido e habitual eco da impunidade, ao passo que o amanhecer, cumprindo fielmente o seu horário de funcionamento, espreguiçava-se despreocupadamente senconstado na janela do quarto, e a enfermeira de turno, alheia a todos os dramas que não fossem os próprios, ordenava à arrumadeira que trocasse os lençóis, na expectativa da chegada de um novo paciente.

" Quem é que nunca teve um Marcelo, um Felipe, um Ricardo, um Júlio ou um Alexandre na vida? Tudo bem, pode ser uma Júlia, uma Ana, uma Patrícia ou uma Aline... Paquerar é bom, mas chega uma hora que cansa! Cansa na hora que você percebe que ter 10 pessoas ao mesmo tempo é o mesmo que não ter nenhuma, e ter apenas uma, é o mesmo que possuir 10 ao mesmo tempo! A ""fila"" anda, a coleção de ""figurinhas"" cresce, a conta de telefone é sempre altíssima. Mas e aí? O que isso te acrescenta? Nessas horas sempre surge aquela tradicional perguntinha: Por que aquela pessoa pela qual você trocaria qualquer programa por um simples filme com pipoca abraçadinho no sofá da sala não despenca logo na sua vida??? Se o tal ""amor"" é impontual e imprevisível que se dane! Não adianta: as pessoas são impacientes! São e sempre vão ser! Tem gente que diz que não é... ""Eu não sou ansioso, as coisas acontecem quando tem que acontecer."" Mentira! Por dentro todo ser humano é igual: impaciente, sonhador, iludido... Jura de pé junto que não, mas vive sempre em busca da famosa cara metade! Pode dar o nome que quiser : amor, alma gêmea, par perfeito, a outra metade da laranja... No fim dá tudo no mesmo. Pode soar brega, cafona... Mas é a realidade. Inclusive o assunto ""amor"" é sempre cafonérrimo. Acredito que o status de cafona surgiu porque a grande maioria das pessoas nunca teve a oportunidade de viver um grande amor. Poucas pessoas experimentaram nesta vida a sensação de sonhar acordada, de dormir do lado do telefone, de ter os olhos brilhando, de desfilar com aquele sorriso de borboleta azul estampado no rosto... Não lembro se foi o ""Wando"" ou se foi o ""Reginaldo Rossi"" que disse em uma entrevista que se a Marisa Monte não tivesse optado pelo ""Amor I love you"" e que se o Caetano não tivesse dito ""Tô me sentindo muito sozinho.."" eles não venderiam mais nenhum disco. Não adianta, o público gosta e vibra com o ""brega"". Não adianta tapar o sol com a peneira. Por mais que você não admita: - Você ficou triste porque o Leonardo di Caprio morreu em Titanic"" e ficou feliz porque a Julia Roberts e o Richard Gere acabaram juntos em ""Uma Linda Mulher""... - Existe pelo menos uma música sertaneja ou um pagodinho"" que te deixe com dor de cotovelo; "

