domingo, 31 de julho de 2022

L.048.Língua Viva - Eliane F.C.Lima


Velho professor de língua portuguesa, usava as palavras com significados de dicionário e, por isso, às vezes tinha problemas. A língua é um produto social vivo e os termos vão adquirindo novas conotações populares.
Era daqueles que usava a palavra “ignorante” para adjetivar, corretamente, alguém que não sabia de alguma coisa. Muitos se ofenderam, dizendo que não eram grosseiros coisa nenhuma!
Uma vez, como um aluno conversasse muito, chamou a coordenadora e disse que havia um sujeito atrapalhando a aula. No dia seguinte, a mãe do adolescente, que estudava e trabalhava também, apareceu na escola com sua carteira de trabalho, para provar que o filho não era vagabundo. Muito surpreso, o professor negou que houvesse dito aquilo. Até chegar à expressão mal entendida. Dicionário na mão, custou a convencer a tal senhora.
Mas duas vezes, a situação ficou bem difícil. Uma vez, se referindo às categorias gramaticais, chegou às interjeições. Para exemplificar, disse a um menininho: “Oxalá você seja um homem de bem!”. Comprou uma briga com a família do garoto. Mãe e pai foram à escola resolvidos a ir ao Ministério da Educação denunciar o abuso dele. Que direito ele tinha de ensinar ao filho religião diferente daquela que ele aprendera desde o berço?
Mas a pior de todas foi aquela em que se meteu, já quase perto de se aposentar. Comentando que, não só no Brasil há casos de corrupção, contou aos garotos que, em um outro país, o dono de uma empresa tinha enriquecido desonestamente. Ele sempre ganhava em seus negócios com o governo, porque procurava um determinado ministro, diretamente, e “transava com ele”, enunciou com palavras muito bem escandidas. O que o pobre homem não imaginava era que os jovenzinhos atualizaram a expressão.
Muito admirados, chegaram a casa e contaram aquela história tão escabrosa para eles como para o professor, mas por motivos bem diferentes.
Numa reunião em que estava até a direção, alguns pais “queriam a cabeça” do professor por conduta inadequada. Os mais exaltados, porém, de acordo com a onda do momento, ameaçavam ir à delegacia denunciá-lo por aliciamento de menores.
Fonte: http://conto-gotas.blogspot.com

L.047.Lição - Eliane F.C.Lima


Lição
Eliane F.C.Lima
O que mais amava na vida: suas plantas. Tinha algumas numa varanda minúscula do apartamento em Copacabana. Uma jibóia subia pela grade da janela. Parecia parada, mas subia. A cada dia estava mais no alto. Nada a impedia. Obstáculo na frente, dava a volta. Era a mudez das plantas, sua aparente estática, sua falta de emoção o que a encantava. Ficava horas tentando aprender sua filosofia. Ela, que era toda paixão. Não conversava com as plantas, como outras pessoas. Não queria incomodá-las. Elas não eram de conversa. Eram um pouco como os gatos. Não, tinham o temperamento dos gatos elevado ao máximo. Um dia, foi passear com amigos numa praia. E viu umas pedras pequenas, cabiam nas mãos. Brancas, roliças. Encantou-se com elas. Levou várias para casa. Na varanda, agora, olhava as pedras. Aquilo é que era silêncio. Aquilo é que era falta de emoção. Não interagiam com ninguém, nem com o sol, nem com o vento. Não se molham pedras. Não se podam pedras. E elas nada devolviam, nem em cor, nem em flores. Não precisavam de nada. Pedras são o âmago dos seres. Batidos no liquidificador e passados na peneira, joga-se o suco fora. Só o que presta é o bagaço.
Fonte: http://conto-gotas.blogspot.com

L.046.Lar, doce lar - Eliane F.C. Lima


Tinha um quadro na parede há muitos anos. Já estava cheio dele. Resolveu guardar e comprar um outro novo. Passado um ano, precisando de espaço no armário, pegou o quadro e pagou um sujeito para levar, junto com outras tralhas velhas. Quando saiu de casa, no dia seguinte, lá estava o quadro, postado ao pé de um poste, no meio da calçada. Sentiu-se meio envergonhado de vê-lo ali, sujando a rua, como se fosse ele que tivesse colocado. Pegou o quadro e levou-o de volta. Para o armário. Um dia, jogava de novo fora. Passados dois anos, nova arrumação. O quadro vai parar no lixo de novo. A síndica reclama do objeto, do lado de fora, junto ao lixo reciclável. Sem graça, o dono leva o quadro para dentro. Mais três anos. Armário aberto, o morador pega o quadro. Caminha com ele nas mãos até a sala em direção à porta de saída. Olha para o que está atrás do sofá. Não aguenta mais olhar para ele. Retira com cuidado. Observa o mais antigo. Realmente, ele é bem mais bonito. E querido. Vitorioso, o quadro anterior volta para seu antigo posto.
Fonte: http://conto-gotas.blogspot.com

