sexta-feira, 31 de maio de 2024

E.148.Escravos de quem - Um Poeta Vagabundo


Certas coisas em nosso mundinho não fazem sentido algum, e uma das que menos faz sentido é a divisão do trabalho, é nela que se encontra grandes injustiças. Há quem trabalhe pouco e ganha muito dos que trabalham muito e ganha pouco, há os que não trabalham e ganham, há os que produzem para ganhar e também há os que nada produzem e ganham mais que todos, essa espécie de parasita humana são chamadas de banqueiros, são altamente nocivos, os mais venenosos são relativamente raros, e obedecem uma hierarquia severa, costumam se associar a outras de poder semelhante, para juntas dominarem mais e mais grupos. Existem várias outras espécies de parasitas humanas, como políticos, religiosos, sindicalistas , industriais etc, mas o foco é a exploração do trabalho e não os exploradores, então...estamos tão acostumados com essa exploração que nem nos damos conta que são sete dias da semana e só não trabalhamos em um, é uma baita goleada 6x1, seria bem mais equilibrado se fosse 4x3, trabalhamos por doze meses para ter direito a um mês de férias, seria bem mais equânime se fosse 9x3, mas é uma outra baita goleada 12x1, com tanto tempo sendo gasto em trabalho, condução, cursos preparativos etc , que não é de se admirar que o nosso ‘mundão véio’ de guerra esteja esse caos, essa loucura doentia, essa luta por uma existência vazia, uma existência sem existência, baseada no ter isso, ter aquilo, poder isso , poder aquilo, dominar esse ou aquele. Somos escravos de nós mesmos, das necessidades que criamos e das necessidades que criam para nos atrair para essa roda viva, que nos pega a cada novidade de computador, telefone, i phone, i pad, smart phone, e grifes de roupas e calçados, de restaurantes e carros e rodas e TV’s e tantos outros aparelhos e tantas coisas e tudo isso para ficarmos cada vez mais longe, mais cegos para realidade do mundo, mais distante da terra, do céu, do ar livre,das plantas, dos animais, das pessoas. Bom será quando essa corrida para lugar nenhum acabar, que o ser humano se torne mais humano, que haja uma revolução e a espécie re-evolua, e perceba que somos animais neste jardim que chamam planeta Terra, e somos o animal responsável por sua degradação, um animal que mata e agride seus semelhantes para defender valores e propriedades, mesmo sabendo que d’aqui não levamos nada, e tão cegos por essa busca insana , que esquecemos as palavras de um mestre nos ensinou que temos que ter tempo para o trabalho e também para se sentar a sombra de uma figueira para meditarmos . e se assim fizermos, estaremos libertos da escravidão do trabalho excessivo, e não nos deixaremos sermos arrastados pelas correntes do materialismo, das modas, do poder, do status, das manipulações daqueles que nos incute desejos que não preenchem o vazio que gera uma existência voltada para o trabalho.

E.147.Errante - Um Poeta Vagabundo


Sou só um pobre fodidoficando velho.quando eu crescertalvez erre menos...pensavanão quero mais ser adultonunca quisno fundo sempre fui...não quero reconhecermas dentro da minha criança sempre houve um adultohá uma criança em mimhá o coraçãoa dor, a resignaçãoa saudade ou martírionão cabem dentro deleque de aberto transbordousó ficou o mais pesado

o mais presado dos desejos

a vida se apresentae eu me apresento...como um passageiro(clandestino...é verdade)...desta nau a céu abertodeste vento virador de páginasdestas linhas que traçosem saber do dia de amanhãsó sabendo a frágil ponteque nos separa da vidae da morte.

E.146.Elementos - Um poeta vagabundo


Elementos
Um Poeta Vagabundo
Do Sol que existe
Em mim um céu
Habita o mar eterno
Da vida, haja mais vida
Sob o Sol que subo
É meio dia
Terra e água gira
Em ar calor
Energias.

E.145.Encanador - Eliane F.C.Lima



Entrava na casa das pessoas. E ia para as partes mais íntimas de suas casas: cozinha, banheiro. Podia ser uma visita rápida, mas era raro. Normalmente, passava o dia todo, às vezes dias. E ia para as partes mais íntimas de suas vidas: ouvia tudo o que se passava ali, sem querer, sem pedir. Depois de uma visita dessas, raramente olhava para as pessoas e as via do mesmo modo que antes. Filósofo, descobriu logo que aquilo que entupia e vazava não eram os canos de muitos anos, apodrecidos e embutidos nas paredes. Mais antiga, pré-histórica era a alma humana, corroída por suas velhas e eternas questões. Para essa, ele não tinha solução.
Fonte: http://conto-gotas.blogspot.com