Crônica.O.003.Os cavaleiros do apocalipse - Arnaldo Jabor


O sonho acabou. Adeus às ilusões. Good bye, globalização, esperança liberal, abertura de mercados, razão ocidental e utopias tecnológicas. O mundo vai mudar muito. Já estão aí os quatro cavaleiros do apocalipse, com suas bestas galopando para o Juízo Final: Osama, Saddam, Kim Jong II e, claro, Bush. Parece misticismo, loucura holística, mas eu estava nos USA quando senti que a barra ia pesar. Foi quando aconteceu aquela “comidinha” noturna de Clinton na Monica Lewinsky. Senti um arrepio quando vi que o presidente dos anos 60, o babyboomer que ria e seduzia o mundo, tinha pisado na bola. E aí, começou a vingança da direita cristã republicana, os horrendos seres góticos que são a banda podre dos USA, e que desde 91 tinham planos imperiais e ficaram desesperados quando o Clinton expeliu papai Bush do poder. Tudo começou com o espantoso ataque de Kenneth Starr, o procurador de enrustida sexualidade que dedicou sua vida a destruir Clinton, o “pecador” amante de Monica, filha de republicanos que morava no edifício Watergate, com sua “caixinha” de Pandora, de onde começaram a surgir os males do mundo atual, como uma ejaculação maldita. A sexualidade foi o ponto de partida. Depois, tivemos a fraude eleitoral e, em seguida, o 11 de setembro, legitimando tudo. E agora temos essa guerra anunciada, que vai se passar exatamente entre os rios Tigre e Eufrates, na Mesopotâmia, onde nasceu a civilização há oito mil anos. Será que vamos morrer onde nascemos? Pois, trata-se de uma batalha entre dois deuses: fanáticos do Alcorão contra fanáticos da Bíblia, os dois lados possuídos de raios e relâmpagos e adoradores da morte, da castidade e da ausência de prazer. Bush reza com assessores antes de despachar, como o Osama no deserto, que, aliás, é uma espécie de aliado do Bush. Osama criou Bush, estimulou-o, foi o Viagra que o tornou potente, fez dele um lugar-tenente para destruir tudo que o Ocidente criou no século XX, tudo que aprendemos na luta contra o nazi-fascismo, contra o stalinismo, tudo que foi conquista democrática, valores ecológicos, sexuais, raciais. Osama talvez seja o maior estrategista da História: sozinho, desestabilizou o planeta, usando as armas do inimigo e fazendo seu líder obedecê-lo como um robô idiota e desengonçado. Há algo de conjunção astral maligna, algo que talvez se tenha sentido nos anos 30, quando Hitler crescia. Osama fez o inconsciente bárbaro irromper de novo entre nós. A partir de agora, sob o comando de Bush, só vamos errar. Há períodos históricos em que parecemos precisar da morte. Surge uma fome de irracionalismo, como que uma libertação burra e animal dos freios da civilização.

É como se o Bush e sua turma apavorante dissessem: “Chega de frescuras de democracia, tolerância, bom senso europeu, cultura, arte... Chega de veadagens! Vamos botar pra quebrar!” Goya fez gravuras de guerra com o nome “Tristes pressentimentos do que há de
acontecer”. Na minha mediocridade, também arrisco profecias: acho que nosso
futuro vai ser um passado. O futuro para o Bush é o passado: “gimme that old time religion!”, como cantam os fanáticos. Bush é a vitória de “Forrest Gump”, a vitória do estudante fracassado, coisa de que ele se vangloria. Bush vai dividir a Europa e a Otan. Bush odeia a inteligência e só valoriza a força militar. “Dane-se o saber e a tradição dos europeus: quantas divisões eles têm?” — parece perguntar, com sua boquinha de desprezo por todos nós. Bush vai desmoralizar a ONU, esse “antro” de democracia, onde todos os países seriam “iguais”. Bush tem o entusiasmo funéreo do paranóico no poder. Quanto mais for odiado, mais se sentirá certo. Bush não confia a longo prazo na Arábia Saudita; quer se instalar para sempre sobre o mar negro de petróleo, e controlar o Oriente de dentro. Isso provocará um estado de guerra permanente, pois sabemos da obstinação islâmica para a vingança fria. Nascerão exércitos de novos homens-bomba. Milhares de atentados acontecerão. Aumentará muito mais a insegurança da América e da Europa. Meu pavor maior é que haja o surgimento de uma “cultura da morte”, uma cultura de eterna paranóia que justifique uma fascistização institucionalizada nos USA. Tenho muito medo que Bush consiga neutralizar e paralisar para sempre a reação dos democratas americanos, que ele consiga estruturar uma cultura bélica e estúpida, uma cultura do medo, que será sempre realimentada por filhos e netos de Osamas e Saddans... para sempre. O grande perigo é nascer uma cultura tecnológica, fria e puritana, “científica” e cristã, pragmática e mística, com um fundamentalismo que acabe de vez com a odiosa “complexidade” democrática da “boa” América. E tem mais: Bush ou um de seus filhos de guerra, um dia, ainda vai realizar o desejo da bomba nuclear, nem que seja apenas contra algum país “patife”. O grande desejo da cultura da morte é a raspagem, a limpeza higiênica dos detergentes. Bush vai lavar mais branco, como Truman fez em 45 em Hiroshima. Bush vai instalar no mundo a cultura da guerra, do puro poder das armas. Já está se preparando para seus novos inimigos, esses, sim, muito mais perigosos que terroristas barbudos. Bush já vai titilar a China para o grande duelo que um dia virá. Bush vai inaugurar uma política comercial com força militar.

