segunda-feira, 16 de outubro de 2023
C.129.Caiu na rede...fica imbécil - Eliane F.C.Lima
Será que a solidão me afetou realmente os miolos? Ainda bem que na Internet ninguém me vê. Nem meus amigos. No chat. No princípio, sentia-me ridículo e não
conseguia falar com ninguém. Não só por não conseguir descobrir como é que se entrava na conversa, tecnicamente – aquilo era conversa? –, como por não saber
a quem me dirigir.
Cheio de franqueza, dizia minha idade: 58 anos. Ninguém me respondia. Até “Ñ enxe tio eu to oculpada.”, eu li.
Assim mesmo, com x. Quando, finalmente, entendi o que ela queria dizer com aquele “oculpada”, quem se sentiu “culpado”, fui eu.
Quando alguém falava comigo, eu demorava tanto escrevendo uma resposta, que vinha outro e me arrebatava a garota.
Hoje, ñ escrevo +, teclo, quer dizer, “tcl”. Nas primeiras vezes, fiquei horrorizado. Lia um monte de besteiras e não conseguia me conformar com aquilo.
Saía da “sala” – na rede, é claro – e ia para a sala, ver televisão ou dormir. Ficava mal-humorado durante muitos dias.
Pela montanha de tolices que tinha lido, por ter entrado naquele bate-papo ridículo, por não entender nada do que falavam, não descobrir quem falava com
quem, por não fazer parte daquele mundo, enfim, ou por concluir, talvez, que eu não fizesse mais parte deste mundo.
Até que resolvi entrar, dizendo: “Aí, galera, sou Bad Boy 22. Foi o “Abre-te, Sésamo.”
Ficou quase impossível atender a todo mundo que me respondeu. Concentrei-me em um nome só, qualquer um, sem procurar escolher se as respostas tinham conteúdo
ou não. Afinal, nenhuma tinha mesmo. Era isso. Descobri a chave. E comecei a falar um monte de besteiras mentirosas.
Que era baiano. Mas tinha um ap no RJ, de meu tio carioca. E toca a abreviar tudo, para dar tempo e não perder a interlocutora.
Aprendi a fazer leitura dinâmica: pega-se um quê qualquer da fala da outra e responde-se àquilo. S
e não fizer sentido, não tem importância. O sentido não faz diferença, o que importa é teclar.
Escreve-se uma série de “kkkkkkk” depois e faz de conta que era só uma piada. Hoje sou o garanhão do chat.
Quando entro, ganho todas as atenções. O bom é que eu gargalho sozinho, sentado em minha cadeira, das idiotices que digo ali. Rio dos outros, muito... e de
mim.
Que garantia eu tenho de que Fofona20 não tem setenta anos?
Fonte: http://conto-gotas.blogspot.com
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