E.144.Eternidade - Eliane F.C.Lima


Parado ali. Esperava o momento entre dezoito horas e dezoito e trinta. “Desce alegre e sorridente, os homens todos em volta, 'colegas de trabalho', diz. Homens. Ela adora homens.” Faltam três minutos. Debaixo da camisa: “Esse peso apertando a barriga.”. Apalpa. Tem de estar à mão. Para puxar. Às seis e meia. “Vai funcionar? Será que eu sei?”. Quer ver o sorriso morrer na boca. Entre seus homens. “Só colegas de trabalho!”. Vagabunda. Olha o relógio: faltam ainda três minutos? Esse relógio não anda. “Está parado?”. O ponteiro de segundos pulando, alegremente. “Ainda bem: faltam três minutos.”. Um grande frio na barriga. Medo enorme. O frio é por dentro. Não é do estorvo enfiado pelo cós das calças. Aguentou tudo. Ver a cretina sempre cercada de homens, quando ia buscar. “Você é ciumento demais”, ouviu. “É obsessivo”, “É doente, procure um médico”. E os homens. Sempre os homens. Raramente via uma mulher ao lado. “Não aguento mais você!”. Um dia chegou, ela tinha ido embora. Era aquilo que queria. Ficar solta, ficar livre. E o doente era ele. Ele é que aguentou muito, aguentou tudo. Todas as humilhações. Agora é o fim. “Faltam dois minutos?”. “Faltam dois minutos!”. Suspirou aliviado. Não sabe o que vai haver depois. “Não importa!”. Olha o relógio: faltam dois minutos para se livrar daquele desespero, dia e noite, dia e noite. Mesmo estando em casa, representava mentalmente a desgraçada saindo pela porta do edifício, rindo-se com seus homens. Lá dentro é o escritório. “Imagino o que fazem ali.” “Agora que está sozinha, deve ir-se deitar em lugar mais confortável.” Morde a ponta dos dedos, arranca pele, que sangra. Apalpa a cinta. “O médico está aqui na cintura. Um homem precisa de paz. Ainda não são seis e meia. Ela deve estar saindo. Aperta os olhos turvos, tontos. “Ela... os homens!!!” Ouviu o tiro. Nem sabe de onde saiu
Fonte: http://conto-gotas.blogspot.com

E.143.Extrema ingenuidade - Eliane F.C.Lima


Comunidade muito pobre, nenhum aluno tinha dinheiro para comprar livro para leitura. Estratégia da professora: dividia a turma em grupos e emprestava um livro seu para cada grupo. Depois, propunha uma atividade.
Segunda-feira, caminhando em direção à escola, lá vem os três afobados. Queriam saber do resultado do trabalho entregue. Paciente, a professora diz que tinha sido muito ruim, um texto sem pé nem cabeça. Eles não tinham lido o livro. Protesto dos meninos: "Lemos, sim, lemos, sim."
Boca aberta, a professora ouve a argumentação dos garotos, muito convictos:
- Eu li da primeira página até a página cinquenta; o Rodrigo da página cinquenta até a oitenta; o Alexandre dali até o final!
Fonte: http://conto-gotas.blogspot.com

E.142.Ermitão - Eliane F.C.Lima


Tinha passado por aqueles reveses terríveis que só a vida sabe inventar. No último, nada mais que um barquinho à vela no meio de um furacão em alto mar. De repente, quando veio uma onda maior, sua alma caiu no meio da voragem. Não emergiu mais... Desesperado, sem rumo, sentia-se perdido numa ilha. Resolveu aproveitar o mote. Comprou uma barraca de camping, cobertor e tudo o mais, muito repelente, colocou as contas em débito automático, fechou o apartamento, e se embrenhou pela floresta da Tijuca, panelas e tudo mais nas costas. Cuidadoso, foi marcando o caminho para voltar, quando preciso. O cuidado para não se perder de vez – perdido já estava, na verdade – ajudou muito a começar a se equilibrar. Pensar em alguma coisa completamente diferente de sua vida, em alguma coisa concreta, foi o começo do remédio. Passou a morar na barraca, bem escondida, cobertinha para não chover dentro. Fazia sua própria comida, fogãozinho a gás, para não incendiar tudo. Passava muito tempo sem ver ninguém. E era pássaro, inseto de todo tipo. Nadava em uma cachoeirinha perto, água gelada que só vendo, corpo nu. Pegava dali para cozinhar, lavar roupa. Para beber, trazia um garrafão de vinte litros, lá de baixo. Porque descia uma vez por mês, para ir ao banco conferir a aposentadoria e comprar mantimentos. Passava em um barbeiro, cortava o cabelo, o máximo de urbanidade que conseguia agora. Naquele dia, dormia em um hotelzinho barato. De madrugada, ia ao apartamento só para conferir tudo. De manhã, café em uma padaria desconhecida. Um dia, em sua floresta, braços abertos de preguiça na manhã que raiava, ouviu um barulho perto, no meio do mato. Deu um passo atrás, escondeu-se atrás de uma árvore. Viu, com surpresa, sua alma meter a cara entre duas enormes moitas, risonha e desafogada.
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E.141.Eva - Eliane F.C.Lima