Crônica.O.002.Oficina de "Escritor" - Ângelo Rodrigues



Alguém me perguntou: «então como vai a sua “oficina de escritor”?»
Achei piada. Cá vai a resposta possível.
A minha oficina de “escritor” está muito desarrumada. Quantas vezes tentei pôr tudo em ordem e nada – a preguiça fala sempre mais forte e abafa a voz da vontade e até da paixão. Costuma-se dizer que “de promessas está o Inferno cheio”. Parafraseando este provérbio, diria: de projectos está o dito a abarrotar; contudo, é minha intenção, até ao final do milénio (fica bem falar nisto agora - dá um ar místico à coisa), fazer algumas “coisinhas” de índole literária e afim, isto é, sem compromisso para ninguém e no âmbito da minha actividade secundária ou talvez quaternária (editor), tenciono continuar a revelar novos valores da literatura (sabe-se lá o que é isso!) e dar-lhes voz através da edição dos seus trabalhos, a organizar sessões de apresentação de livros e, vamos ver, talvez consiga dar forma ao novo projecto do CD de Poesia «Aventuras Poemáticas» - 30 “poetas” portugueses ditos pelos Jograis Orpheu (de Lisboa) de que faço parte e com produção minha. Certo é, a próxima edição de mais um volume da antologia POIESIS (cerca de 100 autores portugueses) e a edição de mais duas ou três colectâneas de poesia, prosa-poética e conto. Bem, no meu caso, isto é, só e apenas enquanto “escritor” ou poeta e sem arrogâncias nem pretensiosismos, gostaria de dar alguma ordem ao computador imprimindo os ficheiros espalhados por tudo quanto é sítio e organizar uma colectânea dos meus (assumidos) minimalistas escritos inéditos sobre tudo e sobre nada (é de gritos escrever sobre o Nada!) e que abarcam todos os estilos: aforismo, poesia, crónica, diário, conto, ensaio, filosofia, verborreia (este estilo que é muito meu, é mais utilizado quando chamo – com frequência - nomes feios ao Ministério da Educação – esta está pela hora da morte – ser professor é algo de heróico – se perguntarem porquê, eu explico – (de preferência pelo telefone).
Aproveito esta interessante oportunidade para vos apresentar o meu outro Eu: esse mesmo, o MIGUEL D’HERA (“artista plástico”- colagista), é alguém que usa apenas o meu corpo mas que tem outra alma – podia até falar um pouco de metempsicose, reencarnação e tal, mas... fica para outra altura – este outro que também sou eu, dedica-se também às Artes Plásticas e está sempre a dizer que vai realizar em breve uma exposição individual (colagens em cartolina e tela) que tenciona fazer circular um pouco por todo o país – até lá, e enquanto membro-criativo da Associação de Artistas Plásticos do concelho de Almada – IMARGEM, vai expondo colectivamente. Para não me alongar mais, direi: as minha colagens, perdão, as colagens do Miguel D’Hera, são “pura” poesia. Um dia, se estiverem a fim, explico-vos isto.
Talvez seja disparatado dizer-se – por esta via - que estamos a escrever um romance – um romance é realmente coisa séria e, com 35 invernos em cima da alma, talvez seja pretensioso querer escrever um romance. Meu d(eus)!, há tantos romances!, o problema é encontrar um BOM romance. Bem, se me deixar destas tretas e for sincero, direi que várias vezes olhei o computador, (tudo o que faço neste pequeno-grande mundo de escrita e de edição é feito ao computador e sem rascunhos – talvez seja por isso que me arrependo quase sempre do que escrevo!) o computador “olhou” para mim, nos apaixonamos, nos odiamos, escrevo sem parar qualquer coisa que na altura me parece interessante e que no

dia seguinte se apaga ao som de um singelo bocejo: mas que nódoa!, estive eu a perder tempo com isto..., melhor estivesse a dar uma... pois... Confesso: deixa-me um pouco melhor, tranquilizando a minha constante inquietação e insatisfação, aquelo amigo que ao vir jantar a casa diz: é pá, isto é interessante!; e eu respondo, talvez, mas... vai ter o destino dos outros, o doce vazio sideral. Porra, escrever é mesmo difícil! E debato-me sempre com aquela ideia que parece ter sido do Wittegenstein: já tudo foi escrito e dito, o mais importante é o que falta dizer. Estou eternamente condenado ao que falta dizer. Este texto não tem importância nenhuma. O meu texto está no futuro, no que falta dizer, no não-dito... é isso mesmo que me “consola”, tudo aquilo que não foi dito. Pois sim, falava eu do meu hipotético romance; prometo, quando for rotulado por um publicista, pois críticos não há, terá como rótulo algo parecido com isto: eis um romance cujo tema é aquilo que não foi dito e que faltava dizer. Talvez se venha a chamar: «É proibido voltar a este tema – está dito e mais nada há para dizer, se disserem será plágio». Sempre gostei de títulos grandes! Quantas vezes os títulos salvam as obras.
Conselho: Leiam poesia!, se possível, tentem viver poetica-mente – é preciso ressuscitar o espanto (onde é que eu já ouvi isto!)!

