terça-feira, 26 de fevereiro de 2019
C.033.Cinco Poemas - Antonio Júnior
Não há regresso.
tornar a enxergar vastidões de relâmpagos,
de rústicas madrugadas.
sabás do que nem sei,
do que nunca suspeitei: uma plenitude,
um sinal celeste, o demoníaco
fio que conduz ao inumano,
neste tempo de enganos.
não há regresso.
sou um cântico
esmagado dentro do silêncio
um cigano
uma estrada imunda até à lua
eu sou a lua
um retrato
de um bar numa longínqua madrugada
um fósforo de faíscas púrpuras
um tubarão em oceanos nunca mergulhados
um deserto escarlate, uma chuva generosa
uma chuva de seiva - fácil, única
uma carta que não sabe onde você mora,
não encontra o diáfano caminho
que guarda palavras em todas as línguas,
todas as preces
e interroga:"que acontecia se eu voltasse,
se você voltasse?"
lobos existem, assim como raposas e víboras, mas
o que tenho não merece cobiça:
um nome que é um hábito impertinente
que nem sequer exala o bálsamo
de tantas folhas miúdas
que nascem subitamente ao amanhecer.
escuto o silêncio.
é coisa para doidos, como esperar a nudez
de um amanhecer cinzento
ou seguir em transe uma abelha de
flor em flor.
a música
do silêncio-jazz.
para não extinguir a esperança
do inominável mistério.
mistério meu, que muito quero.
aceitando tudo, vomitando tudo.
aproximo os ouvidos: não existe terra,
não existe céu. tão somente a vida é lenda.
escuto, escuto. o silêncio-jazz.
vou por onde acaba o nascimento,
por entre pressentimentos.
a inquietação - como roer a arte, a vida, Deus? - é
protagonista de minha história comum
de minha história em mim que me
persegue e me foge
conflito por dizer que vivo que consigo ver
enquanto chove nesta escuridão lisboeta
de dezembro
e caminho à margem do Tejo
constelação líquida de todas as águas do mundo
e poderei viver ao sabor de uma conversa abstrata
enquanto se fala e se volta a esquecer
o essencial
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