Era um sítio pequeno, gente muito pobre. Pouca chuva. Uma ou outra plantação vingava. Mal dava para comer. E alimentar as várias bocas. Umas galinhas ciscadoras. Dois galos magros. Comiam o que achavam. Quase nada. Mas assim mesmo, os ovos salvavam a fome. O pai caladão avisou à mulher: queria braços machos para ajudar. Desde a primeira gravidez, ele esperava um filho homem. A partir da terceira, já amarrava a cara, comunicado que era mais uma menina. Não entrava mais no quarto. Levava quase um mês para dirigir a palavra à coitada, que além da fome, das dores, dos trabalhos com o bebê e com as outras filhas, ainda carregava a culpa. Cada vez que se sentia prenha, entre a esperança do filho homem e o medo do desfecho. A cada nova menina, mais ódio do marido para si e para elas. Não adiantava as pequenas madrugarem, trabalhadeiras, irem ajudar o pai, fazendo mais do que o possível, sem uma palavra de revolta. Eram responsáveis pela seca, pela terra árida. Ele nunca olhava direto para elas, ordens dadas de cabeça baixa. A mãe achava que ele nem sabia seus nomes. Custava a ir à cidade registrar, indiferença pela nova criança, capim ruim brotado entre as pedras. À noite, à mesa, comia mudo, olhos fitando o nada. Era como se estivesse só. As meninas também nada falavam, temendo o pai. Logo que ele ia para a cama, conversavam baixo, até sorriam. Mas não aguentavam muito, o corpo moído, sem condição de aproveitarem um pouco mais a felicidade de estarem sós, serem mulheres. No quarto parto, avisado do sexo, saiu de casa e voltou apenas no dia seguinte, bêbado, o que nunca tinha feito. Quis bater na mulher e nas três filhas maiores. Nunca falou com o bebê; não fosse a mãe, cresceria órfã. Um dia, pensando a mulher que estivesse já livre daquela tortura, muitos anos transcorridos, viu as regras faltarem. Escondeu sua descoberta, mas logo que a barriga começou a crescer, viu-se examinada pelo homem, coisa que há muito não ocorria, usada no sexo da mesma maneira bruta dos galos com as galinhas no terreiro. Os padecimentos do estado acrescidos pela tensão constante, o pavor do dia do parto, as filhas incluídas no sofrimento. Sem esperança alguma. Nas primeiras contrações, engoliu o lamento na boca, as dores menores do que o medo. Aguentou o quanto pôde, o marido e as filhas saindo para a roça. Quando foi a hora, deitou-se na cama e fez, sozinha, nenhuma surpresa e imensa aflição, a quinta filha nascer. Pisada forte do marido, agarrou-se à criança. Ela sabia de tudo. Não vendo a mulher na cozinha, ele irrompeu no quarto. Um safanão jogou a mãe desesperada para trás. Arrancou a criança, examinou-a, levando embora. As quatro filhas, estarrecidas em um canto, tremiam e choravam, ouvindo os gritos da mãe. No terreiro, montado o burro magro emprestado, sumiu na poeira. Na estrada para outra cidade, desceu e esperou. Fez sinal para vários carros. No primeiro que parou, tirou o chapéu em cumprimento. Mentiu: era muito pobre e tinha quatro filhos. Sua mulher, acabada de dar à luz, morreu em seguida. Sem mãe e leite, a pobrezinha também ia morrer dali a poucas horas. Por Deus, fizesse a caridade de levar e salvar aquela inocente alma. Tudo voltou ao normal. Menos a mulher: olhar para longe, fala sem nexo. Foi substituída na cozinha pela mais velha. As meninas cercando a mãe de carinho, se podiam. Penteando os cabelos já embranquecendo. Coisa de dois anos, surpresa e revolta, o ventre da louca se avolumando. Agora o desespero era delas, alheia a outra. Nos primeiros gritos da mãe – quem sabe lembrando o ocorrido – a mais velha, sozinhas as duas, levou-a para a cama. Fez o parto da mãe quase desfalecida. A moça aparou um menino magrinho, choro forte. Deu um sorriso, Mulher no paraíso saboreando a maçã. Chegado o pai, ouviu o choro. Amarrou a cara: - É menino homem – avisou a irmã. Na cadeira, mão no peito, arfado forte. Entrou no quarto, a mãe amamentando começou a gritar. Entre os uivos da mulher, pegou a criança à força, sexo visto. Saiu do quarto com um largo sorriso na cara. Naquela mesma noite, a mulher morreu. Desesperado, ele correu toda a vizinhança procurando outra mulher parida. Coisa fácil de achar. Cresceu o menino. Alta a sua voz já esquecida, com ele o pai era outro, único pé de milho verde no meio da seca. As irmãs sempre na roça, a mais velha agora mãe do pequeno, agarrado em sua saia, fazendo sempre o que ela queria. Logo o filho foi junto para a roça, aprender a lida, sol a pino, terra seca. Mês após mês, ano após ano. Dia ainda escuro, pai levanta para o café. Filho já moço, bigodinho nascido, irmãs em volta. Sobre a mesa, uma mala velha. Do lado, comida amarrada, não para o eito. - Que é isso? – pergunta o homem, já velho. - Vou embora. Isso não é vida. Não quero morrer de fome aqui – olho rápido para a irmã mais velha, ela fixa nele. O homem levanta o rosto direto para as filhas, há muito tempo não faz isso. São tantas. Falta uma. Todas cabeças baixas. Só a mais velha encara. Vê prazer nos olhos dela. Bota a mão no peito. Custa a falar, mas o que sai, sai seco: - Daqui não sai! Preciso de você na roça. - As meninas fazem isso sozinhas. São elas que fazem o milagre, o pai não vê? Olha a irmã que vira o rosto firme para fora. Pega a mala, a trouxinha e sai rápido pela porta. Belo cabelo ao vento ainda frio. As irmãs viradas para o terreiro. Acenando. No meio da pequena sala, um baque. A primogênita olha para trás: o roceiro caído, mão no peito, boca roxa, cara franzida. Erva daninha arrancada, murchando ao sol. Volta-se para a frente, sacode o braço com mais força para o rapaz que já vai sumindo na poeira do caminho.
Fonte: http://conto-gotas.blogspot.com