Crônica.O.001.O meljhor amigo - Paulo Fuentes


Serapião era um velho mendigo que perambulava pelas ruas da cidade. Ao seu lado, o fiel escudeiro, um vira lata branco e preto que atendia pelo nome de Malhado. Serapião não pedia dinheiro. Aceitava sempre um pão, uma banana, um pedaço de bolo ou um almoço feito com sobras de comida dos mais abastados. Quando suas roupas estavam imprestáveis, logo era socorrido por alguma alma caridosa. Mudava a apresentação e era alvo de brincadeiras. Serapião era conhecido como um homem bom, que perdera a razão, a família, os amigos e até a identidade. Não bebia bebida alcoólica, estava sempre tranqüilo, mesmo quando não havia recebido nem um pouco de comida. Dizia sempre que Deus lhe daria um pouco na hora certa e, sempre na hora que Deus determinava, alguém lhe estendia uma porção de alimentos. Serapião agradecia e rogava a Deus pela pessoa que o ajudava. Tudo que ganhava, dava primeiro para o malhado, que, paciente, comia e ficava a esperar por mais um pouco. Não tinha onde dormir, onde anoiteciam, lá dormiam. Quando chovia, procuravam abrigo embaixo da ponte do ribeirão Bonito e, ali o mendigo ficava a meditar, com um olhar perdido no horizonte. Aquela figura me deixava sempre pensativo, pois eu não entendia aquela vida vegetativa, sem progresso, sem esperança e sem um futuro promissor que Serapião levava. Certo dia, com a desculpa de lhe oferecer umas bananas fui bater um papo com o velho Serapião. Iniciei a conversa falando do Malhado, perguntei pela idade dele, o que Serapião, não sabia. Dizia não ter idéia, pois se encontraram um certo dia quando ambos andavam a toa pelas ruas. - Nossa amizade começou com um pedaço de pão - disse, mendigo. Ele parecia estar faminto e eu lhe ofereci um pouco do meu almoço e ele agradeceu abanando o rabo, e daí, não me largou mais. - Ele me ajuda muito e eu retribuo essa ajuda sempre que posso. - Como vocês se ajudam? Perguntei. - Ele me vigia quando estou dormindo; ninguém pode chegar perto que ele late e ataca. Também quando ele dorme, eu fico vigiando para que outro cachorro não o incomode. Continuando a conversa, perguntei: - Serapião, você tem algum desejo de vida? -Sim, respondeu ele - tenho vontade de comer um cachorro quente, daqueles que a Zezé vende ali na esquina. -Só isso? Indaguei. - É, no momento é só isso que eu desejo. - Pois bem, vou satisfazer agora esse grande desejo. Saí e comprei um cachorro quente para o mendigo.
Voltei e lhe entreguei Ele arregalou os olhos, deu um sorriso, agradeceu a dádiva e em seguida tirou a salsicha, deu para o Malhado, e comeu o pão com os temperos. Não entendi aquele gesto do mendigo, pois imaginava ser a salsicha o melhor pedaço. - Por que você deu para o Malhado logo a salsicha? Perguntei intrigado. Ele, com a boca cheia, respondeu: - Para o melhor amigo, o melhor pedaço. E continuou comendo, alegre e satisfeito. Despedi-me do Serapião, passei a mão na cabeça do Malhado e saí pensando com meus botões: - Aprendi alguma coisa hoje. Como é bom ter amigos. Pessoas em que possamos confiar, saber reconhecer neles o seu real valor, agindo em consonância. Por outro lado, é bom ser amigo de alguém e ter a satisfação de ser reconhecido como tal. Jamais esquecerei a sabedoria daquele eremita.
PARA O MELHOR AMIGO O MELHOR PEDAÇO Devemos mesmo valorizar nossos amigos, pois eles são raros e únicos em nossa vida. Feliz de quem tem ao menos um verdadeiro amigo em sua vida.