L.045.Líriosdelirios - Danilo


Pois assim era mais complicado fazer as coisas que devia fazer. sei lá, noi no ceilão sósonhávamos com todas aquelas coisas que pensávamos que era o melhor the best do the best eu ouvia na tv e você me enchia o saqco do the best do the best besta abestalhado eu buscava fazer o meu melhor como se fosse o atleta numero um do ranquin mundial e você nem aí você saía de madrugadas avarandando noites estreladas e de luas cheias de doer nas vistas e sumia sumia sumia e eu a miar sozinho no vão dos telhados buscando conforto em camas alheias e chorando suas ausências como pitangas recémcolhidas eu: encolhido enroscado embolado cuca bolada deu pra sacar baby? você chegava de manhã romã avermelhadas faces olhos estridentes dentes estrilando descarrilando verbos e versos sobre minha cabeça zonza pernas bambas de noites mal dormidas em camas de outras e sói pensando na minha baby trespassando corações e enbrutecendo tesões pela naitte...ai, nem quero pensar já me doem as cabeças caracas por ondea você andou meu bem?meu bem bambam bombonando por aí e aí?como fico eu nesta parada? ah- o amor- esta coisa mal passada pesada este sangue pisado e este nariz sangrando e este tesão sem rumo...qualquer dia sei não pego você e levo,por aí, para dançarmos danças rituais nas clareiras das florestas daquelas de contos de fada é foda tô delirando, mas,...

L.044.Languidez - Florbela Espanca


Tardes da minha terra, doce encanto,Tardes duma pureza de açucenas,Tardes de sonho, as tardes de novenas,Tardes de Portugal, as tardes d’Anto,
Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!…Horas benditas, leves como penas,Horas de fumo e cinza, horas serenas,Minhas horas de dor em que eu sou santo!
Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,Que poisam sobre duas violetas,Asas leves cansadas de voar…
E a minha boca tem uns beijos mudos…E as minhas mãos, uns pálidos veludos,Traçam gestos de sonho pelo ar…

L.043.Ludo - Pastorelli


LUDO
Pastorelli
Decidirá logo de manhã enquanto tomava o café.

Não deixaria mais os fantasmas se alimentarem das lembranças coladas nos objetos que ao longo dos anos foram se amontoando.

Assim, com determinação estava a remexer nos esquecidos empoeirados cheirando a mofo. Mexendo aqui, retirando um objeto dali, foi sendo invadida por uma onda de sensação envolvendo sua alma que, extática, deixou-se levar.

Era mais ou menos como uma ferida aberta que a saudade abria levando-a pela surpresa, as forças tomaram outro alento, e como renovada, foi empilhando o que deveria ser jogado fora.

De repente escutou um som. Pareciam dados caindo em cima de madeira. O que seria? Procurou. Era um som imperceptível. Mas agora, estava mais nítido, mais alto, mais próximo. Sorriu. Que bobagem pensar nessas coisas! Sua imaginação cheia de filmes... que bobagem. Fez um gesto como se dissesse: Isso é idiotice.

Continuou com o serviço. Nisso seus olhos pousou no tabuleiro encostado a parede. Era dali que vinha o barulho de dados. Sim! Era dali. Dava para ouvir com nitidez os dados correndo pelo tabuleiro. Pegou o tabuleiro e colocou em cima de um caixote que estava perto. Não tinha mais dúvidas. O som que ouvia era dali. Olhou para os lados. Onde estavam as pedras. Revirou as coisas. Ah! Aqui estão.

Ajoelhou-se em frente ao caixote. Foi colocando as pedras, uma por uma em suas respectivas casas. As amarelas, as vermelhas, as pretas e as azuis, cada cor com quatro pedras. Quando colocou a última pedra no tabuleiro com desenhos gastos, deixando aparecer o rústico da madeira, ouviu alguém chegando. Foi ver quem era.

- Ah! O que houve tio? O senhor não era para...

- Sim... era... mas...

- O que aconteceu, tio?

- O seu filho...

- O que tem ele?

- Está na Santa Casa.

- Na Santa Casa? Aí minha Nossa Senhora...

- Calma, não aconteceu nada.

- Como não aconteceu nada se ele está na Santa Casa?

- Ele quebrou só a perna. Já estão trazendo ele para cá. Arruma a cama que ele vai ficar um bom par de tempos deitado sem se mexer.