E.140.Esotérico - Eliane F.C.Lima


Desde o começo da aula, ele não queria escrever, amuado e encolhido.
Instado, disse que estava com muita dor de cabeça. A professora segurou a mão do menino. Começou a fazer uma massagem oriental para diminuir a dor.
Massageou vagarosamente. O menino quieto, olhinhos fechados, sorriso na boca.
Perguntado se a dor tinha passado, cabeça que não!
Movimentos circulares, a dor não passava nunca. Professora desconfiou de malandragem.
Finalmente, ele assentiu e começou a fazer os exercícios. Na hora do recreio, sala dos professores, deram informação.
Irmão de mais quatro e pais separados, cada um deles levou dois filhos.
Ele, o mais velho, sobrou e foi para a casa de duas tias solteiras, que reclamavam da herança humana e do dinheiro, que não recebiam,
para sustentar o garoto.
Ameaçavam todo dia devolver o pequeno. Só então a professora entendeu: o que tinha resolvido era o carinho ocidental.
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E.139.Encontros - Cecília Meireles


Desde o tempo sem número em que as origens se elaboram,se estendem para mim os seus braços eternos,que um estatuário de caminhos invisíveisconstruiu com a cor e o frio e o som morto de mármores,para que em teu abraço haja imóveis invernos.
Tu bem sabes que sou uma chama da terra,que ardentes raízes nutrem meu crescer sem termo;adestrei-me com o vento,e a minha festa é a tempestade,e a minha imagem,como jogo e pensamento,abre em flor o silêncio,para enfeitar alturas e ermo.
Os teus braços que vêm com essa brancura incalculávelque de tão ser sem cor nem se compreende como existe-são os braços finais em que cedem os corpos,e a alma cai sem mais nada,exausta de seu próprio nome,com uma improvável forma,um vão destino e um peso triste.
Pois eu,que sinto bem esses teus braços paralelos,na atitude sem dor que é o rumo e o ritmo dessa viagem,digo que não cairei com uma fadiga permitida,que não apagarei este desenho puro e ardentecom que,de fogo e sangue,foi traçada a minha imagem.
Eu ficarei em ti,mísera,inútil,mas rebelde,última estrela só,do campo infiel aos seus escassos.E tu mesma achará pasmos de lagos e areias,diante da forma exígua,sustentada só de sonho,mantendo chama e flor no gelo dos teus braços.