Crônica.F.006.Feio, o gato - Lilian C. Moraes



Todos no prédio de apartamentos onde eu morava sabiam quem era o Feio. Feio era o gato vira-lata do bairro. Feio adorava três coisas neste mundo: brigas, comer lixo e digamos, amor. A combinação destas três coisas adicionada a uma vida nas ruas tinham causado danos em Feio. Para começar, ele só tinha um olho, e no lugar onde deveria estar o outro olho, havia um buraco fundo. Ele também havia perdido a orelha do mesmo lado, e seu pé esquerdo parecia ter sido quebrado gravemente no passado, e o osso curara num ângulo estranho, fazendo com que ele sempre parecesse estar virando a esquina. Feio havia perdido a cauda há muito tempo, e restava apenas um toco de cauda grosso, que ele sempre girava e torcia. Todos que viam Feio tinham a mesma reação: ---"Mas que gato feio!!" As crianças eram alertadas para não tocarem nele. Os adultos atiravam pedras nele, jogavam-lhe água com a mangueira para espantá-lo, o enxotavam quando ele tentava entrar em suas casas, ou imprensavam suas patas na porta quando ele insistia em entrar. Feio sempre tinha a mesma reação. Se você jogasse água nele com a mangueira, ele não saía do lugar, ficava ali sendo ensopado até que você desistisse. Se você atirasse coisas nele, ele enroscava seu corpinho magricela aos seus pés, pedindo perdão. Sempre que via crianças, ele surgia correndo, miando desesperadamente e esfregando a cabeça em todas as mãos, implorando por amor. Quando eu o apanhava no colo, ele imediatamente começava a sugar minha blusa, orelhas, ou o que encontrasse pela frente. Um dia, Feio quis dividir seu amor com os huskies do vizinho. Eles não eram amistosos e Feio foi ferido gravemente. Do meu apartamento, eu ouvi seus gritos e corri para tentar ajudá-lo. Na hora em que cheguei onde ele estava caído, parecia que a triste vida de Feio estava se esvaindo... Feio estava caído em uma poça, suas pernas traseiras e suas costas estavam totalmente disformes, um corte fundo na listra branca de pêlo atravessava seu peito. Quando eu o apanhei e tentei levá-lo para casa, ele fungava e engasgava, podia senti-lo lutando para respirar.

"Acho que o estou machucando muito", eu pensei. Então, eu senti a sensação familiar de Feio chupando minha orelha - em meio a tamanha dor, sofrendo e obviamente morrendo, Feio estava tentando sugar minha orelha. Eu o puxei para perto de mim e ele esfregou a cabeça na palma da minha mão, olhou-me com seu único olho dourado e começou a ronronar. Mesmo sentindo tanta dor, aquele gatinho feio, cheio de cicatrizes de suas batalhas, estava pedindo um pouco de carinho, talvez alguma comiseração. Naquele instante, achava que Feio era o gato mais lindo e adorável que eu já tinha visto. Em nenhum momento, ele tentou me arranhar ou morder, nem mesmo tentou fugir de mim, ou rebelou-se de alguma maneira. Feio apenas olhava para mim, confiando completamente que eu aliviaria sua dor. Feio morreu em meus braços antes que eu entrasse em meu apartamento. Eu me sentei e fiquei abraçada com ele por muito tempo, pensando sobre como este gato vira-lata deformado e coberto de cicatrizes havia mudado minha opinião sobre o que significava a genuína pureza de espírito e sobre como amar incondicionalmente. Feio me ensinara mais sobre doação e compaixão do que qualquer ser humano. E eu sempre lhe serei grata por isto. Chegara a hora de eu seguir em frente e aprender a amar verdadeira e incondicionalmente. Chegara a hora de dar meu amor para aqueles que me eram caros, mesmo que meus olhos nunca tivessem visto nenhum deles... As pessoas acham mais fácil e mais prazeroso amar o belo, o perfeito, sem notarem que os feios, os tortos, os mancos, enfim os deformados sejam de corpos, mentes ou almas, também podem e merecem serem amados... Se vocês pudessem avaliar ou sentir como é quente e gostoso o abraço de alguém feio e antipático, de alguém deformado e que foge as regras e padrões de beleza...se vocês se permitissem essa sensação, talvez entenderiam e veriam os tantos "gatos feios" que a vida lhes coloca diante dos seus olhos todos os dias e vocês se negam a enxerga-los... Muitas pessoas querem ser influentes, querem acumular dinheiro, querem ser bem sucedidas, queridas, simpáticas ou belas... Quanto à mim, eu sempre tentarei ser como o Feio... Passarei minha vida pedindo amor, mendigando um pouco do seu tempo, esperando pelo seu carinho, contando com sua compreensão, e pacientemente aguardando o dia de ser devorada pelos "Huskies"... Se tiver sorte terei alguém que me pegue no colo e me faça um carinho antes do meu último suspiro... Neste mundo cheio de intolerâncias devemos espalhar mais respeito aos demais seres viventes, sejam eles da mesma raça, mesma religião,mesma etnia que nós , ou não, sejam feios ou bonitos aos nossos olhos tão desacostumados a ver ,ou nossos ouvidos , que ainda não aprenderam a ouvir a real mensagem de Deus