Dito e feito. Quando ela aflita chegou no corredor, vinham trazendo o filho todo refestelado como se nada tivesse acontecido, numa cama de hospital. Junto estavam os primos, os irmãos, o pai, os enfermeiros, todos falando ao mesmo tempo para uma mãe assustada. Ao ver todo aquele alvoroço começou a chorar.

- Que é isso, mulher? Larga de ser boba, não vê que nosso filho está bem; disse o pai abraçando a esposa.

Arrumaram a cama onde ele ia ficar os três meses deitados. Pouco tempo depois à engrenagem rodava de novo nos eixos.
Passados dois dias, o cunhado chega entrando no quarto.

- Olha o que eu fiz, diz.

E coloca o tabuleiro no colo do sobrinho. E daquele dia em diante a casa não teve mais sossego. Tinha sempre alguém jogando Bodum com ele. Durante os três meses, só se ouvia risadas, torcidas, palavrões, gritos e o barulho dos dados rolando no tabuleiro de madeira.

- De quem é a vez?

- É a sua.

- Não, é a minha.

- Não rouba seu ladrão!

- Não deixem a vermelha entrar.

- Aí, viva! Pensa que vai ganhar?

E assim era, quando não eram os irmãos, eram os primos, os tios, as tias, sempre que chegavam corriam lá para o quarto do enfermo.

- E aí, vamos jogar?

Às vezes as jogadas demoravam em acabar, chegando a avançar a noite adentro. Assim foram os três meses. O tabuleiro ficou gasto. Os quadriculados sumiram. De tanto baterem o copinho em cima e arrastarem as redondas pedras de madeira as cores sumiram.

Aqui é a vermelha. Ali as pretas. Amarela no outro canto ao lado da azul. Já sabia de cor a colocação das pedras. Passou os dedos contornando cada linha, cada casa, cada quadrado, ouvindo as vozes, as risadas...

Uma lágrima deslizou caindo bem no meio do tabuleiro.

Ela se levantou. Da porta olhou para o interior, depois para o tabuleiro e viu todos eles, um por um, ali em volta jogando Bodum.

- Não vou... talvez outro dia eu continuo com a limpeza.

Saiu fechando a porta e passando a mão nos olhos.

As vozes, o barulho dos dados, as risadas, os gritos de ganhei, ainda continuaram por um longo tempo.

L.052.Loucura - Suzane Byanco


Vida louca..Vida intensa...
Que não sei te decifrar...
Vou vivendo te Amado...
Te fazendo delirar...

Sei que é loucura...
Já não sei o que pensar...
Estou perdendo o juizo...
Querendo a todos Amar...

Vivo  sonhando com seus beijos...
Estou cansando de sonhar...
Quero sentir de verdade...
Quero um corpo tocar...

Não tenho mais controle...
É o Amor que está a mandar...
Ando nas ruas arrepiando...
Com vontade de agarrar...

Não sei que desejo é esse...
Mas não quer me obedecer...
O tempo todo queimando...
Querendo receber...

O gosto que quero sentir...
Sinto dentro do teu sonho...
Seu corpo grudado em mim...
Não vejo mais o meu corpo...

Não quero nem saber a razão...
Quem manda em mim é o coração
Eu sou toda emoção
Desejo, sonho, paixão

Quero Amar mesmo doendo...
Quero sentir mesmo distante...
Quero de todas as formas te Amar...
Te Amar a todo instante...

L.051.Liberdade - Fernando Pessoa


Aí que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doura
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

L.050.Lar, doce lar - Um Poeta Vagabundo


Quantos pensamentos pensam quantos sonhos sonham
quantas dores doem quantas vidas vévem pensam
e sonham e doem mas vévem nesse vai e vem esférico....esparso.
No espaço de esferas soltas no ar que prende a vida no corpo que vévi e sente o sentido e espera

L.049.Luz p'ro meu caminho - Um Poeta Vagabundo


atravessei o deserto do mar
a procura de porto seguro
me perdi, fui procurar
uma estrela guia que me mostrasse
uma direção, um lugar seguro
e bom para ficar

o meio do caminho
a virtude, o vício
a cruz, a espada
tormentas, tempestades
ilhas de curiosidades

calmaria vem me acalmar
vento sereno, vem me conduzir
vem tu, Sereno, p'ra me orientar
luz a me guiar, no escuro azul do mar

por não conhecer, naveguei por mares de ilusão
naufraguei no coral da desobediência
vi lá longe a estrela da razão

e agora navego, sigo uma estrela
um ponto claro lá no norte

um guia a me nortear