Crônica.F.005.Falando sobre depressão - Lisiê Silva



Olá, meu amigos!
Este é um tema delicado, há uns 2 meses eu estou ensaiando essa conversa com vocês, com a única finalidade de poder ajudar a quem está passando por alguma forma de depressão, pois há muitas pessoas que estão passando por isto, e muitas não sabem, não querem ou não podem, por motivos particulares, procurar ajuda.
O desenvolvimento deste texto demorou a fluir, não por falta de argumentos, afinal, eu já senti na alma o que é ter uma depressão, mas como eu não sou médica, para falar sobre as depressões, eu precisaria dar o meu próprio depoimento, falar como eu passei e superei, e vocês sabem como é difícil a gente começar a falar sobre os nossos sofrimentos, tocar em feridas que a cada dia, a gente tenta cicatrizar. Mas quando é por uma boa causa, e se de alguma forma, for útil para ajudar alguém, então vale à pena sim.
Eu não sou especialista no assunto e quero deixar bem claro que o melhor em caso de depressão, é fazer um tratamento com um especialista: Psicólogo, médico ou terapeuta. Há também as terapias alternativas.

Vamos somente conversar, ok?
Primeiramente, vamos entender o que seria a depressão: Ela é um estado de tristeza profunda, que chega de mansinho e aos poucos vai se instalando, tirando o nosso ânimo, a nossa alegria de viver e vai tomando conta da gente, perdemos a vontade de sair, de estar com amigos e vamos nos isolando no nosso mundo interior, até chegar ao ponto em que ela nos derruba.
Ops! Aí eu não concordo! Que ela venha e tome conta de nós, é até aceitável... visto que é algo que não podemos evitar... mas podemos evitar que ela nos derrube, sim!
No meu ponto de vista, existem várias causas para a depressão, mas vamos falar de duas: Aquela que é causada pela perda de uma pessoa querida, a morte de um familiar, alguém que gostávamos e que estava próximo de nós e de repente, sem nenhum aviso prévio, o destino nos separa de quem amamos. E vamos falar também daquela que acontece quando estamos em um período da vida que nos sentimos sem perspectivas.

A depressão me atingiu quando eu tinha 31 anos, foi quando o meu pai faleceu, e durante os 2 primeiros anos, eu sentia, todos os dias e todas as horas, uma tristeza que me dominava. Por que além de eu gostar muito do meu pai, que sempre esteve presente nas nossas vidas, esta foi a primeira vez que houve uma morte na família, é a tal coisa, quando não acontece com sua família, você tem apenas uma noção distante do que é... Mas quando acontece com a sua própria família, o contato é mais próximo... É quando você cai na real.

Isto foi há 10 anos atrás e eu estava no período de puerpério (resguardo) com o nascimento da minha filha, que tinha somente 1 mês de vida, e a conselho do meu médico, eu não deveria me emocionar, não poderia chorar, para o leite do peito não secar.

Pensando na amamentação de minha filha, eu engoli a tristeza e não chorei. O tempo foi passando e a tristeza foi acumulando, depois de 6 meses, ela me derrubou.

Quando perdemos alguém por falecimento, começamos a ter uma maior consciência de nossa finitude, de que nossa vida também terá um fim, isto aliado a saudade daquela pessoa que se foi, provoca uma imensa tristeza.
As fatalidades da vida são fatos que ninguém consegue aceitar de imediato, ou se conformar, você nunca está preparado para isso, ela sempre abala o nosso eu interior e geralmente nos leva à reflexão, e se essa reflexão não for bem conduzida, poderá se transformar em uma tristeza profunda.
O pesar era enorme, o pensamento era constante e a saudade doía. Mas eu tinha um bebê nos braços e não podia me deixar abater. De imediato eu nem sabia que aquilo era uma forma de depressão, mas sabia que eu estava decepcionada com a vida, eu sabia da tristeza que eu estava sentindo, e não conseguia me livrar dela.
A pior fase durou 2 anos, e durante esse tempo eu sentia que uma parte de mim havia morrido, havia ido embora junto com meu pai. Era como se eu estivesse metade viva e metade morta.
Hoje eu sei que o que morreu em mim foi a minha inocência, alguns sonhos, algumas alegrias, morreu em mim uma parte de encantamento pela vida.
Ao mesmo tempo, eu sentia uma grande necessidade de me sentir mais próxima de Deus, eu sempre tive o costume de rezar todos os dias, mas naquele momento eu queria conversar com Ele, mesmo sabendo que Deus me acompanhava e sabia de tudo. Eu queria rezar, eu queria ver o lado bom da minha vida e somente agradecer. Eu queria colocar as coisas boas acima das coisas ruins. Eu queria sair daquela tristeza.
Eu não queria esquecer do meu pai, mas eu queria apagar da mente aquele acontecimento, eu queria que a minha vida voltasse a ser como era antes desse trauma, quando eu nunca havia pensado ou refletido sobre a morte, eu queria parar de pensar em morte, mas eu não conseguia. Sozinha eu não conseguiria, e eu sabia que ninguém conseguiria por mim.
Eu sabia que só Deus poderia me ajudar.
Quando você está depressivo, você sente uma escuridão nos seus dias, mesmo se o sol estiver radiante lá fora. Parece que tem uma nuvem escura te rodeando.

Eu acreditava que só Deus poderia me ajudar, de alguma forma, mas seria um processo lento, demorado mesmo, então para ocupar o meu tempo, eu resolvi fazer um jardim.
Enquanto o meu bebê estava dormindo, eu estava plantando diversos tipos de plantas, a minha preferência eram as plantas com flores, e que fossem bem coloridas. Intimamente, era a necessidade de colocar cor na minha vida.

Nas muitas vezes em que os espinhos das roseiras feriram os meus dedos, eu sentia que aquela dor era mínima diante da dor interna que eu sentia.
Através do contato direto com a terra, e com as plantas eu me sentia muito bem.

Eu adorava preparar a terra, sentia uma sensação agradável em pegá-la com as
mãos, senti-la entre os meus dedos e depois lançar as sementes, ficava observando o crescimento das plantas e as flores se abrindo, de todos os tipos e todas as cores.
A minha dedicação ao jardim era diária, não importava se era segunda-feira, ou se era sábado, todos os dias eu sentia necessidade de estar tocando a natureza, a impressão era que ela me purificava, aos pouquinhos ela ia tirando a tristeza de dentro de mim.
A natureza foi a minha grande amiga, a aliada nos momentos mais difíceis. Ela me ajudou a superar, por quê eu me dediquei à ela. Fizemos uma troca. Enquanto eu cuidava dela, ela cuidava de mim.
Ou será que foi Deus que cuidou de mim através da natureza? Com certeza, sim! Por que primeiramente eu recorri à ele e em seguida, me veio a vontade de tocar a natureza.
E foi assim, que eu construí na minha casa, durante 2 anos, um imenso jardim.

Depois, eu sentia vontade de caminhar pelo parque que fica próximo da minha casa, e todas as manhãs eu saía para caminhar, observando as árvores.
De uma forma bem simples e bem natural, eu fui superando aquela tristeza.
Eu não posso dizer que voltei a ser exatamente como eu era antes, não voltei, por que todo sofrimento deixa marcas em nosso ser. Mas com certeza, eu me tornei mais amadurecida e mais forte.

Nesta época eu aprendi coisas muito importantes. Aprendi que sempre devemos agradecer à Deus, por tudo que somos, pelo que temos e pelas pessoas que fazem parte da nossa vida, agradecer aos nossos pais, agradecer aos nossos filhos, agradecer aos nossos irmãos, aos nossos amigos, aos nossos empregados.

Eu aprendi que devemos nos sentir felizes por coisas bem simples, mas que tem uma grande importância. Agradecer à Deus pela vida, pela natureza, pelas belezas deste mundo, enfim, agradecer a tudo e a todas as coisas.
É somente com o sentimento de gratidão que podemos sentir Deus. É somente mentalizando a força do bem que seremos felizes.

O que devemos ter consciência é de que este momento de tristeza é indispensável nas nossas vidas, é importante para nós, precisamos vivê-lo! precisamos senti-lo!
Uma vez eu li a seguinte frase: "A tristeza é um chiclete que precisa ser mastigado" e tem que ser bem mastigado para que possamos superá-la. Se você tentar passar por cima, fugindo da tristeza, engolindo o choro, ela não irá embora. Ficará te rodeando até que você a experimente, encarando-a de frente, chorando todas as lágrimas que tiver que chorar, pois enquanto isto acontece, interiormente você está se fortalecendo para que possa eliminá-la. Isto é algo que não é visível, perceptível... você só vai perceber isto depois.

Por quê enquanto você está depressivo, você não percebe que está, nem se dá conta... geralmente quem percebe são as pessoas que convivem conosco, que estão mais próximas, estas sim, percebem a nossa mudança de comportamento,
por quê geralmente perdemos a vontade de estar com as pessoas e a única vontade que temos é de ficar sozinho, não queremos nos expor, não queremos público, só queremos a nossa solidão.

Mas o que é mais importante, é saber que será passageiro, será apenas um período que você terá que enfrentar, pois nada dura para sempre, nem as alegrias e muito menos as tristezas. É um momento que precisa ser vivido e sentido para o nosso desenvolvimento espiritual.
Outra frase muito conhecida: "Assim como toda alegria é passageira, nenhum sofrimento será eterno!"
Imaginem o que seria de nós se tivéssemos somente alegrias nas nossas vidas? Se não tivéssemos nenhuma experiência triste? Provavelmente não teríamos força e nem preparo para viver e muito menos para morrer.
Temos que saber e aceitar que os traumas são muito importantes para todos nós.
Atualmente os médicos pediatras recomendam que nós não devemos poupar nossas crianças de terem traumas e decepções. É claro, que contrariando os conselhos médicos, nós que somos mães amorosas, sempre procuramos poupar nossos filhos de qualquer tipo de trauma, para que eles não sofram. Mas que eles são necessários, isto devemos saber. Se não pudermos evitar, que saibamos entender e ajudá-los a superar.


Na minha juventude, por volta dos meus 17/18 anos. Enquanto a maioria dos jovens se divertiam e curtiam com alegria suas juventudes, lá estava eu, no meu mundo particular, a me questionar sobre os por quês da vida. O por quê da violência, o por quê das brigas de rua, o por quê da maldade, o por quê da falta de amor, das decepções, dos desencontros, da pobreza, da escravidão, da falsidade, o por quê desse mundo ser tão diferente do que eu gostaria que ele fosse.
A minha revolta não era exterior, mas somente interior. Eu sempre fui muito calma, se eu não estivesse no colégio estudando, estava em casa escrevendo os meus diários, ou lendo algum livro.

É comum nos jovens, quando estão terminando os estudos e ainda não entraram na faculdade ou ainda não começaram a trabalhar, sentir algum tipo de depressão, isto se dá pela falta de expectativas, por um futuro incerto, pela transição da fase juvenil para a fase adulta.
É importante a conversa, o diálogo entre os pais e os filhos. É importante ser amiga(o) deles, acompanhá-los em todas as suas fases, mas principalmente nesta.
É importante o apoio, e ver o quê eles estão precisando. Através da conversa você descobre muitas coisas: os seus medos, as suas ansiedades, sua preocupação com a responsabilidade na fase adulta. Neste momento é importante transmitir à eles, todo o carinho que eles precisam. Elogiá-los, mostrando-lhes as qualidades que eles possuem.

É importante colocar novidades em suas vidas, pelo menos nesse curto período de transição. Tipo: colocá-los em uma auto-escola, ou em um curso, ou ajudá-los
a arrumar um emprego. É preciso evitar que eles fiquem com a mente vazia, é necessário ocupá-los com alguma atividade.

Meus amigos! Não pensem que a minha vida ficou restrita a momentos de tristeza, claro que não, as alegrias e os bons momentos também eram constantes na minha vida, assim como é na vida de todos nós. É claro que eu tive e tenho muito mais momentos de alegria do que de tristeza, mas como o assunto aqui é depressão, eu estou abordando mais sobre isso.

Se você está com depressão, eu tenho algumas sugestões para lhe fazer:
*Primeiramente converse com Deus, reze. Peça a sua ajuda divina. Entenda que Deus sempre nos atende, isso é inquestionável. Conte tudo para ele, mesmo sabendo que ele já sabe, por que Ele te acompanha integralmente.